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ABJD 2 anos: Ubuntu e a coexistência buscada

Por Vera Lúcia Santana Araújo

A possibilidade concreta de ruptura do regime democrático é hoje uma realidade posta e um desafio

O cenário escatológico do Brasil de hoje soma a perda de milhares de vidas para a pandemia trazida pelo novo coronavírus à agudização da franca ascensão autoritária capitaneada pelo governo federal, com expressas e literais ameaças à ordem constitucional democrática consagrada pela Carta Política de 1988.

A possibilidade concreta de formal e plena ruptura do regime democrático proclamado pela Assembleia Nacional Constituinte que resultou na conformação da República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito, assentada nos fundamentos da soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político, é hoje uma realidade posta e um desafio às forças democráticas no sentido de garantir os pilares aptos a preservar o funcionamento das instituições.

É neste contexto geral que a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) celebra seus dois anos de criação, contabilizando grandes realizações desde seu primeiro Seminário Nacional fundante da entidade, seguindo-se dois Seminários Internacionais, com o adiamento do terceiro em face da pandemia, que teria lugar em Salvador (BA), mais uma série de eventos locais e regionais promovidos pelos Núcleos.

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Noutra ponta, as sólidas campanhas pela efetividade da garantia constitucional da presunção de inocência e da liberdade do ex-presidente Lula diante do manifesto processo de lawfare.

A #MoroMente, desnudando as parcialidades do então juiz de Curitiba para condenar e prender Luiz Inácio Lula da Silva, inviabilizando sua participação política nas eleições de 2018, atingindo o resultado pretendido – um projeto econômico ultraliberal, de alienação do patrimônio nacional, de supressão de liberdades e aprofundamento de políticas genocidas, inclusive com atuação de forças milicianas.

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Com o propósito maior de defender a Constituição Federal, buscando a maturidade democrática cujos objetivos fundamentais constituem numa sociedade livre, justa e solidária; garantia do desenvolvimento nacional; erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais; promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, surge a ABJD, inovando em sua formulação organizativa, adotando uma alargada concepção distante de motivações corporativas, abarcando todos os segmentos jurídicos a partir do ingresso para a formação acadêmica.

Em original modelo horizontalizado e deliberando com base no consenso progressivo, podemos dizer que nossa entidade já alcançou respeitável reconhecimento político entre entidades coirmãs, junto às Frentes de lutas democráticas e, melhor, inspira outras categorias à organização lastreada nos princípios maiores de defesa da democracia inclusiva que a Constituição Federal preconiza.

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Debater e pensar o sistema de justiça que opera com indisfarçada seletividade para não promover a distribuição de justiça como imperativo dos comandos constitucionais afetos ao Poder Judiciário que anui com a violência policial genocida, é uma das áreas sobre as quais a ABJD reflete e busca incidir lançando mão dos instrumentos que são próprios.

Denunciando e contestando a necropolítica executada com a destruição das famílias negras que desde a formação histórica do país lega incontestável contribuição econômica e cultural, concorrendo para a persistente estrutura racista impeditiva do acesso à cidadania da população negra, aliás majoritária.

Reconhecendo as desigualdades raciais que colocam o Brasil em vexatória exposição internacional pelas ações já reconhecidas como genocidas pelo parlamento brasileiro; a misoginia como fomento às violências contra a mulheres, culminando com os crimes de feminicídio, mais a LGBTfobia homicida, tudo em níveis intoleráveis para qualquer nação que se pretenda civilizada, democrática, afora a baixíssima representação política dessas categorias populacionais, a ABJD não tardou a criar em sua estrutura a Secretaria de Diversidades para enfrentamento mais sistêmico de questões de essência discriminatória deletéria à efetivação dos direitos e garantias individuais, do gozo dos direitos sociais e coletivos.

A complementaridade buscada pela composição plural, diversa, que orienta a partilha de responsabilidades e deveres coletivos da entidade nova nos permite pensar com o olhar de África, nomeadamente do sul-africano Mogobe Ramose em sua “A Filosfia Ubuntu e Ubuntu como uma filosofia”, para quem a palavra Ubuntu “pode ser traduzida para significar que ser um humano é afirmar sua humanidade por reconhecimento da humanidade de outros e, sobre estas bases, estabelecer relações humanas com os outros”.

A experiência criativa delineada é desafiadora sim, quiçá inalcançável, mas como projeto propositivo engajado em diálogos com forças sociais marginalizadas, sob opressões para além da exploração de classe inerente ao modelo capitalista radicalmente excludente que a branquitude das classes dominantes manejam com força brutal no Brasil, a ABJD vem se perfazendo como uma ousadia possível, atritada porque em boa medida ela expressa a dominância histórica dos estamentos que compõem as elites nacionais, mas não se pode desprezar o compromisso que anima a todos e todas partícipes desse esforço pela prevalência dos direitos humanos e a inclusão de todas e todos num mundo mais justo, igualitário, fraterno e solidário, sob a guarda do Estado Democrático de Direito. Vida longa à ABJD! Asè!

Artigo publicado originalmente no Brasil de Fato.

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