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Os resultados cambiais do BC devem ser usados no combate à crise

Por André Paiva Ramos, Caio Yamaguchi Ferreira e Fábio Terra

O financiamento monetário,  como já apontado corretamente por vários economistas, é imprescindível no atual momento e depende da mudança do art. 164 da Constituição, autorizando o Banco Central (BC) a comprar títulos diretamente do Tesouro

O Brasil é o atual epicentro da pandemia da Covid-19. O isolamento social é inevitável para mitigar o contágio e os óbitos, sobretudo com a grande possibilidade de colapso no sistema de saúde. Enquanto não se controlar o avanço da pandemia, não há como propor a volta à normalidade econômica.

Há grande apreensão e incerteza sobre a profundidade da crise e sua duração. A atuação rápida do Estado é crucial para financiar a saúde, proteção social, emprego, renda, e empresas, arrefecendo os impactos da crise e o aumento da vulnerabilidade socioeconômica. O agravamento da crise, porém, aponta para uma destruição da base de arrecadação tributária. Então, agora não será daí que virão recursos públicos adicionais. 

Recentemente, o Secretário do Tesouro Nacional disse que o déficit primário alcançará R$ 600 bilhões (8% do PIB), devido a menor arrecadação e a maiores gastos da União, estados e municípios para enfrentar a pandemia. O ministro da Economia não descartou a emissão monetária para financiar as ações do governo em um cenário mais aterrador (e provável) de desemprego em massa e vasta falência de empresas. 

As falas dessas duas autoridades exigem alterações constitucionais. A mudança de ordem fiscal já consta na PEC 10/2020 e suspende a Regra Ouro, o que permite o aumento da dívida pública para custear despesas correntes. Ressalte-se que a PEC 10/2020 só permite o BC a comprar títulos no mercado secundário. Já o financiamento monetário,  como já apontado corretamente por vários economistas, é imprescindível no atual momento e depende da mudança do art. 164 da Constituição, autorizando o Banco Central (BC) a comprar títulos diretamente do Tesouro.

Contudo, além dessas duas alternativas, há outra forma mais célere para financiar o Estado, repassando ao Tesouro os recursos dos resultados das reservas internacionais. Esse caminho pode ser viabilizado por meio de lei ordinária, conforme o Projeto de Lei (PL) 2.184/20, protocolado no dia 27 de abril pelo Dep. Paulo Teixeira (PT-SP).

O ganho cambial do BC acumulou mais de R$ 500 bilhões de janeiro a 24 de abril de 2020. Deve-se viabilizar a transferência destes ganhos ao Tesouro. Os recursos ajudarão o esforço do Estado para financiar a saúde, proteção social, emprego e empresas. A proposta não envolve a venda deliberada de reservas internacionais, apenas o uso dos ganhos da operação cambial corriqueira do BC.

Os resultados do BC com as reservas vêm de três meios: (1) venda de dólares para responder à retirada de recursos do país por estrangeiros; (2) Ganho de capital das aplicações das reservas em títulos públicos dos EUA. Com a diminuição dos juros americanos há aumento de valor de mercado dos títulos. Quando o BC vende o título valorizado, ele efetiva o ganho de capital; e (3) Apuração do valor contábil das reservas, que depende da taxa de câmbio, sem que se opere a sua venda. Com a desvalorização cambial, como a atual, o valor contábil das reservas em dólares é majorado em reais.

A Lei 13.820/2019 regra atualmente o resultado cambial. Dentre outras coisas, ela exige que o resultado cambial forme reserva de resultado no BC e que a cada semestre, caso haja repasse do BC ao Tesouro, o recurso seja vinculado ao manejo da dívida pública. 

Para somar os ganhos cambiais ao combate à crise, o PL suspende, durante a vigência da calamidade pública, a eficácia da Lei 13.820/19 nos seguintes pontos: (1) o resultado cambial será repassado ao Tesouro e ele será apartado do cálculo do superávit financeiro. (2) A proposta reduz a periodicidade semestral do balanço do BC para mensal, para viabilizar transferências mensais ao Tesouro. (3) E ele permite a transferência do saldo já acumulado em 2020. 

A medida tem por virtude oferecer meios ao Tesouro para combater a crise, inclusive com mais poder de ajudar estados e municípios. O ganho cambial é um recurso próprio da União, não decorrente de financiamento via dívida. Ele abre margem para o Tesouro ter maior capacidade de administração fiscal, gerenciando recurso próprio e endividamento, a depender da conjuntura. Assim, a variação da dívida pública com o uso do ganho cambial ocorrerá na fração em que se precisar retirar liquidez no mercado monetário. 

As reservas são um patrimônio da União. É obviamente cabível que se usem seus resultados na luta contra a Covid-19. Isso exige, inclusive, que haja repasse a estados e municípios, que são a linha de frente contra a pandemia. Porém, eles não fazem política monetária e sua política fiscal é muito restrita.

O momento atual exige a disponibilidade e a coordenação dos mecanismos de financiamento estatal, com  a urgência que a situação adversa requer. A transferência do resultado das reservas internacionais do BC para o Tesouro caminha nesse sentido. Ela não pode ser negligenciada, em especial, por ser passível de ser realizada por meio de aprovação de lei ordinária.

Artigo publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil.

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