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Coronavírus e violência sexual infantil

Por Luciana Temer

Já não há escolas nem outros espaços onde as crianças possam pedir socorro

Um único assunto toma praticamente todos os espaços das mídias tradicionais e digitais: o coronavírus. Isso não é só compreensível como necessário; afinal, estamos no meio de uma pandemia. Mas assuntos conexos —como a questão da vulnerabilidade social agravada (e o medo da violência a partir daí) e o aumento da violência doméstica (em razão do confinamento)— começam a despontar.

Quero propor aqui um outro, urgente! O risco de aumento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Explico.

Em 2018, escrevi neste mesmo espaço sobre o perigo de se admitir o ensino domiciliar no Brasil. Citava um estudo da Universidade de Wisconsin que constatou que 76% das crianças vítimas de violência intrafamiliar grave nos EUA não frequentavam a escola. Tratava-se, à época, de risco iminente e excepcional, mas agora estamos todos em um isolamento absolutamente necessário e não há escolas nem outros espaços de convívio onde crianças possam pedir socorro.

Bom, mas alguém pode pensar: “Mas as mães estão em casa, nada pode acontecer com suas filhas”. Errado. Mães em casa não são garantia de que a violência sexual não ocorra. Quem lida com essa questão sabe muito bem que muitas mulheres chegam a culpar as filhas pelo que lhes aconteceu ou então se omitem por medo dos companheiros. Medo este que não é descabido, em especial neste momento. Basta ver os dados sobre violência contra a mulher em tempos de confinamento.

Números recentes do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos indicam um aumento de 9% de denúncia pelo canal do telefone 180, e a Justiça do Rio de Janeiro uma alta de 50% nos registros de casos de violência doméstica. Esse quadro é mundial, tanto que o secretário-geral da ONU, António Guterres, fez um apelo para que os Estados incluam programas especiais de proteção para as mulheres em suas respostas contra a Covid-19.

Até o momento falamos da violência intrafamiliar, mas falemos de violência sexual infantil pela internet. O recurso aos sites pornográficos como forma de entretenimento em tempos de confinamento está caracterizado pelo aumento do número de usuários. Só para exemplificar, a produtora de vídeos Brasileirinhas duplicou o número de assinaturas por dia, enquanto o site Sexy Hot aumentou em 25% o número de usuários. Estamos falando de diversão adulta, feita por adultos e para adultos? Em tese sim, mas a experiência tem demonstrado que é mais complicado que isso.

Primeiro porque crianças e adolescentes (que já viviam na internet e agora estão legitimados pela situação) têm livre acesso aos conteúdos gratuitos desses sites, o que já é ruim por si só. Mas é pior que isso, pois pela rede mundial de computadores estão extremamente vulneráveis às situações de exploração sexual.

Relatório da Europol, inteligência policial da União Europeia, publicado no dia 3 de abril, demonstra que as organizações criminosas estão se adaptando aos novos tempos. Houve diminuição nas atividades de tráfico e contrabando e aceleração em outras —dentre as quais, a produção e distribuição de pornografia infantil. Na Espanha, por exemplo, entre 17 e 24 de março, houve um aumento de 25% no download de material pornográfico infantil, tendência que, segundo o relatório, se verifica em outros países europeus.

Enfim, a situação de confinamento gerada pelo coronavírus tem agravado algumas formas de violência e, sem sombra de dúvida, o abuso e a exploração sexual infantil. Não dá para esperarmos passar a pandemia para falar desse assunto.

Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo.

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