Por Ligia Guimarães
Desde o início da pandemia de coronavírus, 39% dos empregadores de domésticas diaristas abriram mão do
serviço destas profissionais, sem entretanto manter o pagamento das diárias, indica uma pesquisa que será divulgada nesta semana. Tal percentual é ainda maior entre os entrevistados pertencentes às classes A e B –
camadas da sociedade em que a renda por pessoa da família é superior ao teto de R$ 1.526 mensais que limita
a classe C.
Nesse grupo (A e B), o percentual de empregadores que dispensaram as diaristas sem pagamento é de 45%.
A pesquisa indica ainda que 23% dos empregadores e empregadoras de diaristas e 39% dos patrões de
mensalistas afirmaram que suas funcionárias continuam trabalhando normalmente, mesmo durante o período de
quarentena.
A pesquisa foi realizada pelo Instituto Locomotiva entre os dias 14 e 15 de abril.
Segundo o estudo, 39% dos patrões e patroas de diaristas e 48% dos de mensalistas declararam que suas funcionárias estão mais protegidas contra o novo coronavírus: estão em casa, mas recebendo o pagamento normalmente para cumprir o distanciamento social requerido contra a doença.
Os dados mostram um retrato duplamente preocupante, na visão do sócio e presidente do Instituto Locomotiva,
Renato Meirelles: indicam que, além das muitas trabalhadoras que estão sem renda e sem condição de
atender às necessidades básicas de suas famílias, há um outro contingente grande de faxineiras que está
trabalhando normalmente e se deslocando por grandes distâncias pela cidade e pelos transportes públicos; sem
poder atender às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) de ficar em casa para reduzir a circulação do vírus.
“Tem muita gente trabalhando, mesmo com todos os riscos. Claro que isso é preocupante, inclusive elas são
muitas vezes a ponte da transmissão de vírus para a periferia”, afirma Meirelles, que acrescenta que, do ponto
de vista trabalhista, as diaristas são a representação mais fiel da fragilidade do trabalho eventual, sem
garantias em períodos de crise.
Entre os entrevistados que afirmam contar com o serviço de uma trabalhadora doméstica, 7% dizem que
contratam no regime diarista, em que se paga somente o dia de faxina realizada, sem vínculo empregatício. 3%
afirmam ter funcionária mensalista, e 1%, mensalista e diarista.
Para realizar o levantamento, o Instituto entrevistou uma amostra de 1.131 pessoas por telefone, em cidades de
todos os Estados da federação. A pesquisa ouviu homens e mulheres com 16 anos ou mais, e tem margem de erro de 2,9 pontos para mais ou para menos.
Desde meados de março, quando as primeiras medidas de suspensão de aulas e serviços públicos começaram a
ser adotadas em Estados do Brasil como forma de evitar que o número de casos de covid-19 crescesse além da
capacidade dos hospitais de atendê-los, aumentaram os relatos de trabalhadoras domésticas que se viram sem
renda de um dia para o outro.
No dia 18 de março, uma reportagem publicada pela BBC News Brasil mostrava casos de faxineiras que ficaram
sem previsão de trabalho até que o medo e os riscos do novo vírus diminuam.
O tema foi alvo de campanhas e debates nas redes sociais, principalmente depois da notícia de que a
primeira morte por covid-19 no Estado do Rio de Janeiro foi a de uma empregada doméstica de 63 anos que tinha
diabete e hipertensão. Ela teve contato com a patroa, que esteve na Itália e contraiu o vírus.
Mais solidariedade da classe C
Para muitos brasileiros, o pagamento da trabalhadora doméstica foi uma das despesas que deixaram de ser
feitas durante a crise do coronavírus.
Outra pesquisa realizada pelo instituto Locomotiva no mesmo período aponta que, depois de um mês do
isolamento social provocado pela pandemia do novo coronavírus, 58% dos brasileiros deixaram de pagar
alguma dívida – o que representa 91.040 milhões de pessoas.
Entre aqueles que têm alguma conta em atraso, a média encontrada foi de quatro contas sem pagar.
Na opinião de Meirelles, chama atenção o fato de que a proporção de patrões que aderiram à dispensa
remunerada ser maior entre os patrões da classe C, cuja renda por pessoa da família varia entre R$ 536 a R$
1.526, do que entre os grupos A e B. 40% dos empregadores da classe C dizem praticar a dispensa remunerada; no grupo AB, tal percentual é de 36%.
Os números mostram que, em todos os recortes da pesquisa, as trabalhadoras domésticas mensalistas são
as mais protegidas da categoria durante a pandemia. 48% dos patrões dizem que elas estão sem trabalhar,
mas sendo pagas no período.
Entre os empregadores das classes A e B, 44% afirmam praticar a dispensa remunerada com a mensalista.
O percentual de trabalhadoras dispensadas sem pagamento também é menor entre as mensalistas: 13%
entre os empregadores desta categoria na classe C, e 12% entre os entrevistados do grupo AB.
Em outra reportagem publicada pela BBC News Brasil no dia 18 de março, o presidente da ONG Instituto
Doméstica Legal, Mario Avelino, afirmava que, apesar de os empregadores de diaristas não serem obrigados
legalmente a praticar a dispensa remunerada, podem ter “bom senso e o respeito ao ser humano”.
“Tem que pensar que está protegendo a sua funcionária, a família dela, a sua família e as pessoas do entorno.
Qualquer pessoa pode contrair o vírus, e até saber que contraiu, pode estar disseminando”, afirmou. “Se o empregador puder liberar, faça isso. Agora, sem prejudicar a renda daquela trabalhadora.”
À medida que o coronavírus se espalha cada vez mais pelo mundo, autoridades de saúde como a OMS e
governos em todo o mundo têm tentado evitar o aumento acelerado do número de casos.
“Achatar a curva”, como se diz, é uma medida crucial para evitar a sobrecarga dos serviços de saúde e limitar
o número de mortes. A luta contra um surto de vírus não é apenas de contenção, mas também de retardamento
da disseminação, um processo conhecido entre especialistas em saúde como “desacelerar” e “mitigar”.
Um salto do número de casos é um pesadelo para as autoridades: aumenta a sobrecarga sobre os sistemas de
saúde a ponto de, em alguns momentos, levar a um colapso na capacidade de atendimento. Um exemplo é o
Estado do Amazonas que enfrenta um grande número de casos ameaçando levar ao colapso a capacidade de
atendimento dos serviços de saúde pública.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto Locomotiva, 11% das
famílias brasileiras contam com o serviço de ao menos uma trabalhadora doméstica; o país tem cerca de 6,5
milhões de trabalhadoras nesta categoria.
Após aprovação no Congresso de um auxílio emergencial, o governo iniciou um pagamento de R$ 600
por três meses. Tem direito ao benefício quem for maior de 18 anos, não tiver emprego formal ativo e não receber
benefício previdenciário; e cuja renda mensal total da família somar três salários mínimos (R$ 3.135) ou cuja a
renda per capita (por membro da família) for de até meio salário mínimo (R$ 522,50).
Até duas pessoas por família poderão receber o auxílio, mas uma mãe solo que sustenta a casa sozinha poderá
acumular dois benefícios individualmente.
Meirelles diz que antes da pesquisa, imaginava que a proporção de empregadores que praticam a dispensa
remunerada e solidária durante a pandemia seria maior, principalmente em função do grande engajamento às
campanhas sobre o tema e os debates nas redes sociais. “O engajamento era muito maior do que a gente viu na
prática”, diz.
Artigo publicado originalmente no UOL.
Errata: o texto foi atualizado
Diferentemente do informado no 5º parágrafo, 39% dos patrões de diaristas e 48% dos de mensalistas declararam que suas funcionárias estão mais protegidas contra o novo coronavírus, e não 39% dos patrões e patroas de mensalistas e 48% dos de diaristas. A informação já foi corrigida.
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