Por Natalia Pasternak
Trocar prisão por tratamento funciona. Mas para que esses resultados apareçam é preciso investir e implementar programas bem desenhados
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece a criminalização do porte e posse de qualquer quantidade de qualquer droga ilícita foi aprovada pelo Senado no dia 15 de abril, com 52 votos favoráveis e apenas nove contrários. No debate em torno da medida, pouco se comentou sobre a necessidade de políticas públicas adequadas para lidar com o problema do abuso de substâncias. Criminalizar o usuário, além de eticamente inaceitável, é uma forma ineficaz de tentar reduzir o abuso de drogas ilícitas. É o que mostram resultados de iniciativas e estudos conduzidos nos EUA, nos estados de Oregon, Arizona e Illinois.
O caso do Oregon é muitas vezes usado como exemplo de que não vale a pena descriminalizar a posse de drogas pesadas. Isso não é correto. O programa desenvolvido neste estado, apesar de bem-intencionado, apostou num “libera geral”, sem programas complementares de assistência. Se teve o mérito de parar de mandar usuários de drogas para conviver com bandidos perigosos na cadeia, não fez nada de concreto para tirá-los do vício e das ruas. Oregon havia aprovado em 2020 a lei mais liberal dos EUA em relação a drogas ilícitas.
Conhecida como “Medida 110”, a lei estipula que usuários não devem ser presos ou processados, recebendo apenas uma multa de US$ 100 e uma advertência. A multa pode ser perdoada se o usuário ligar para um serviço de atendimento e aceitar ser submetido a uma avaliação, com a possibilidade de ser encaminhado para um programa de reabilitação. Sem nenhum tipo de acompanhamento ou incentivo, não surpreende que pouquíssimas pessoas tenham entrado no programa. O fracasso, causado pela estruturação inadequada do programa, virou arma retórica para quem defende a criminalização dos usuários de droga.
Mas quem enche a boca para falar da experiência ruim do Oregon em geral omite os casos de sucesso de estados que descriminalizaram o porte dentro de esquemas eficazes de acolhimento e reabilitação. Em Illinois, o departamento de polícia de Chicago, em parceria com o departamento de Saúde Pública, desenvolveu o NADP (Programa para Evitar Prisões por Narcóticos, tradução livre). Desde 2018, o programa já tratou mais de mil usuários e foi expandido com excelentes resultados: os participantes apresentam 70% menos chance de serem novamente pegos pela polícia portando drogas.
No Arizona, os resultados são ainda mais impressionantes. O departamento de polícia de Tucson oferece um programa de redirecionamento para usuários de drogas ilícitas. A ideia é treinar os policiais para encaminhar os usuários detidos com drogas para programas de reabilitação, oferecendo transporte imediato para uma unidade de tratamento, em vez de prendê-los. O usuário não fica fichado na polícia, o que poderia impactar na busca de emprego no futuro.
Avaliação do programa feita em 2021, após três anos da implementação, mostra que 2.219 usuários deixaram de ser presos e foram encaminhados para tratamento. 965 aceitaram transporte imediato para clínicas. Além do aspecto de respeito e humanidade, o programa reduz gasto público, eliminando as custas do de processo judicial, diárias na prisão e tempo de trabalho do policial. Estima-se que o programa tenha economizado aproximadamente US$ 650 mil. O treinamento especial dos policiais custa, em média, US$ 22 mil por ano.
Trocar prisão por tratamento funciona. Desonera o sistema carcerário e evita o recrutamento de usuários pelo crime organizado que opera nos presídios. Mais do que isso, oferece uma chance de recuperação da vida e da dignidade. Mas para que esses resultados apareçam é preciso investir e implementar programas bem desenhados. É preciso vontade real de resolver o problema, e não apenas usá-lo como plataforma para vociferar em busca de votos.
Artigo publicado originalmente em O Globo.
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