Por João Paulo Orsini Martinelli, Matheus Matos e Fernando Zanardo
Quantas atrocidades já foram cometidas em seu nome? E quantas atrocidades já foram cometidas por não aplicá-la? O dilema do certo e do errado, do justo e do injusto é uma das questões mais antigas da humanidade; mas, ao que parece, a forma de enfrentar essas questões muda conforme o tempo e a cultura. E o direito, mecanismo de controle e formação das leis, fica, de tempos em tempos, à disposição dos poderosos, dos demagogos ou dos donos do poder. Às vezes, fica a serviço do povo e de seus juízos de valores. Mas, no pior dos casos, a justiça fica em mãos de juízes que decidem, não conforme a lei, mas conforme suas próprias paixões.
Quando, no voto do ministro Lewandowski, foi dito que “mais grave do que a corrupção é a ofensa aos direitos fundamentais do cidadão, que levam ao autoritarismo e ao totalitarismo”, duas perguntas poderiam ser feitas: mas a corrupção ficaria impune caso não haja outros meios de provas? E a corrupção não leva ao totalitarismo?
Há no Brasil grandes levantamentos feitos sobre o modelo acusatório, nos quais se discutem questões intimidadoras à democracia, como a parcialidade do juiz na produção de provas, assuntos que jamais deveriam fazer parte de sistema que separa, de forma ostensiva, os sujeitos do processo. A matéria entrou em voga novamente após a decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou condenação proferida pelo ex-juiz Sérgio Moro, no caso do Banestado, com base em provas produzidas após a instrução criminal e por sua atuação em colaboração premiada, o que é vedado por lei.
Desde que entrou em vigência o pacote anticrime no sistema penal brasileiro, os juízes e os advogados lidam com alguns impasses. Daí vemos a importância de um juiz que aja com imparcialidade, diferentemente do que aconteceu no caso supracitado, em que ficou evidente a falta de divisão dos sujeitos do processo e a confusão das funções de perseguir, acusar e julgar.
No Pacto São José da Costa Rica há previsão intrinsecamente ligada ao sistema acusatório, em que é previsto que todos têm direito de ser julgados por um juiz imparcial, observando as garantias fundamentais, evitando, assim, uma punição autoritária. O sistema acusatório é distinto do sistema inquisitório, característico da Idade Média, em que havia sede de condenação sem observar nenhum preceito fundamental ou alegações feitas pelo acusado – e isso somente para punir os hereges!
Mas tudo isso não afirma que um crime irá carecer de punição, e sim que é necessário dar um maior zelo para a manutenção da justiça e equidade no julgamento. Também vale dizer que não se deve transformar o direito processual em fel e o fruto da justiça em absinto, ou seja, brincar com as jogadas instrumentais para deixar um crime impune; isso também seria o reino da corrupção e da injustiça.
Disso infere-se a importância de um juiz que atua corretamente, enquadrando-se em sua função de julgar, e não de acusar. E, em novos casos como é o da colaboração premiada, ater-se acertadamente nas funções atribuídas, para não suceder uma tendenciosidade maior que é o ultraje aos direitos do acusado.
Agora, após a introdução de alguns apontamentos contundentes da atuação do magistrado, voltemo-nos para uma aula de defesa a democracia que ocorreu pela pena do Ministro Gilmar Mendes, que realça, em seu voto, um ponto imprescindível para o novo processo penal brasileiro, este que, por vezes, muitos “juges” usam e abusam de forma autoritária.
O ponto levantado pelo Ministro foi de encontro à imparcialidade e ao arbítrio dos artifícios que foram diversas vezes antevistos pela defesa dos acusados – esta que foi interpretada pela população como oportunista dos corruptores, mas, ao contrário, deveriam levar um troféu por verdadeiramente seguirem as regras do jogo.
O Ministro expôs da seguinte forma o que se acaba de relatar aos leitores: “Por óbvio, não se fala aqui em uma neutralidade metafísica. Todo julgador é humano, inserido em um contexto e uma realidade, um ser-no-mundo, que parte de suas experiências e vivências. O que não se pode admitir é que o julgador saia de sua posição equidistante das partes e se aproxime dos interesses de algum dos lados”.
A favor de uma liberdade judicial ampla e bem quista por todos os operadores, Gilmar Mendes bate numa tecla que estes autores defendem há muito tempo, pela qual se elaboram os questionamentos: há alguém acima da norma pura? Poderá um magistrado condenar alguém para uma masmorra estatal simplesmente por sua própria visão? Onde estarão as garantias processuais?
Em um mar de perguntas, o oceano do verdadeiro processo penal é a busca. Sendo assim, vemos que não somente Sérgio Moro cai em devaneio com as normas positivadas, mas muitos juízes, nos rincões de nossa pátria, têm sede e fome de punição.leiLei
Veja lá, isso lembra uma famigerada obra shakespeariana na qual o personagem principal Shylock empresta dinheiro a Antonio, e por trás deste empréstimo há, de comum acordo, caso ocorra o descumprimento do contrato, o pagamento com uma libra de carne do devedor. Saindo da arte e vindo para o nosso processo penal, muitos magistrados não querem a carne de fato, mas sim a liberdade de toda gente.
Termina-se o exposto com uma expressão do romancista Victor-Marie Hugo que, em sua obra Le Dernier Jour d’un condamné salientou, de forma precisa: “O meu perdão! O meu perdão! Talvez me perdoem. O rei não me quer mal. Vão buscar o meu advogado? Depressa o meu advogado! Antes quero as galés! Cinco anos de galés — ou vinte anos— ou por toda vida com a marca de ferro em brasa. Mas concedam-me a vida! A menos um forçado anda, vive e vê o sol”.
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