Por João Filho
Grupos que já iniciaram a campanha por #Moro2022 se dizem ‘espontâneos’, mas fazem parte de um movimento orquestrado por condenados a lavajatistas.
A CANDIDATURA de Sérgio Moro é o novo balão de ensaio da terceira via para as próximas eleições presidenciais. A turma do “nem Lula, nem Bolsonaro” agora tenta emplacar um candidato que perseguiu Lula enquanto juiz para tirá-lo da disputa presidencial, ostentou o status de super ministro do governo de extrema direita e depois foi trabalhar em uma consultoria que atua para ajudar a recuperar financeiramente a Odebrecht, a construtora que ele ajudou a falir quando usava toga. Essas são as credenciais éticas e morais daquele que é incensado como um herói moderado e anticorrupção.
Nesta semana, o movimento pela candidatura do ex-juiz tomou corpo. Entre as iniciativas para bombar a candidatura está o lançamento de um livro escrito por Moro chamado “Contra o sistema de corrupção”. Sim, o homem que “sempre violou o sistema acusatório” (palavras de uma procuradora da Lava Jato) para prejudicar seus adversários políticos, teve essa cara de pau monumental ao escolher o nome do livro.
A candidatura Sérgio Moro 2022 ainda não é uma certeza. Ele tem dito para amigos mais próximos que ainda está pensando. O ex-ministro bolsonarista cogita outras possibilidades, como disputar uma vaga ao Senado por São Paulo ou Paraná, ou continuar faturando confortavelmente na iniciativa privada. De qualquer maneira, já há uma grande movimentação de partidos, políticos e movimentos anticorrupção para a construção da candidatura presidencial de Moro.
O União Brasil, o novo partido criado pela fusão do PSL com o DEM, tem trabalhado ativamente nos bastidores para lançar Moro como seu candidato. Mas a expectativa é de que nos próximos dias ele se filie ao Podemos, o partido do seu grande aliado político Álvaro Dias — aquele que foi poupado pelo então juiz durante a Lava Jato, conforme ficou comprovado pela Vaza Jato. As pesquisas eleitorais da última semana mostram que a presença de Moro na disputa desidrata outros candidatos da terceira via como Ciro Gomes, João Doria e Mandetta. O ex-juiz já aparece na frente de todos eles, com 8%.
Durante esta semana a hashtag #MoroPresidente2022 apareceu entre os assuntos mais comentados do Twitter. A campanha nas redes sociais não é espontânea como se quer fazer parecer. É organizada e articulada pelo Podemos e por dois perfis ainda pouco conhecidos como “Brasil Consciente” e o “Movimento Grita!”. Esses movimentos estão articulados com as contas do Podemos e do senador Álvaro Dias. Eles costumam compartilhar os mesmos conteúdos e impulsionam hashtags defendendo pautas lavajatistas e exaltando a figura de Sérgio Moro.
O Brasil Consciente (@BrasConsciente) foi criado em dezembro do ano passado para defender as pautas da finada operação anticorrupção e, agora, se dedica quase que exclusivamente a apoiar a candidatura de Moro. O site divulgado pelo perfil é o fazendoacoisacerta.com.br, cujo nome é inspirado numa platitude dita pelo ex-juiz: “Faça a coisa certa, pelos motivos certos, do jeito certo”.
O dono do domínio do site é o Instituto Campo Social, uma ONG pertencente aos empresários Enrique Faber da Silva e Susana Moreira dos Santos. Ambos também são sócios de uma empresa de comunicação e marketing, a Qualiarte Comunicação e Marketing Ltda. O Brasil Consciente se apresenta como “um grupo de brasileiros que não perdeu a esperança e luta pelas pautas de combate à corrupção e à impunidade”. Mas não é bem assim. O feed do Instagram do grupo nos últimos meses mostra que é um perfil quase que totalmente dedicado a divulgar a candidatura Moro.
A “espontaneidade” desse movimento é tanta que Sérgio Moro apareceu parabenizando o Brasil Consciente um dia após o perfil do grupo ter sido criado no Twitter. O ex-juiz ajudou a divulgar uma live do grupo que contava com a presença de Modesto Carvalhosa, o advogado que tramou de maneira ilegal junto com a procuradora lavajatista Thaméa Danelon o impeachment do ministro do STF Gilmar Mendes.
Um outro grupo que tem se mobilizado para alavancar a candidatura Moro e as pautas lavajatistas é o Movimento Grita!, que também costuma fazer lives com Modesto Carvalhosa e com o senador Álvaro Dias. Ele se define como um “movimento que inspira os eleitores a levantarem sua voz e unirem esforços para eleger um Congresso Nacional que verdadeiramente represente a população”.
Assim como o RenovaBr, apoiado por Dallagnol, o Grita! também tem a pretensão de eleger uma bancada de parlamentares alinhados às suas pautas. O objetivo para as eleições em 2022 é “identificar e eleger uma Bancada GRITA!, de pelo menos 150 Deputados e 35 Senadores, que se apresentem como candidatos independentes de siglas partidárias. Seu plano de atuação, se eleitos, será previamente conhecido dos eleitores e formalmente anunciado como pauta obrigatória da Bancada”. É uma maneira de driblar os partidos políticos e, assim, formar uma bancada em defesa do lavajatismo. Caso tenham sucesso, Sergio Moro já teria uma bancada para chamar de sua.
O site do Grita! informa que o grupo “foi fundado a partir da indignação de 4 engenheiros do ITA, formados em 1964, que resolveram fazer de sua indignação uma Plano de Ação de Cidadania”. Parece mais um movimento espontâneo da sociedade civil, mas também não é bem assim. Um dos engenheiros à frente do projeto é Cassio Taniguchi, um dos fundadores do grupo. Ele já foi prefeito de Curitiba por duas vezes e deputado federal pelo Paraná uma vez. Apesar de Taniguchi pretender liderar um movimento anticorrupção, a sua carreira política foi marcada por alguns escândalos de… corrupção.
Em 2010, ele foi condenado pelo STF a seis meses de prisão em regime fechado por mau uso do dinheiro público enquanto ocupava a prefeitura de Curitiba, entre 1997 e 2000. Ele foi acusado de desviar a grana de um convênio firmado entre a prefeitura e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O dinheiro deveria ser destinado para investimentos no setor de transportes da cidade, mas Taniguchi usou parte dos recursos para pagar um precatório, o que configura crime de responsabilidade. Após a confirmação do crime pelo STF, a ação judicial foi extinta, já que o tempo para cumprir a pena já havia prescrito.
O ex-prefeito também foi condenado pelo Tribunal de Justiça a pagar multa por ter usado recursos públicos para fazer campanha eleitoral em 2000, quando conseguiu sua reeleição. A sentença também determinou a inelegibilidade do paranaense por oito anos. Uma curiosidade: em seu site o movimento Grita! diz que só aceitará políticos ficha limpa. Portanto, Taniguchi não poderia fazer parte da bancada do grupo que fundou, já que é ficha suja. Há muitos outros casos nebulosos envolvendo o fundador do Grita. Esse tipo de hipocrisia é a cara do lavajatismo. Percebam que até aqui todos os nomes envolvidos na campanha para alavancar a candidatura de Moro são paranaenses como ele. A República de Curitiba vive!
Apesar de estar inelegível, Taniguchi continuou próximo dos políticos lavajatistas. No ano passado, o delegado bolsonarista e lavajatista Fernando Francischini anunciou Taniguchi como o criador dos seu plano de governo para a disputa da prefeitura da capital paranaense. Ele perdeu a eleição e continuou como deputado estadual. Nesta semana, Francischini teve o mandato cassado pelo TSE por mentir sobre a existência de fraudes nas urnas eletrônicas.
Moro já conta com apoio de movimentos e de uma estrutura partidária fornecida pelo Podemos. Segundo a revista Veja, a campanha eleitoral de Moro “já conta com marqueteiro, advogado e até uma embaixatriz disposta a pavimentar alianças”. O Podemos tem feito pesquisas qualitativas a cada 15 dias sobre a imagem de Moro e tem enviado os resultados para ele. O provável partido de Moro também tem mantido conversas com “Novo, Patriota e PSL enquanto trabalha a pré-campanha com o marqueteiro Fernando Vieira e com a equipe jurídica do ex-ministro do TSE Joelson Dias”.
A campanha Moro 2022 já está na praça. É a candidatura da terceira via que nasceu e cresceu sob as asas da extrema direita, mas agora quer se passar por centrista e moderado. Resta saber se o ex-juiz terá coragem suficiente para largar o bom salário na iniciativa privada para se aventurar novamente numa carreira política incerta, que até aqui foi desastrosa.
Publicado originalmente no The Intercept Brasil.
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