Por Thiago Amparo
O fantasma da tirania irá com Olavo para o inferno ou continuará a nos assombrar?
Em “Macbeth”, peça seiscentista de Shakespeare, o general escocês Macbeth é instigado a matar o rei e assumir seu posto. Na bela versão em streaming ora lançada, com Denzel Washington e Frances McDormand, a câmera próxima e a estética em preto e branco materializam o tom fúnebre da peça sobre o general-rei atormentado pela culpa.
Numa das cenas mais memoráveis —a do jantar real—, Macbeth, já rei, sofre com alucinações. “Não sois homem?”, pergunta sua mulher, com furor. “Sou, e dos corajosos, que ousam encarar algo que espantaria o diabo”, responde Macbeth. Referindo-se às alucinações, sua mulher diz: “Esta é a expressão do seu próprio medo. É como o punhal invisível que o levou a Duncan [o rei]”. Os presentes se espantam, mas nada fazem.
Trago aqui Macbeth para compreender o hoje, como faz Greenblatt em “Tyrant: Shakespeare on Politics”. De Macbeth, Greenblatt extrai que toda tirania necessita de “instigadores”, personagens que incitam a conspiração alucinógena da política de nós contra eles. Na peça, estes são a esposa e seres fantasmagóricos cuja profecia o leva a desejar a coroa.
O debate não é sobre celebrar ou não a morte de Olavo; é sobre reconhecer que toda reação coletiva à morte é política, seja martirizá-la em luto, seja silenciar-se sobre ela, seja incendiá-la em praça pública.
Seja o que for, a real questão é se o fantasma da tirania liberado por Olavo irá com ele para o inferno ou se, como em Macbeth, continuará a nos assombrar, para a conivência lucrativa de uns e espanto insincero de outros.
Artigo Publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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