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Parcialidade: diálogos da Lava Jato podem anular processos contra Lula, diz advogado

Parcialidade: diálogos da Lava Jato podem anular processos contra Lula, diz advogado

Por Daniel Giovanaz

Doutor em Direito e membro da ABJD analisa possíveis repercussões dos vazamentos desta semana, autorizados pelo STF

“Sem dúvida, o sítio é do Lula, porque a roupa de mulher era muito brega. Decoração horrorosa. Muitos tipos de aguardente. Vinhos de boa qualidade, mas mal conservados. Achei o sítio deprimente”. Essa é uma das mensagens vazadas esta semana, com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF), que mostram conversas entre procuradores da força-tarefa da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro em diferentes fases da operação.

A parcialidade dos procuradores e do juiz, já demonstrada na série de reportagens apelidada de “Vaza Jato”, do The Intercept Brasil, agora vem à tona com a chancela do ministro Ricardo Lewandowski, membro da mais alta corte do país. 

Brasil de Fato entrevistou o advogado Sérgio Graziano, doutor em Direito e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), para entender as implicações dos vazamentos sobre os casos em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é réu ou investigado. Segundo o especialista, há elementos suficientes para anulação dos processos.

As mensagens demonstram uma violação ao artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ou seja, Lula deveria ser presumido inocente até hoje, mas os diálogos mostram que foi considerado culpado antes de qualquer sentença.

A reportagem também tentou contato com os advogados do petista sobre possíveis mudanças na estratégia da defesa a partir dos vazamentos. Cristiano Zanin, que responde pela equipe, está afastado das atividades esta semana por motivos pessoais.

Pelas informações que vieram a público até o momento, a defesa usará as conversas entre Moro, procuradores da Lava Jato e autoridades da Suíça para questionar a cooperação entre o Brasil e o país europeu e assim ter acesso aos arquivos originais que foram apreendidos dos servidores da empreiteira Odebrecht. 

A defesa de Lula suspeita que a cooperação se deu de forma extraoficial e, por isso, seja possível anular os processos. A força-tarefa nega essa hipótese.

Advogados na Suíça já estariam com os documentos em mãos, aguardando posicionamento do Ministério Público na capital do país europeu sobre a legitimidade das mensagens trocadas entre os procuradores.

Análise

“A parcialidade do Moro e a relação entre os integrantes da força-tarefa e o magistrado não são novidade. O que é novidade é a profundidade da relação entre eles, que para mim é o mais grave”, avalia Graziano. “Essa promiscuidade e subserviência do Ministério Público aos comandos do Sergio Moro é muito acintosa”.

O integrante da ABJD chama atenção para diálogos em que Deltan Dallagnol, então chefe da força-tarefa, descreve a Moro os elementos que tinha até o momento para uma denúncia contra Lula. Os vazamentos mostram que o então juiz questiona, pede explicações e detalhes, e Dallagnol responde de maneira obediente.

Em vários trechos, Moro orienta os procuradores sobre conversas que deveriam ter com determinados advogados, sobre o tipo de denúncia que devem apresentar, e questiona até se “não é muito tempo sem operação”.

“Isso é extremamente preocupante”, ressalta Graziano. “Agora temos ideia do nível de comprometimento entre que eles, que é altíssimo.”

Para o especialista, os novos vazamentos deslegitimam qualquer argumento de Moro ou dos procuradores que diziam não reconhecer o conteúdo das mensagens divulgadas pelo The Intercept Brasil e seus parceiros.

“Houve perícia cruzada nas mensagens, então a autenticidade delas e a não existência de ruptura da cadeia de custódia está comprovada. Não dá mais para dizer ‘não falei isso’, ‘aquilo pode estar adulterado'”, enfatiza.

Provas ilícitas?

Graziano afirma ainda que a liberação dos diálogos pelo ministro Lewandowski abre novos debates no entorno da Lava Jato, das atribuições de cada ministro do STF e do que se considera uma prova obtida de maneira lícita.

“Existe um debate muito interessante sobre se o Lewandowski tinha ou não competência processual para dar esse despacho, tornando públicas essas mensagens. Há quem diga que o [relator da Lava Jato no Supremo, ministro Edson] Fachin seria o juiz natural”, explica. “Porém, dentro do Supremo já há precedentes em que alguém traz uma reclamação e não é o relator, mas outro ministro que decide. O fato é que o relator pode revogar aquela decisão, mas esse é um debate meramente processual”.

Opinião: A derrocada da Operação Lava Jato – reflexões sobre a corrupção no Brasil

A defesa de Lula teve acesso às mensagens após protocolar uma reclamação afirmando que a 13ª Vara Federal de Curitiba descumpriu uma decisão da 2ª Turma do STF que havia assegurado à defesa do ex-presidente o acesso aos autos do acordo de leniência da Odebrecht. Essa decisão da 2ª Turma havia sido proferida no âmbito de outra reclamação, nº 33.543, cujo relator, após o julgamento, era Lewandowski.

Como não é mais possível negar que as mensagens são autênticas e que houve parcialidade, Graziano analisa que Moro e os procuradores passarão a questionar a forma de obtenção das provas. Segundo ele, a situação é curiosa, porque a própria Lava Jato é acusada há pelo menos cinco anos de realizar grampos ilegais e tentar “ampliar” o conceito do que é uma prova lícita.

“É curioso porque as Dez Medidas Contra a Corrupção, defendidas por Moro e pela Lava Jato, preveem que provas ilícitas possam ser usadas legalmente se ‘obtidas de boa-fé'”, lembra. “Ou seja, se as medidas fossem aprovadas, esse dispositivo poderia ser usado contra a Lava Jato, porque certamente houve boa-fé no sentido de mostrar a parcialidade e a sordidez do trabalho executado por um agente público.”

A advogada Rosangela Wolff Moro, esposa do ex-juiz Sergio Moro, ingressou no Supremo com uma reclamação pleiteando a suspensão e revogação da decisão que liberou o acesso às mensagens à defesa de Lula. A ação afirma que houve usurpação de competência do ministro Fachin, e tenta forçar a distribuição de sua petição a um ministro que tenha entendimento diferente do de Lewandowski.

Apesar da perícia cruzada, Moro mantém a afirmação de que as mensagens apreendidas pela Polícia Federal não são autênticas, mas que houve houve “violação criminosa” de aparelhos celulares. O ex-juiz também argumenta que, ainda que os diálogos fossem autênticos, as mensagens mostram apenas que o juiz tentou “proteger” o réu. Nenhum dos procuradores que aparecem nos diálogos reconheceu, até o momento, a veracidade do material.

Para Graziano, a contradição expressa na petição de Rosangela Moro é reveladora: “É cômico. É praticamente um atestado de óbito [da carreira] de Moro.”

Questionado sobre os possíveis impactos das mensagens sobre os processos contra o ex-presidente Lula na Lava Jato, o integrante da ABJD é taxativo: “Eu tenho convicção plena de que vai impactar. Não tenho a menor dúvida quanto a isso: é para ser anulado. Se isso não for prova de parcialidade, esse instituto tem que desaparecer”, reafirma.

“A prova é concreta, robusta e é válida. Agora, se a anulação vai ocorrer efetivamente, depende do STF”, finaliza Graziano.

Lula foi condenado sem provas em segunda instância nos casos “tríplex” e “sítio de Atibaia”, a partir de decisões em primeira instância proferidas em Curitiba. Como não houve trânsito em julgado e os casos ainda podem ser revertidos por meio de recursos em tribunais superiores, o ex-presidente está solto desde novembro de 2019. 

Em meio às críticas pelos diálogos vazados pelo STF, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná foi extinta no último dia 2.

Artigo publicado originalmente no Brasil de Fato.

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