Por Thiago Amparo
Ela foi morta em confronto, porque morticínio não é confronto, é barbárie
Parem as máquinas, pois Kathlen Romeu é assassinada. Assim mesmo: no tempo presente. Eu me recuso a escrever sobre mortes negras no passado, porque vivemos num grande presente a se repetir e repetir; no qual o futuro é uma obra afrofuturista. Ser negro no Brasil é viver uma constante dissonância cognitiva: nosso corpo está aqui e agora, mas contra esse corpo é aplicada, e reaplicada, a mesma tortura há séculos.
Kathlen Romeu, 24 anos, grávida de quatro meses, não foi morta em confronto, porque morticínio não é confronto, é barbárie. Kathlen Romeu não foi alvo de bala perdida, porque a bala é sempre certeira contra os mesmos endereços e a mesma cor: 700 mulheres foram baleadas no RJ desde 2017; sendo 15 delas grávidas, como Kathlen; dez bebês foram baleados ainda na barriga da mãe, segundo dados do Fogo Cruzado.
O que está em curso no RJ é, tecnicamente, genocídio: destruição intencional de um grupo étnico-racial. E quero que vá às favas quem ache que isso seja calunioso, posto que falso não é: governo e polícias do Rio de Janeiro têm as mãos sujas do sangue que derramam. Qual democracia sobrevive após ser esmagada pela queda do corpo que nunca pesa? Por que coisificamos mortes negras em mais um post preto e as transformamos em códigos de desconto?
Toda morte é política, porque fomos nós, a pólis, que produzimos o governo da morte. Que o incendiemos. Parem a grande máquina do mundo, pois Kathlen não sorri mais.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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