Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa de lançamento de livro com cartas que recebeu durante os dias que esteve na prisão, em Curitiba
Foram 580 dias encarcerado e 25 mil cartas recebidas. Um livro e a celebração da liberdade, da esperança, da democracia. O Tuca foi palco, na noite de 31/5, de um fato histórico: o lançamento, em forma de espetáculo teatral, da obra Querido Lula: cartas a um presidente na prisão (ed. Boitempo).
Ao ouvir a leitura da primeira carta, Lula chorou. E assim o fez em muitos outros momentos. Como também sorriu, quando uma das cartas citava a vitória do seu time do coração, o Corinthians.
Ladeado pela ex-presidenta Dilma Rousseff e pela sua esposa Rosângela da Silva, a Janja, Lula ouviu histórias pessoais de reconhecimento aos seus governos, de conquistas e luta, ouviu palavras de afeto e de conforto. “Muitas esperanças e pensa só positivo”, aconselhou o pedreiro Francisco Aparecido Malheiros.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também ouviu ordens peremptórias: “o sr. se cuide e não adoeça. É uma ordem. Preste atenção, menino, você não tem direito de ter uma gripe, precisamos que esteja firme e forte quando sair”, disse uma das missivistas.
“A gente não se conhece, mas eu já te devo muita coisa, sr. presidente”, escreveu a jovem Marina. “Minha mãe é minha inspiração e você é a inspiração dela. Você é a razão pela qual a gente sabe, com exemplos recentes, que esse país pode ser lindo se a gente lutar por ele. Eu sei que você é importante numa escala global, mas espero que também saiba como é importante numa escala individual”, ressaltou a missivista corintiana.
Emocionado ao ler sua carta, o jovem Lucas afirmou: “as sementes plantadas por vocês (Lula e Dilma) são como ramas de batata ao solo: uma vez plantadas, nunca mais se consegue eliminá-las, pois sempre renascerão”. Natural do sertão do Rio Grande do Norte, foi ovacionado pelos participantes do evento durante sua apresentação.
“Sou como o sr., presidente, um filho da pobreza, sofrido e criado como meu pai costumava dizer: ‘como Deus criou batata’, ou seja, de qualquer jeito. Como você, fui retirante. Na cabeceira da mesa, minha mãe se sentava e comia só depois de todos os filhos comerem, se sobrasse algo pra ela. Aquela cena era sagrada. Ela nunca reclamava e era sempre amorosa, até com as pessoas que passavam em nossa porta pedindo comida. Afinal, ainda não existia o Bolsa Família. Lula, associo seu cárcere político à sublime ausência de minha mãe à mesa durante as refeições. Mas eu, aquele ‘zé ninguém’, tive a oportunidade de comprar um apartamento pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Pra desespero da burguesia, ainda comprei um Celta. Para nós, que emergimos da miséria e temos pais analfabetos ou semianalfabetos, ver os filhos chegarem à universidade pública é motivo de alegria e orgulho. Obrigado, Lula”, disse Lucas.
O ex-presidente também fez seus agradecimentos, na noite de celebração no Tuca. “A vigília das pessoas, os ‘bons dias, boas tardes, boas noites’, cada carta dessa que eu recebia, tudo era uma injeção de ânimo. Significava que estava valendo a pena passar por aquele sacrifício, que eu estava do lado da verdade. Tudo o que vocês fizeram foi muito mais do que eu jamais pensei em merecer. Um país com a solidariedade e a fraternidade que eu senti não pode ter medo. Tem uma razão pra gente voltar: é para que outras pessoas, como essas que me escreveram cartas, possam ter as oportunidades que todo mundo tem o direito de ter”, afirmou Lula.
“Há uma coisa que está na minha cabeça, que é mais presente do que eu já vivi em qualquer outro momento da vida: estou mais forte, mais consciente, mais maduro, mais experiente. Tenho consciência que é possível fazer mais do que eu fiz. Eu volto a disputar uma eleição porque a minha indignação é maior do que era há 22 anos. Nós temos a obrigação de ficarmos indignados com o país do jeito que está, com as pessoas passando fome, sem casa para morar. A gente não pode encarar isso como coisa normal. Eu não estou mais radical, eu estou mais consciente”, disse Lula.
Antes do início do espetáculo, o ex-presidente Lula e o ex-ministro Haddad estiveram no gabinete da Reitoria, e foram recebidos pela reitora Maria Amalia Andery, além de outros representantes da gestão e da Fundação São Paulo.
Depoimentos
O espetáculo teatral, da obra Querido Lula: cartas a um presidente na prisão (ed. Boitempo) foi dirigido pelo brasileiro Márcio Abreu e o francês Thomas Quillardet (assista aqui).
“Não há, até onde sabemos, nenhum movimento equivalente na história, ao menos na mesma escala”, diz a organizadora da obra, a historiadora e brasilianista francesa Maud Chirio, que é professora e pesquisadora na Universidade Gustave Eiffel, França, onde Querido Lula foi publicado este ano. Ela estava presente ao evento no Tuca.
Veja a seguir alguns depoimentos dos artistas e políticos que participaram da apresentação (clique aqui também para ver o álbum de fotos no facebook):
Fernando Haddad, ex-ministro da Educação
“O evento é muito importante, nos apresenta cartas que são relatos emocionados, por todo o legado do presidente Lula. Isso nos anuncia um tempo de esperança e de mudança. Todos queremos sair da situação em que nos encontramos em termos de miséria, de falta de perspectivas. O Lula representa uma grande esperança para o Brasil por tudo que ele significa, por toda sua trajetória e pelo legado dos seus dois governos. E a PUC-SP é a casa da democracia e da justiça social. Todos que têm compromisso com o Brasil e com as causas sociais se sente em casa nesta universidade.“
Márcio Abreu (diretor da apresentação no Tuca)
“Fizemos a dramaturgia a partir das muitas cartas que Lula recebeu. Houve uma pesquisa profunda sobre os textos, coordenada pela Maud Chirio, junto ao Instituto Lula, e alguns voluntários, pessoas que se dispuseram a colaborar na pesquisa, catalogação e registro deste material tão precioso que, de alguma maneira, conta uma parte importante da história do Brasil e de todas e todos nós. A presença do Lula e de alguns missivistas e dos artistas fazem do evento uma experiência única, diferente e histórica.”
Thomas Quillardet (diretor da apresentação no Tuca)
“É um evento muito especial. No palco estiveram pessoas que escreveram para o Lula, quando ele estava na cadeia, sem imaginar que um dia iriam ler a própria carta para ele, com uma multidão assistindo ao evento. Também é um momento muito especial porque são cartas de pessoas muito humildes, que saíram da pobreza e querem agradecer a um político a ajuda que receberam. Isso carrega um sinal e um recado muito importante, de que a política pode mudar a vida das pessoas. Eu resido em Paris e, quando realizamos o espetáculo lá, a intenção era dizer ´vocês não estão sofrendo sozinhos, a gente está do outro lado do oceano, mas estamos aqui lutando com vocês´. Eu não imaginava atravessar o Atlântico para fazer o mesmo evento, com os missivistas e com o próprio Lula. Foi emocionante.”
Denise Fraga
“Esse teatro é muito querido por todos nós, fui muito feliz aqui durante muitos. Essa foi uma noite muito especial, porque a leitura das cartas e a reunião delas nesse livro o tornam um documento muito importante. Os relatos e as pessoas que os escreveram para o presidente Lula na prisão acabaram contando a história de todos nós. Juntos, retratam um Brasil que precisa ser conhecido, pois muita gente não entende a importância que teve esse grande homem (Lula) para o nosso país. Acredito que ao ler esse livro algumas pessoas possam chegar a compreender isso. Através de relatos muito singelos de seus cotidianos, de coisas da sua vida, de pequenas conquistas e vitórias, os missivistas fazem a gente ver a dimensão que teve Lula na presidência e o que a gente pode ainda ter na esperança desse retorno.”
Tulipa Ruiz
“Hoje, aqui no Tuca, é um lugar de encontros e fortalecimentos, de organização de narrativas, quando nos encontramos para trocar e falar, e isso tem sido muito fortalecedor. Fui aluna da PUC-SP e isso torna tudo ainda mais emocionante e forte.”
Camila Pitanga
“Na atual conjuntura a gente precisa de muita coragem, muita força, mas a gente precisa de muito afeto e amor. Essas cartas simbolizam isso, o amor num momento de crise e dificuldade, do Lula preso de forma tão injusta. E este é um retorno aos missivistas que escreveram as cartas, que se dá no âmbito da cultura. Afeto também é cultura. Então é uma celebração da vida, da democracia. É a primeira vez que venho ao Tuca e logo numa noite como esta, que se torna mais uma vez a casa de uma semente que a gente quer regar de amor e crença em nosso país.”
Érika Hilton
“A minha sensação é de estar fazendo a coisa certa ao estar aqui, neste momento tão importante e tão crucial. Temos uma eleição duríssima para ser vencida e vir aqui essa noite, neste espaço universitário, junto com jovens, essa galera que foi eleita inimiga do país pelo presidente atual. Reler e relembrar esses momentos terríveis que se passaram a partir da prisão injusta do ex e futuro presidente Lula é algo grandioso, gigantesco e mostra que estamos vivas e de pé, que a esquerda brasileira continua organizada, unida e fortalecida em prol de um bem comum, que é a refundação do Brasil.”
Preta Ferreira
“Bem na carta que troquei com o Lula, quando ele e eu estávamos presos, eu digo que queria estar vivendo este momento junto com o povo e ao lado dele. Sonhos são feitos para serem realizados e hoje é um desses dias, nos vermos em liberdade, lutando pela nossa democracia, juntos ao lado do povo. Podem nos prender, podem tentar nos humilhar, podem tentar nos silenciar, mas a gente sempre volta mais forte.”
Cléo Pires
“É muito importante estar nesse lugar (Tuca), que representa a arte de forma tão assertiva, direta e presente. Essas cartas, que foram lidas devem ter sido muito importantes para o nosso querido Lula, pois foram escritas num momento tão difícil que ele estava passando. E eu, como fã do nosso querido presidente, me sinto honrada em participar desse momento.”
Zélia Duncan
“Foi uma noite muito emocionante, na qual a gente pôde dar amor um ao outro. Essas cartas são um gesto enorme de amor e de esperança, mesmo num momento tão duro como foi aquele (a prisão do ex-presidente Lula). Eram as pessoas dando a esperança que um dia receberam desse homem que é o Lula. Amo esse teatro e já fui muito feliz nesse palco, então fico comovida de estar aqui, com artistas que eu que eu amo. Tenho certeza de que saímos daqui mais fortalecidos.”
Cida Moreira
“Já me apresentei muitas vezes aqui no Tuca, mas o mais importante é tudo o que eu já vi aqui, ao longo da minha vida. Estudei na PUC-SP e acompanhei vários momentos importantes, inclusive politicamente, como por exemplo as prisões realizadas pelo o coronel Erasmos Dias… O Tuca tem um fundamento muito ligado à política e à cultura brasileiras, e esse momento é um agrado, para a gente ficar tocado com as questões da política e da campanha presidencial.”
Publicado originalmente no Jornal da Puc-SP.
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