Por mais acostumadas que estejamos com esses tipos de ataque – e, infelizmente, estamos – é sempre assombroso perceber como a sociedade busca desconstruir uma candidatura feminina a uma vaga no STJ a partir de observações machistas, misóginas, sexistas, antiquadas, ultrapassadas e assaz datadas.
Texto do blog de Malu Gaspar no jornal O Globo aponta Daniela Teixeira, candidata da OAB a uma vaga no Superior Tribunal de Justiça, como candidata “incômoda, agressiva e briguenta”, dentre outros adjetivos pouco abonadores.
Daniela Teixeira é a única mulher integrante de uma lista sêxtupla da OAB para o Superior Tribunal de Justiça. Obteve votos de todas as seccionais de todas as unidades da federação.
Como todo advogado (e toda advogada) que circula nos altos escalões de Brasília, tem relações com integrantes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Mas, no caso de Daniela, isso soa ofensivo ou, como dizem seus detratores, “agressivo”.
Homens fazem lobby, mulheres incomodam. Em 2023? Ainda? E até quando?
Daniela tão somente conversou com seus pares durante sua campanha. E o fez com altivez, dignidade, respeito, competência, profissionalismo e correção. Ao fim do trabalho junto à OAB, tornou-se a única mulher de uma lista com seis nomes. Para seu espanto, pois havia outras cinco candidatas – e apenas uma delas negra. Mas, para alguns, isso é “aparecer muito”.
O que seria, então, “aparecer na medida certa”? Ficar em casa e “esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque”? Às mulheres não lhes é permitido o acesso aos círculos de poder? É impertinente conversar e negociar votos para sua candidatura a uma vaga num Tribunal Superior? Ou essa prerrogativa só é concedida a homens?
Homens têm bons relacionamentos, mulheres gostam de aparecer. Em 2023? Ainda? E até quando?
As jornalistas Niara de Oliveira e Vanessa Rodrigues, no livro Histórias de Morte Matada contadas feito morte morrida, explicam como a imprensa brasileira vem abordando os crimes de feminicídio nos últimos 40 anos. Um dos aspectos que as autoras apontam no texto é o fato de as mulheres (que são vítimas de um crime, e invariavelmente foram mortas por seus algozes) são traçadas com características negativas, que praticamente induzem os homens a matá-las. Assim, o homem tem ciúmes, a mulher provocava, a mulher manipulava. E um crime de ódio, como é o feminicídio, é atenuado pelos ciúmes mais que justificados.
Como explicar, então, que enquanto o Supremo Tribunal Federal vota a abolição definitiva da argumentação da “legítima defesa da honra” em casos de feminicídios, uma reportagem escrita por uma mulher argumente que uma candidata à vaga do STJ é “briguenta” e “sangue quente”? Em 2023 ainda se busca desqualificar uma mulher por características sensoriais e irracionais que, em homens, são naturais e bem-vindas?
Homens são assertivos, mulheres são “briguentas” e de “sangue quente”. Em 2023? Ainda? E até quando?
Mas, afinal de contas, quem está, de fato, preparado para essa Vaga no STJ?
Daniela Teixeira é formada pela Universidade de Brasília, tem pós-graduação em direito econômico na Fundação Getúlio Vargas e mestrado em direito penal econômico no IDP. É professora de Ética na Advocacia na Escola Superior da Advocacia do DF e, como a própria reportagem afirma, mais de duas décadas atuando em ações no STJ – é a única, dentre todos os candidatos, a ter feito sustentações orais na corte. É com essas “armas” que Daniela faz seu lobby saudável.
Há quem só consiga fazer lobby na imprensa para buscar atacar a reputação da candidata mais bem qualificada.
A Coalizão Nacional de Mulheres é um movimento que reúne grandes lideranças feministas progressistas de todo o país – e de algumas partes do mundo. Funcionamos como uma rede de apoio às mulheres e não nos calaremos diante de um ataque claramente misógino perpetrado com vistas a mitigar o valor de uma mulher por ser mulher. Daniela está disputando um espaço de poder que precisa de mais mulheres e de uma mulher como ela, alguém que possui o grave compromisso, demonstrado em sua trajetória, com a luta pela democracia e pela concretização dos valores constitucionais.
Deixamos aqui registrado o nosso apoio à Daniela e, mais do que o nosso repúdio à matéria, a nossa irresignação. Não toleraremos mais sermos alvo de ataques machistas! Respeitem as mulheres! Reconheçam a nossa competência! Aprendam a lidar com o fato de que, cada vez mais, ocuparemos lugares que até então poucas de nós conseguimos chegar. A paridade de gênero nos espaços de Poder é necessária para a real concretização de nossa democracia. Estamos lutando para que isso aconteça, apesar do machismo, chegaremos lá sim!
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