Em Flor de Liz 1, 7-1, lê-se: “prostituição e homossexualismo não são coisa de Deus”! Vejam abaixo!
Pois então. Vendo que esse tipo de “cristianismo” modelo “Flor-Winter-Padre Ramiro-Olavo”, pelo qual ofendem e odeiam em Seu nome (um dos prováveis matadores de Marielle tinha em seu WhatsApp o “lema” “Deus acima de todos” e atentados religiosos), Deus resolveu passar a régua. Irritado, deu um berro e disse: “F….-se!”[1]
Fosse um filme, viria o flashback: Naqueles dias a gota d’água que fez com que a ira do velho testamento voltasse foi quando Ele viu o comportamento da S. Winter e seus asseclas, que foram até a frente do Hospital em Recife e depois vomitaram ódio contra a própria menina. Também um post de Olavo de Carvalho sobre o estupro de meninas deixou as veias do pescoço de Deus tão à mostra que Pedro, a 100 metros, ficou preocupado, mesmo que Deus seja Deus.
Na verdade, a ira d’Ele teve o ápice quando leu as palavras do Padre Ramiro José Perotto, de Carlinda, que todos os dias reza missa em Seu nome e que disse que a menina estuprada devia gostar de ser estuprada. Deus disse: “— Deu pra bolinha dessa gente. Vou radicalizar”. Registro: Alô Padre Ramiro, tudo o que de ruim em termos de catástrofes que vierem a acontecer e alguém disser “Deus está irritado”, pode crer (sic): Deus está lembrando de você! Ah, estará! Não adianta pedir sinceras escusas. Esse precedente não se aplica ao seu caso (cf. Deuteronômio passim).
Mas até Ele sabia que tinha de usar critérios. Não podia ser discricionário. Nem decisionista. Nem Ele pode fazer isso.
Então, como fazer? Entra Jesus na jogada. Chegou, com fala pausada, mostrou ao Pai um livro e disse: “Pai, esse meu conterrâneo, Amós Oz, Prêmio Nobel, lembra de uma conversa que o Senhor teve com Abraão. Lembra disso, Pai”?
“Sim, lembro, afinal, Deus não esquece (risos). Sim, Abraão, gente boa ele, discutiu comigo o destino de Sodoma. Está lá no Meu livro — Genesis, 18, 19-24. Quantos justos lá haveria? Cinquenta? Dez? Quando se percebe que não havia nem mesmo cinco justos, Abraão, em vez de pedir perdão, perguntou-me: ‘Não agirá com justiça o Juiz de toda a Terra?’. Atrevido esse Abraão, não meu filho? Pegou pesado o Abraão, hein?”
E Ele continua: “Veja, meu filho, eu não joguei nenhum raio fulminando Abraão como castigo por insolência. Por que não fulminei? Simples: porque ninguém está acima da lei. Nem eu.”
Jesus disse: “Bingo, Papai”.
“— Por isso”, continuou Ele com voz grave, “farei um novo dilúvio, uma versão 1.0, mais light, com critérios bem definidos. Pouparei, preliminarmente, todos os ateus. Meu fundamento, segundo o artigo 93, IX, da Constituição brasileira (gosto muito dela, meu filho) é: em regra, não se encontra ateus que odeiem, que matem ou façam qualquer barbárie em Meu nome, invocando-me! Podem até fazer coisas ruins. E fazem. Mas não o fazem em Meu nome! Minha invocação é com essa gente que faz maldades e torpezas em meu nome!”
Nisso Jesus tinha que concordar. “— Tem razão, Papai. De fato, não se tem notícias que ateus joguem bombas e persigam meninas estupradas.”
Mas Jesus, mesmo assim, insistiu: “— Mas, e os cristãos, Pai?”, perguntou. “Tanta gente se esforçando por aí…”
Deus responde: “— Para os que (i) Me invocam e que dizem ‘Deus me livre e guarde’ e fazem sacanagens, para (ii) aqueles que dizem ‘em nome de Deus mato’ ou (iii) ‘em nome de Deus afasto de ti este demônio’ ou (iv) ‘em nome de Deus me pague 10% de seu sal-diário’, ou para (v) aqueles que usam o seu nome, meu filho, dizendo ‘em nome de o Senhor Jesus’ ou (vi) praguejaram, em Meu nome, contra aquela menina estuprada, ou para (vii) aquele Padre Ramiro Perotto, aliás, meu filho Jesus, você viu o que esse herege falou?, para (viii) aqueles que dizem “Deus acima de…’, etc., para (xix) aqueles que ficam dizendo que “ah, eu tinha uma dor na palmilha, orei e Deus operou um milagre’, ah, meu filho, que coisa, não? E para aqueles que (x) “operam milagres por whatsapp e ‘curam covid’”, para todos esses farei o seguinte”:[2]
Pegou uma xícara de café fumegante, deu um suspiro e disse:
“Examinaremos, Eu, Você, Pedro e a valorosa classe dos estagiários, o WhatsApp de cada um. Além dos acima elencados, será fatal encontrarmos alguma coisa nas mensagens que seja ódio ou idiotice (sim, os idiotas não serão perdoados; também não serão poupados os que dizem que a terra é plana, que o aquecimento global não existe e que vacina faz mal), e, bingo, dilúvio neles.”
“— Ah, meu Filho, uma coisa: por que alguns pastores dizem “em nome de o Senhor Jesus”? ‘De o’, meu filho? Isso soa meio esquisito, pois não?”
E Ele continuou: “Aos que escaparem desse teste e aqueles que não têm WhatsApp (0,0001% das pessoas), darei o benefício da dúvida (na verdade, presunção de inocência) e os excluirei do neodilúvio. Claro, desde que não tenham postado coisas como ‘fecha o STF’, ‘viva o AI-5’, ‘direitos humanos só para humanos direitos’ — bem, a lista é grande. Nesses casos, os réus não se ajudam…”
E concluiu: “Portanto, serei criterioso. Não agirei ‘sobre’ violenta emoção, como disse aquele ex-juiz que chama sua esposa de ‘Conge'” (e Deus deu um sorrisinho). ” — ‘Sobre’ em vez de ‘sob’ é bom, não meu Filho? ‘Conge’ também”.
E então Ele se retirou para a biblioteca, pegou Medida por Medida, de Shakespeare, abriu um Petrus safra 1961… e se pôs a ler.
Ouviu-se algumas trovejadas e começou a chover…
Post scriptum. A coluna de hoje tem o tom de brincadeira que tem porque é preciso recorrer a algo, a alguma coisa, para encontrar as palavras e dar conta disso tudo. Dizia o mestre George Steiner: “A vida é essencialmente tragicômica. A tragédia absoluta, portanto, não é apenas insuportável para a sensibilidade humana: é inverossímil.”
Por isso. Como lidar com a tragédia absoluta? Esse é o ponto. Escolhi um tom mais leve porque, do contrário, seria impossível falar sobre isso tudo.
É a síntese de nosso fracasso. “Em nome de Deus”, dizem aqueles que ultrajam uma menina que sofre a pior das violências. Como encontrar as palavras? Como responder àqueles que, em nome de Deus, só fazem valer a barbárie interior do sujeito?
Como falar sobre a barbárie — e bárbaros, é isso mesmo que são. Rejeitam a civilização, rejeitam a mediação da linguagem, rejeitam todos os constrangimentos. Só mesmo o (metafórico) dilúvio para dar um jeito nisso. Porque nem Deus deve aguentar a tragédia absoluta. Há limites, afinal. Até para Ele. Por mais que essa gente não saiba o que significa limites.
Uma coisa eles sabem bem, por outro lado: sabem bem o que fazem. Tanto pior. Não se surpreendam quando a chuva não parar mais.
[1] Nota: Inspirei-me no texto do psicanalista Mário Corso, “Um dia depois do apocalipse”
[2] Observem o didatismo de Deus: ele explica analiticamente!
Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.
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