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Racismo ambiental e desigualdade: o que levou à tragédia de São Sebastião

Racismo ambiental e desigualdade: o que levou à tragédia de São Sebastião

Por Miguel Kupermann

Todo ano, no mês de janeiro, o país é assolado por fortes chuvas. Tivemos o desastre de Teresópolis em 2011 – que deixou mais de 900 mortos. Em 2021, tivemos as chuvas na Bahia. Ano passado, foi em Petrópolis. E, esse ano, o litoral norte de São Paulo, conhecido por suas belas praias onde os mais ricos do país passam seus finais de semana, foi surpreendido com a chuva mais forte registrada na história do Brasil, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia.

Por um lado, ter a humanidade de um líder como Lula nos traz um certo conforto, afinal, Bolsonaro quando presidente recusou-se a interromper suas férias e “rolês” de jet-ski para prestar auxílio ao povo da Bahia. Postura diametralmente inversa a do Presidente Lula.

Por outro lado, o desastre em São Sebastião ilustra com clareza solar o perfil das vítimas dessas chuvas de janeiro que já nem podem ser tratadas como surpresa em nosso país.

Quem viaja pela Rio-Santos vê um cenário muito conhecido pelo brasileiro: de um lado, próximo a praia, temos belas mansões que são habitadas – no máximo – aos finais de semana pelos milionários que residem e trabalham em São Paulo; do outro lado da rodovia, nos morros e nas encostas, temos as casas da população local – que é jogada às áreas de risco e longe das praias que cuidam e convivem.

Bom, o que ocorreu em São Sebastião não é novidade. A tragédia tomou essas proporções não somente pelo volume das chuvas, mas, também, pelo corte no orçamento de prevenção a desastres realizado pelo governo Bolsonaro. Segundo a Associação Contas Abertas o orçamento que estava previsto para esse ano – antes da PEC da Transição – é o menor em 14 anos.

Essa verba, que estava estipulada em R$ 1,17 bilhão, seria destinada para obras como contenção de encostas, drenagem, estudos de áreas de risco, entre outras, para prevenir e minimizar os danos de desastres naturais pelo país.

Contudo, dessa vez, não podemos apenas apontar os erros da gestão pública. O desastre em São Sebastião e, principalmente, o perfil dos mortos, escancara um problema comum à todas as tragédias ambientais e naturais do Brasil: o racismo ambiental.

O racismo ambiental é um termo que faz referência ao processo de discriminação de populações periferizadas que sofrem através da degradação ambiental. Ou seja, os impactos ambientais são distribuídos de maneira desigual entre a população, os indivíduos periféricos e marginalizados sofrem muito mais do que àqueles mais ricos, justamente, porque são empurrados a habitar as áreas de maior risco.

A concepção do termo é atribuída ao ativista afro-americano Benjamin Franklin Chavis Jr. – que atuou como secretário de Martin Luther King e foi uma das lideranças do movimento dos direitos civis norte-americano.

É algo que se repete em todas as tragédias ambientais no Brasil. Não é uma coincidência que as vítimas, ou a maior parte delas, seja justamente das regiões mais periféricas.

Isso fica muito claro no desastre de São Sebastião, praticamente a integralidade das mortes e da perda de bens materiais são das populações que habitavam as encostas e os morros da região. Não se nega que os proprietários das mansões do litoral norte também sofreram danos, tendo em alguns casos suas casas alagadas. Mas, a proporcionalidade dos danos é totalmente desigual.

Os donos dessas mansões sempre tiveram repulsa em aceitar que as populações locais habitassem proximamente de suas luxuosas casas de veraneio. Inclusive, o ex-secretário bolsonarista, Fabio Wajngarten, proprietário de uma casa em Maresias, se uniu a outros moradores na oposição à intenção da prefeitura de São Sebastião em construir um conjunto habitacional com 400 moradias na região, em 2020.

Um vídeo obtido pelo jornal O Globo denunciou a participação dele em uma reunião com a Associação de Moradores da Região: “Enquanto eu estiver em Brasília, usem a minha posição lá. Utilizem os meus contatos. Essa história da habitação, das casas, o Eliseu [Arantes, que na época presidia a associação de moradores] me endereçou há uma semana, perto do réveillon. Eu liguei para o presidente da Caixa Econômica para saber se era verdade que o governo federal estava envolvido nisso. O presidente da Caixa não estava nem sabendo disso”.

Não por caso, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) ingressou hoje (terça-feira, dia 28) com uma representação no Ministério Público Federal e uma denúncia na Polícia Federal pedindo a abertura de inquérito contra o ex-chefe da secretaria de comunicação de Bolsonaro pelo crime de advocacia administrativa – uso do serviço público para defender interesses particulares. Segundo o deputado federal, Wajngarten pode ter levado à obstrução da construção das moradias populares no município.

A medida tomada por Boulos é de extrema importância não somente pela conduta de Fabio Wajngarten, mas porque isso escancara o espírito discriminador desses milionários que há 500 anos empurram os mais vulneráveis para as zonas mais perigosas de nossas cidades. Seja em Teresópolis, Petrópolis ou São Sebastião.

Sem que enfrentemos o problema do racismo ambiental e, uma vez que ele já existe, sem investir em ações de prevenção a desastres, continuaremos a assistir essas tragédias naturais que acontecem todo início de ano no Brasil.

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