728 x 90

Extradição e Execução de Pena para Nacional com Dupla Cidadania (Brasileira e Italiana) Condenado por Crime no Brasil e Evadido para a Europa/Itália: Uma Análise Jurídica Comparada e Fluxo de Possibilidades

Extradição e Execução de Pena para Nacional com Dupla Cidadania (Brasileira e Italiana) Condenado por Crime no Brasil e Evadido para a Europa/Itália: Uma Análise Jurídica Comparada e Fluxo de Possibilidades

Por Luiz Philipe Ferreira de Oliveira

I. Introdução

A crescente complexidade dos casos de cooperação jurídica internacional representa um desafio significativo para a efetividade da justiça penal em um mundo cada vez mais globalizado.

A mobilidade de indivíduos, aliada à facilidade de aquisição de múltiplas nacionalidades e à natureza transnacional de certos delitos, como os crimes cibernéticos que podem ser praticados em qualquer local do mundo, exige uma análise aprofundada dos mecanismos de cooperação entre Estados.

A extradição e a transferência de execução de pena emergem como instrumentos cruciais para assegurar que a não impunidade seja uma realidade, mesmo quando o condenado se evade para outro território.

Este estudo se debruça sobre a situação hipotética de uma pessoa com dupla nacionalidade brasileira e italiana, condenada no Brasil por um crime comum que se evadiu para a Itália.

Tenho como objetivo principal oferecer uma análise jurídica exaustiva, esclarecendo os conceitos fundamentais e doutrinas pertinentes à extradição e à transferência de execução de pena.

Serão examinadas as normativas brasileira, italiana e europeia aplicáveis, bem como a jurisprudência mais recente dos tribunais superiores e os tratados bilaterais entre o Brasil e a Itália.

A estrutura da análise visa delinear um fluxo claro de possibilidades para o caso concreto, explorando cenários de extradição, recusa e, especialmente, o cumprimento da pena no Estado de refúgio.

II. Fundamentos da Extradição no Direito Internacional

II.1. Conceito e Natureza Jurídica da Extradição.

A extradição, no âmbito do direito internacional, é um processo formal pelo qual um Estado, a pedido de outro, procede à entrega de uma pessoa que é acusada de um crime ou que já foi condenada, para que seja julgada ou cumpra a pena imposta no Estado requerente.

Este mecanismo de cooperação judicial distingue-se de outras medidas administrativas de remoção, como o banimento, a expulsão ou a deportação, que resultam na retirada coercitiva de indivíduos considerados indesejáveis, mas sem a natureza de cooperação para fins de persecução penal.

A extradição é fundamentalmente regulada por leis internas de cada país e, de forma preponderante, por tratados diplomáticos bilaterais ou multilaterais.

Este instrumento de cooperação é pautado por um conjunto de princípios que buscam equilibrar a soberania dos Estados com a necessidade de cooperação internacional para combater a criminalidade.

1. Princípio da Dupla Tipicidade (Dupla Incriminação) e o Princípio do Non Bis In Idem

Este princípio exige que a conduta pela qual a extradição é solicitada seja considerada crime em ambos os Estados envolvidos no processo: o Estado requerente e o Estado requerido.

A aplicação deste princípio não demanda uma correspondência exata das disposições legais ou das nomenclaturas dos crimes nos dois ordenamentos jurídicos.

O que se exige é que a conduta ou omissão em questão seja típica e ilícita em ambos os sistemas legais, excluindo-se, por exemplo, crimes de natureza política ou militar.

De acordo com o princípio do non bis in idem, a extradição não será deferida se já houver uma sentença final e irrecorrível proferida pelo mesmo fato no Estado requerido.

Este princípio visa evitar a dupla punição ou persecução pelo mesmo ato criminoso.

2. Princípio da Especialidade (ou da Especialidade da Persecução)

O princípio da especialidade estabelece que o indivíduo extraditado somente pode ser processado, julgado ou ter sua pena executada pelo crime específico pelo qual a extradição foi concedida.

Não é permitido processá-lo por outros crimes cometidos antes da entrega, a menos que o Estado que concedeu a extradição concorde expressamente com a extensão da persecução.

Este princípio visa salvaguardar o direito de asilo e prevenir que a extradição seja utilizada para fins de perseguição por motivos não relacionados ao crime original.

3. Proibição de Extradição por Crimes Políticos ou de Opinião

Um princípio amplamente reconhecido em muitos países, incluindo o Brasil e a Itália, é a proibição de extradição por crimes de natureza política ou de opinião.

A qualificação de um ato como “crime político” é complexa e deve ser avaliada caso a caso, considerando as circunstâncias fáticas.

Contudo, é importante ressaltar que atos graves, como terrorismo, ataques contra chefes de Estado, ou atos de sabotagem, geralmente não são considerados crimes políticos para fins de extradição.

II.2. Distinção Crucial entre Extradição e Transferência de Execução de Pena

É fundamental compreender a distinção entre extradição e transferência de execução de pena. A extradição, como já detalhado, visa a entrega física de uma pessoa para que seja julgada ou cumpra uma pena no Estado requerente.

Em contraste, a transferência de execução de pena é um mecanismo de cooperação jurídica que permite que uma pessoa condenada em um Estado cumpra sua pena no território de outro Estado, geralmente aquele de sua nacionalidade ou residência habitual, sem a necessidade de seu deslocamento físico para o Estado que proferiu a condenação.

A relevância dessa distinção é acentuada quando se considera a proibição constitucional de extradição de nacionais.

No Brasil, a Constituição Federal proíbe a extradição de brasileiros natos, se um brasileiro nato é condenado no Brasil e se evade para a Itália, o Brasil não pode solicitar sua extradição para que retorne e cumpra a pena, pois a Constituição brasileira impede a extradição de seus cidadãos natos.

Esta situação poderia, em tese, levar à impunidade, uma vez que a Itália não teria jurisdição para executar uma pena imposta pela justiça brasileira per se.

Para contornar essa lacuna e garantir a efetividade da condenação, o direito internacional desenvolveu o instituto da transferência de execução de pena.

Este mecanismo permite que a pena imposta por um Estado seja reconhecida e executada no território de outro Estado, sob as leis e condições deste último, mas em reconhecimento à sentença original.

Dessa forma, a transferência de execução de pena surge como o mecanismo de cooperação idôneo para assegurar o cumprimento da condenação sem violar a proibição constitucional de extradição de nacionais. É uma solução que harmoniza a soberania estatal com a necessidade de combater a impunidade em casos transnacionais.

III. O Regime Jurídico Brasileiro da Extradição

III.1. A Constituição Federal de 1988: O Art. 5º, LI e a Não Extradição de Brasileiro Nato.

A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 5º, inciso LI, estabelece uma regra fundamental e de caráter absoluto para a extradição no Brasil: “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”.

Esta disposição constitucional consagra a proibição da extradição de brasileiro nato de forma irrestrita.

Para o brasileiro naturalizado, a situação é diferente. A extradição é admitida excepcionalmente em duas hipóteses taxativas: a) por crime comum cometido antes da naturalização; ou b) por comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, independentemente da data de cometimento do crime.

Esta distinção é crucial para a compreensão dos cenários de cooperação jurídica internacional envolvendo nacionais brasileiros.

III.2. A Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017): Normas e Procedimentos de Extradição

A Lei nº 13.445/2017, conhecida como Lei de Migração, representou um marco na legislação brasileira ao revogar o antigo Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980) e introduzir inovações significativas no campo da cooperação jurídica internacional, incluindo a extradição.

Uma das principais contribuições da Lei de Migração foi o reforço da distinção entre extradição e medidas administrativas de remoção, como a deportação e a expulsão.

A lei proíbe expressamente que estas últimas sejam utilizadas para configurar uma extradição não admitida pela legislação brasileira (Art. 53 e Art. 55, I). Isso garante que os requisitos e as garantias do processo de extradição não sejam contornados por vias administrativas.

No Brasil, o processo de extradição passiva, ou seja, quando o Brasil é o Estado requerido, é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal (STF). O STF atua como o garante da constitucionalidade e da legalidade do processo, avaliando se todos os requisitos formais e materiais para a extradição são preenchidos.

III.3. A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre Extradição de Brasileiros Naturalizados e Dupla Nacionalidade

O Supremo Tribunal Federal (STF) possui uma vasta e consolidada jurisprudência que reafirma a proibição absoluta de extradição para brasileiros natos.

Para os brasileiros naturalizados, o STF analisa rigorosamente o preenchimento das condições constitucionais para o deferimento da extradição, ou seja, se o crime comum foi cometido antes da naturalização ou se há envolvimento comprovado em tráfico ilícito de drogas.

A Emenda Constitucional nº 131/2023, embora não altere diretamente as regras de extradição, possui uma implicação indireta relevante para casos de dupla nacionalidade.

Esta Emenda modificou o Art. 12, § 4º, II, da Constituição Federal, tornando mais difícil a perda da nacionalidade brasileira para aqueles que adquirem outra nacionalidade.

Anteriormente, a aquisição de outra nacionalidade poderia, em certas circunstâncias, levar à perda da nacionalidade brasileira, o que tornaria o indivíduo “estrangeiro” e, portanto, potencialmente extraditável.

Com a EC 131/2023, a perda da nacionalidade brasileira só ocorre mediante “expressa manifestação de vontade” do indivíduo em perdê-la. Dessa forma, se um indivíduo, mesmo possuindo dupla nacionalidade (brasileira nata e estrangeira), não manifestou expressamente a vontade de renunciar à sua nacionalidade brasileira, ele mantém o status de brasileiro nato.

Consequentemente, a proteção constitucional do Art. 5º, LI, contra a extradição continua a ser plenamente aplicável. A EC 131/2023, ao facilitar a manutenção da nacionalidade brasileira em mais casos, indiretamente amplia o alcance da proteção contra a extradição para esses indivíduos, reforçando a impossibilidade de sua entrega a um Estado estrangeiro para fins de persecução penal.

IV. O Regime Jurídico Italiano da Extradição

IV.1 A Constituição Italiana: O Art. 26 e a Extradição de Cidadãos Italianos

A Constituição Italiana adota uma abordagem distinta da brasileira no que tange à extradição de seus cidadãos.

O Artigo 26 da Constituição estabelece que “A extradição do cidadão só pode ser permitida se for expressamente prevista por convenções internacionais. Em nenhum caso pode ser admitida por crimes políticos”.

Diferentemente do Brasil, que proíbe a extradição de brasileiros natos de forma absoluta, a Itália permite a extradição de seus próprios cidadãos. Contudo, esta permissão está condicionada a duas exigências essenciais: a existência de um tratado internacional que preveja expressamente a extradição de cidadãos e a garantia de que o crime em questão não seja de natureza política.

Esta flexibilidade na extradição de nacionais italianos é um ponto de divergência fundamental em relação ao sistema brasileiro.

IV.2. O Código de Processo Penal Italiano (Artigos 696-722): Procedimentos, Condições e Recusas

A matéria de extradição na Itália é regulamentada de forma detalhada pelo Código de Processo Penal (CPP), especialmente nos artigos 696 a 722. O Ministro da Justiça italiano desempenha um papel central e, em certa medida, discricionário na decisão de conceder ou recusar a extradição.

O Ministro tem a prerrogativa de recusar um pedido de extradição se considerar que este pode “comprometer a soberania, a segurança ou outros interesses essenciais do Estado”.

A extradição na Itália só pode ocorrer para a execução de uma sentença estrangeira de condenação a pena privativa de liberdade ou outra medida restritiva da liberdade pessoal.

As condições para o deferimento incluem a observância do princípio da dupla tipicidade e o respeito aos direitos fundamentais da pessoa. O CPP italiano também prevê a possibilidade de extradição simplificada e estabelece a ordem de precedência em caso de múltiplas solicitações de extradição para a mesma pessoa.

A discricionariedade conferida ao Ministro da Justiça italiano na decisão de extradição introduz um elemento de natureza política que não se manifesta da mesma forma no sistema brasileiro. Enquanto no Brasil a decisão final sobre a extradição é judicial, proferida pelo Supremo Tribunal Federal com base em critérios estritamente jurídicos (ainda que a iniciativa seja do Poder Executivo), na Itália, fatores políticos ou de “interesse nacional” podem influenciar o desfecho do pedido, mesmo quando as condições legais são aparentemente preenchidas.

Essa diferença pode gerar complexidades adicionais e, em alguns casos, dar margem a negociações diplomáticas em situações de dupla nacionalidade.

Complementando a aplicação da lei penal em extradição a Corte di Cassazione, o mais alto tribunal de apelação da Itália, tem reiterado consistentemente a necessidade de um tratado internacional para que a extradição de cidadãos italianos seja concedida, em conformidade com o Artigo 26 da Constituição.

A jurisprudência italiana também aplica rigorosamente o princípio da dupla incriminação, exigindo que o fato pelo qual se busca a extradição seja considerado crime em ambos os ordenamentos jurídicos, sem a necessidade de exata correspondência normativa.

V. O Quadro Jurídico Europeu e a Cooperação com o Brasil

V.1. A Convenção Europeia de Extradição (1957) e seus Protocolos

A Convenção Europeia de Extradição (CEE), concluída em Paris em 1957, é um instrumento multilateral de grande relevância para a cooperação em matéria de extradição entre os Estados membros do Conselho da Europa.

A Itália ratificou a CEE em 1963, tornando-se parte deste importante acordo. A CEE estabelece princípios e procedimentos comuns para a extradição, mas permite que os Estados signatários formulem reservas e declarações, como a não extradição de seus próprios nacionais, a exemplo de Portugal.

O Mandado de Detenção Europeu (MDE), instituído pela Decisão-Quadro do Conselho de 2002, representou uma significativa evolução na cooperação judicial penal dentro da União Europeia.

A partir de 2004, o MDE substituiu a CEE nas relações entre os Estados membros da UE. Caracterizado por prazos processuais rigorosos, ausência de intervenção política e, para 32 categorias de crimes, dispensa da exigência de dupla incriminação, o MDE agilizou consideravelmente os processos de entrega de pessoas procuradas entre os países da União.

Contudo, é crucial destacar uma limitação fundamental: o Mandado de Detenção Europeu não se aplica nas relações entre os Estados-Membros da União Europeia e o Brasil.

A cooperação para fins de extradição entre o Brasil e os países europeus, incluindo a Itália, continua a ser regida por tratados bilaterais específicos e pelos princípios gerais do direito internacional.

V.2. Acordos de Cooperação entre a União Europeia e o Brasil

Recentemente, a União Europeia e o Brasil têm aprofundado sua cooperação em matéria de segurança. Em março de 2025, foi assinado um acordo de cooperação entre a Europol (Agência da União Europeia para a Cooperação Policial) e a Polícia Federal brasileira.

Este acordo visa fortalecer a parceria no combate ao crime organizado e grave, abrangendo áreas como tráfico de drogas, cibercrime e tráfico de pessoas.

O instrumento permite a troca de informações operacionais e a realização de investigações conjuntas, marcando o Brasil como o primeiro país da América Latina a firmar tal acordo com a UE.

A assinatura do acordo Europol-Brasil, embora não constitua um tratado de extradição formal, indica uma tendência de aprofundamento da cooperação policial e investigativa entre as partes.

Essa cooperação mais estreita na fase de investigação pode ter um impacto significativo na eficiência de futuros pedidos de extradição ou transferência de pena. Ao facilitar a obtenção de provas e informações necessárias para fundamentar tais pedidos, o acordo pode tornar o processo mais ágil e robusto, mesmo que os mecanismos jurídicos formais de extradição e transferência de pena permaneçam os mesmos.

Em outras palavras, a melhoria na troca de informações e na coordenação investigativa pode resultar em pedidos de cooperação jurídica mais bem fundamentados, com provas mais consistentes, e em uma redução do tempo necessário para reunir a documentação e os elementos probatórios exigidos pelos tratados, agilizando, na prática, a efetivação da cooperação judicial.

VI. Tratados Bilaterais Específicos: Brasil e Itália

VI.1. O Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana (Decreto nº 863/1990)

O principal instrumento jurídico para a cooperação em matéria de extradição entre o Brasil e a Itália é o Tratado de Extradição, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 863/1990. Este tratado estabelece as bases para os pedidos de extradição entre os dois países. O Artigo 3º do Tratado, por exemplo, lista os casos de recusa de extradição.

A existência de um tratado bilateral de extradição é, em princípio, a base para a cooperação. No entanto, a interpretação e a aplicação de suas cláusulas devem sempre considerar as normas constitucionais de cada país. No caso de um indivíduo com dupla nacionalidade (brasileira nata e italiana), a Constituição Federal brasileira, que proíbe a extradição de seus cidadãos natos (Art. 5º, LI), prevalece sobre qualquer disposição do tratado que pudesse, em tese, permitir tal extradição.

Isso significa que, mesmo que o tratado não fizesse menção explícita à proibição de extradição de nacionais (o que é comum em tratados, mas a Itália, por sua vez, tem sua própria ressalva constitucional), o Brasil, como Estado requerido, invocaria sua norma constitucional superior.

A Constituição Federal brasileira é a norma suprema no ordenamento jurídico interno, e, portanto, o Brasil não concederia a extradição de um brasileiro nato, independentemente do que o tratado pudesse sugerir genericamente. A interpretação do tratado é sempre realizada em conformidade com a Constituição de cada Estado.

VII. O Acordo sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre o Brasil e a Itália

Para além da extradição, a cooperação entre Brasil e Itália em matéria penal é reforçada pela existência de um instrumento multilateral para a transferência de pessoas condenadas.

O Brasil aderiu à Convenção de Estrasburgo sobre Transferência de Pessoas Condenadas em junho de 2023. A Itália, por sua vez, ratificou esta Convenção em 1988. Isso significa que há um acordo em vigor entre os dois países que permite a transferência de sentenciados.

A Convenção de Estrasburgo tem como objetivo principal facilitar a reabilitação social de prisioneiros, permitindo que cumpram suas penas em seus países de origem, e considera aspectos humanitários, como barreiras linguísticas e a distância de familiares.

As condições para a transferência de execução de pena, conforme o Artigo 3º da Convenção incluem:

  • O condenado deve ser nacional do Estado de execução (no caso, a Itália).
  • A sentença proferida pelo Estado requerente (Brasil) deve ser definitiva e não mais sujeita a recursos ordinários.
  • A duração da pena remanescente a ser cumprida deve ser de, no mínimo, seis meses, ou a pena deve ser indeterminada.
  • O condenado deve consentir expressamente com a transferência, de forma voluntária e com pleno conhecimento das consequências jurídicas.
  • O ato pelo qual a pessoa foi condenada no Estado requerente (Brasil) deve constituir crime também no Estado de execução (Itália), ou seja, deve haver dupla tipicidade.
  • Ambos os Estados (Brasil e Itália) devem concordar com a transferência.

VIII. O Precedente do Caso Robinho

O caso do ex-jogador de futebol Robson de Souza, conhecido como Robinho, é um precedente jurisprudencial fundamental para a compreensão da transferência de execução de pena no Brasil.

Robinho foi condenado na Itália por estupro e, posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Brasil homologou a sentença estrangeira e determinou o cumprimento da pena em território brasileiro. Essa decisão foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Este caso, embora inverso ao cenário aqui analisado (pena italiana sendo executada no Brasil), estabelece que a transferência de execução de pena é um mecanismo legal e constitucionalmente válido no ordenamento jurídico brasileiro, distinto da extradição.

O STF, ao analisar o caso, distinguiu claramente a transferência da extradição, enfatizando que a transferência não implica a entrega de um brasileiro nato a outro país. Além disso, a Suprema Corte considerou que a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), que regulamenta a transferência de pena, não possui natureza penal e, portanto, pode ser aplicada a crimes ocorridos antes de sua promulgação, sem violar o princípio da irretroatividade da lei penal.

A relevância do caso Robinho para o cenário em análise é profunda. Ele valida a tese de que o Brasil possui a base legal e a jurisprudência necessárias para solicitar à Itália a execução da pena de um brasileiro nato condenado no Brasil, mesmo que o crime tenha ocorrido antes da Lei de Migração, desde que as condições da Convenção de Estrasburgo sejam atendidas.

Isso significa que caso a Itália por qualquer motivo não aceite realizar a extradição de uma pessoa condenada no Brasil há a opção da transferência de execução de pena emerge como a via eficaz para garantir que a condenação proferida no Brasil seja cumprida no Estado de refúgio do indivíduo, evitando a impunidade.

IX. Análise do Caso Concreto: Dupla Nacionalidade e Crime de “Invasão Hacker” – O Caso Deputada Carla Zambelli

Embora Zambelli não tenha sido objeto de um pedido formal de extradição, o caso evidenciou a tensão entre o desejo de “refúgio” em um país de segunda nacionalidade e a realidade dos acordos internacionais de cooperação.

O caso de Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, que, apesar de possuir cidadania italiana, foi extraditado da Itália para o Brasil em 2015 após ser condenado por corrupção, serve como um precedente direto que demonstra a viabilidade da extradição da Itália para o Brasil de um brasileiro naturalizado/cidadão italiano.

Para melhor compreender esta situação vamos detalhar as relações dos crimes que ela foi condenada e a possibilidade de execução da extradição ou transferência da pena para cumprimento na Itália.

IX.1. A Qualificação do Crime de “Invasão Hacker” nas Legislações Brasileira e Italiana

Para que haja cooperação jurídica internacional, seja por extradição ou transferência de execução de pena, é imprescindível que a conduta criminosa seja reconhecida e punida em ambos os ordenamentos jurídicos envolvidos, conforme o princípio da dupla tipicidade.

1. Legislação Brasileira sobre Crimes Cibernéticos

No Brasil, os crimes cibernéticos são tipificados principalmente pela Lei nº 12.737/2012, popularmente conhecida como Lei Carolina Dieckmann. Esta lei inseriu no Código Penal brasileiro o Art. 154-A, que criminaliza a “invasão de dispositivo informático”. As penas variam conforme a modalidade da invasão e o dano causado, podendo ser agravadas se houver obtenção de dados, destruição de informações, ou interrupção de serviço.

2. Legislação Italiana sobre Crimes Cibernéticos

A Itália possui uma legislação robusta e detalhada sobre crimes cibernéticos, com diversos artigos no Código Penal que tipificam condutas relacionadas à “invasão hacker” e delitos correlatos.

Tabela 2: Crimes Cibernéticos Relevantes na Legislação Italiana (Artigos e Penas)

CrimeArtigo/Lei (C.P. Italiano)Pena BaseAgravantes PrincipaisProcedimento
Acesso Abusivo a Sistema Informático ou TelemáticoArt. 615-terPrisão até 3 anosCometido por funcionário público; com violência; dano/interrupção do sistema; sistemas de interesse público (militar, segurança, saúde)Queixa (pena base); De Ofício (agravantes)
Fraude InformáticaArt. 640-terPrisão de 6 meses a 3 anos e multaDano ao Estado/ente público; abuso de qualidade de operador de sistemaQueixa (pena base); De Ofício (agravantes)
Difusão de Vírus e Equipamentos DanososArt. 615-quinquiesPrisão até 2 anos e multaDe Ofício
Posse e Difusão Não Autorizada de Códigos de AcessoArt. 615-quaterPrisão até 1 ano e multaDano a sistema público; abuso de poder/qualidadeDe Ofício
Dano a Informações, Dados e Programas InformáticosArt. 635-bisPrisão de 6 meses a 3 anosCom violência/ameaça; abuso de qualidade de operador de sistemaQueixa
Dano a Sistemas InformáticosArt. 635-quaterPrisão de 1 a 5 anosCom violência/ameaça; abuso de qualidade de operador de sistemaDe Ofício

Fonte: Artigos 615-ter, 615-quater, 615-quinquies, 635-bis, 635-quater, 640-ter do Código Penal Italiano.

O Artigo 615-ter do Código Penal italiano, por exemplo, criminaliza o “acesso abusivo a um sistema informático ou telemático”, com pena de prisão de até três anos. Penas agravadas são previstas se o ato for cometido por um funcionário público, com uso de violência, ou se resultar em destruição, dano ou interrupção do sistema.

Há ainda previsões mais severas se o sistema afetado for de interesse militar, de segurança pública, de saúde, ou de proteção civil.38 Outras condutas como fraude informática (Art. 640-ter), difusão de vírus (Art. 615-quinquies), posse e difusão não autorizada de códigos de acesso (Art. 615-quater), e dano a sistemas informáticos (Art. 635-bis a 635-quinquies) também são tipificadas e punidas.

B. Aplicação do Princípio da Dupla Tipicidade ao Crime Cibernético

Considerando a detalhada tipificação de “invasão hacker” e crimes correlatos tanto na legislação brasileira (Lei nº 12.737/2012) quanto na italiana (Artigos 615-ter, 640-ter, 615-quinquies, 615-quater, 635-bis a 635-quinquies do Código Penal italiano), o princípio da dupla tipicidade seria, com grande probabilidade, satisfeito no caso em análise.

A conduta de “invasão hacker” é reconhecida e punida em ambos os ordenamentos jurídicos, o que constitui um requisito fundamental para a viabilidade da extradição ou, de forma mais pertinente, para a transferência de execução de pena.

IX.2. A Qualificação do Crime de “Falsidade Ideológica” nas Legislações Brasileira e Italiana

1. Legislação Brasileira sobre Falsidade Ideológica

O crime de falsidade ideológica no Brasil já é bem firmado na doutrina e na jurisprudência no Brasil. O crime assim previsto no artigo 299 do Código Penal estabelece que qualquer pessoa que omitir, inserir, ou fazer inserir declaração falsa ou diversa em documento público ou particular, com objetivos de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante comete o crime.

A pena base deste crime é a de 1 a 3 anos, e pode ser majorada se praticado por funcionário público ou pessoa em exercício da função pública.

2. Legislação Italiana sobre o Falso Ideológico

A Itália possui uma legislação já sacramentada sobre a conduta de pessoas que falsificam informações em documentos públicos.

Em relação ao crime praticado por particular contra particular existe a falsidade material mas não a ideológica. Isso quer dizer que no direito penal italiano o particular somente comete o crime quando ele altera o documento materialmente, rasurando, falsificando assinatura ou criando um documento falso similar ao verdadeiro com objetivo de fraude.

Tabela 2: Crimes de falsidade ideológica Relevantes na Legislação Italiana (Artigos e Penas)

CrimeArtigo/Lei (C.P. Italiano)Pena BaseAgravantes PrincipaisProcedimento
Falsidade ideológica cometida por funcionário público em atos públicosArt. 479Prisão até 6 anosO agente ter agido por motivos fúteis ou abjetos; realizou o fato para ocultar ou executar outro crime; cometeu em violação dos deveres da função pública; ter causado dano patrimonial graveDe Ofício (pena base
Falsidade ideológica cometida por funcionário público em certidões ou autorizações administrativasArt. 480Prisão de 2 meses a 3 anos e multaO agente ter agido por motivos fúteis ou abjetos; realizou o fato para ocultar ou executar outro crime; cometeu em violação dos deveres da função pública; ter causado dano patrimonial graveDe Ofício (pena base)
Falsidade ideológica cometida por particular em ato públicoArt. 483Prisão até 3 anos e multaO agente ter agido por motivos fúteis ou abjetos; realizou o fato para ocultar ou executar outro crime; ter causado dano patrimonial graveDe Ofício (pena base)
Falsidade em documento privadoArt. 485Prisão até 3 anosO agente ter agido por motivos fúteis ou abjetos; realizou o fato para ocultar ou executar outro crime; ter causado dano patrimonial graveQueixa (pena base)

Fonte: Artigos 479; 480; 483 e 485 do Código Penal Italiano.

B. Aplicação do Princípio da Dupla Tipicidade ao Crime Falso Ideológico

Da mesma forma que o crime de invasão hacker, o crime de falsidade ideológica se enquadra no princípio da dupla tipicidade, ou seja, pode ser aplicado em desfavor da pessoa condenada pela prática delitiva, implicando assim na possibilidade da extradição ou da transferência da pena.

IX.3. Cenários e Possibilidades de Extradição para o Brasil

1. Requisitos para o Deferimento da Extradição (Nacionalidade, Natureza do Crime, Pena Remanescente)

O cerne da questão da extradição, neste caso, reside na nacionalidade do indivíduo. Se a pessoa possui nacionalidade brasileira nata (como é implícito na dupla nacionalidade com o Brasil), a Constituição Federal brasileira (Art. 5º, LI) estabelece uma proibição absoluta de sua extradição.

Portanto, o Brasil, como Estado requerente, pode solicitar a extradição de um brasileiro nato ou naturalizado. Se fosse o Estado requerido, o Brasil recusaria a extradição de um brasileiro nato e de naturalizado, este último atendidas as exceções constitucionais.

Do ponto de vista da Itália, como Estado requerido, ela poderia extraditar seu cidadão para o Brasil, desde que existisse um tratado bilateral de extradição conforme determinado na Constituição Italiana.

Como Brasil e Itália, possuem este tratado formal de extradição, o Decreto nº 863/1990, somente em casos de crimes de natureza política a extradição não aconteceria.

2. Cenários de Não Extradição e a Alternativa do Cumprimento da Pena na Itália

Numa remota possibilidade de o Governo Italiano ou mesmo decisões das cortes Europeias que determinassem que a pessoa não fosse extraditada para cumprir a pena no Brasil esta situação ainda assim não causaria impunidade.

Conforme já detalhamos a Convenção de Estrasburgo, prevê a transferência da condenação de pessoas condenadas, podendo a pessoa cumprir a pena no país onde se encontra ou o país de sua nacionalidade se assim preferir ou for determinado pela Justiça.

Importante esclarecer que o cumprimento de pena noutro Estado é de natureza processual e não natureza penal, e assim a sua aplicação não esta sujeita ao princípio geral do direto da irretroatividade da aplicação da lei penal, como aconteceu no Caso Robinho.

X. A Transferência de Execução de Pena para a Itália (Condições e Procedimentos)

O Brasil, como Estado sentenciante, poderia solicitar à Itália, como Estado de execução (e de nacionalidade do indivíduo), a transferência da pena. Esta solicitação seria fundamentada na Convenção de Estrasburgo sobre Transferência de Pessoas Condenadas, um tratado multilateral ratificado por ambos os países.

As condições para a transferência, conforme a Convenção são as seguintes:

  • O condenado deve ser nacional do Estado de execução (Itália, neste caso).
  • A sentença brasileira que impôs a condenação deve ser definitiva, ou seja, transitada em julgado.
  • A pena remanescente a ser cumprida deve ser de, no mínimo, seis meses, ou a pena deve ser indeterminada.
  • O condenado deve manifestar seu consentimento à transferência de forma voluntária e com pleno conhecimento de suas consequências legais.
  • O crime de “invasão hacker” pelo qual a pessoa foi condenada no Brasil deve ser igualmente considerado crime na Itália (princípio da dupla tipicidade).
  • Ambos os Estados, Brasil e Itália, devem expressar seu acordo com a transferência.

O procedimento para a transferência de execução de pena envolveria um pedido formal do Ministério da Justiça do Brasil ao Ministério da Justiça italiano, acompanhado de toda a documentação pertinente à condenação e ao consentimento do apenado.

A Itália, após analisar o pedido à luz de sua legislação interna e da Convenção de Estrasburgo, decidiria pela aceitação da transferência e pela forma de execução da pena.

A Convenção permite que o Estado de execução (Itália) continue a execução da pena imediatamente ou converta a pena, adaptando-a à sua própria legislação, mas sempre com a garantia de que a sanção não será agravada.

Uma vez que a transferência de execução de pena para a Itália seja aceita, o indivíduo passaria a cumprir a pena no território italiano.

A execução da pena estaria sujeita às leis e condições do sistema penitenciário italiano, da mesma forma que qualquer outro cidadão italiano condenado no país. A Itália, como Estado de execução, teria jurisdição exclusiva sobre a aplicação e o regime de cumprimento da pena.

Este mecanismo garante que a condenação imposta no Brasil tenha efetividade, sem que a nacionalidade brasileira nata do indivíduo sirva como um escudo absoluto contra o cumprimento da sanção penal.

XI. Julgados Mais Recentes e Interpretações Doutrinárias Relevantes

XI.1. Análise de Casos Emblemáticos e suas Implicações

A jurisprudência recente e casos de grande repercussão pública ilustram as complexidades e as nuances da cooperação jurídica internacional, especialmente em cenários de dupla nacionalidade.

Caso Robinho

O caso do ex-jogador Robinho (Robson de Souza) é um precedente jurisprudencial de extrema relevância para a compreensão da transferência de execução de pena no Brasil.

Condenado na Itália por estupro, Robinho teve sua sentença homologada e determinada a execução em território brasileiro pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), decisão que foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

As implicações deste caso são múltiplas. Primeiramente, ele reafirma a constitucionalidade e a validade do mecanismo de transferência de execução de pena no Brasil. O STF distinguiu claramente a transferência da extradição, enfatizando que a transferência não envolve a entrega de um brasileiro nato a outro país, mas sim a execução de uma pena estrangeira em solo nacional.

Em segundo lugar, a decisão de que a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), que regulamenta a transferência, não é uma norma penal e, portanto, pode retroagir para crimes ocorridos antes de sua promulgação, é crucial para a aplicabilidade deste mecanismo a um vasto leque de casos passados.

Este precedente valida o caminho da transferência de pena como uma alternativa eficaz e constitucionalmente aceitável para garantir a efetividade de sentenças estrangeiras no Brasil e, por reciprocidade, de sentenças brasileiras no exterior, especialmente quando a extradição é vedada pela nacionalidade.

Caso Cesare Battisti

O caso de Cesare Battisti, terrorista italiano condenado na Itália por quatro assassinatos, que recebeu refúgio político no Brasil e posteriormente foi extraditado para a Itália, é um exemplo emblemático da complexidade e da sensibilidade política envolvidas em casos de extradição.

Este caso gerou atrito diplomático significativo entre o Brasil e a Itália por anos.

As implicações deste caso reforçam o princípio da não extradição por crimes políticos, mas também sublinham a importância da qualificação do crime e a influência de fatores políticos e mudanças de governo nas decisões de extradição.

A extradição de Battisti para a Itália, sob um novo governo brasileiro, demonstrou que a qualificação de “crime político” pode ser reavaliada e que a cooperação internacional, embora pautada por princípios jurídicos, pode ser influenciada por conjunturas políticas.

XI.2. Posições Doutrinárias sobre Conflitos de Nacionalidade e Jurisdição

A doutrina majoritária em direito internacional reconhece a tensão inerente entre a soberania estatal, que inclui a proteção de seus nacionais, e a necessidade premente de cooperação internacional para combater a impunidade em um cenário de criminalidade transnacional.

Neste contexto, a transferência de execução de pena é amplamente vista como um mecanismo que harmoniza esses dois imperativos.

A doutrina entende que a dupla nacionalidade, em vez de ser um escudo absoluto contra a persecução penal, serve como um fator que direciona o caso para o mecanismo de transferência de pena quando a extradição é vedada pela nacionalidade do indivíduo.

Essa abordagem permite que o Estado de nacionalidade do condenado assuma a responsabilidade pela execução da pena, garantindo a efetividade da condenação e a reabilitação social do indivíduo em seu próprio ambiente cultural e linguístico, sem violar as garantias constitucionais de não extradição de nacionais. É uma solução que busca a justiça sem comprometer os fundamentos da soberania.

X. Conclusões e Recomendações

A análise detalhada das legislações brasileira, italiana e europeia, dos tratados bilaterais e multilaterais, e da jurisprudência relevante, permite sintetizar os principais pontos e desafios inerentes à extradição e à transferência de execução de pena em casos de dupla nacionalidade.

A extradição de um brasileiro nato para o Brasil é constitucionalmente vedada, independentemente de ele possuir outra nacionalidade, como a italiana. Esta proibição, inscrita no Artigo 5º, inciso LI, da Constituição Federal, é absoluta e prevalece sobre qualquer disposição de tratado internacional. Por outro lado, a Itália, embora permita a extradição de seus cidadãos sob a condição de existência de um tratado e de o crime não ser político, enfrentaria a recusa brasileira em receber um brasileiro nato por extradição, tornando essa via inviável na prática.

O crime de “invasão hacker”, objeto da condenação no Brasil, é duplamente tipificado, ou seja, é reconhecido e punido tanto pela legislação brasileira quanto pela italiana. A existência dessa dupla tipicidade é um requisito essencial e satisfeito para qualquer forma de cooperação jurídica internacional no caso.

Diante da barreira constitucional brasileira à extradição de brasileiros natos, a transferência de execução de pena emerge como o caminho mais viável e juridicamente sólido para garantir o cumprimento da sanção penal na Itália. Este mecanismo é fundamentado na Convenção de Estrasburgo sobre Transferência de Pessoas Condenadas, ratificada por ambos os países, e na Lei de Migração brasileira (Lei nº 13.445/2017). O caso Robinho serve como um precedente jurisprudencial robusto, validando a transferência de pena como um mecanismo distinto da extradição e confirmando sua aplicabilidade mesmo a crimes anteriores à promulgação da Lei de Migração.

As perspectivas futuras da cooperação jurídica internacional entre Brasil, Itália e União Europeia apontam para um aprofundamento das relações, especialmente no combate a crimes transnacionais como os cibernéticos. Acordos recentes, como o de cooperação entre a Europol e a Polícia Federal brasileira, demonstram um compromisso mútuo em facilitar a troca de informações e investigações conjuntas, o que, embora não altere as regras formais de extradição, tende a tornar os processos de cooperação mais eficientes e eficazes.

Para o cenário apresentado, as seguintes recomendações são pertinentes:

  1. Início do Processo de Transferência: O Brasil, como Estado condenante, deve iniciar formalmente o processo de solicitação de transferência de execução de pena à Itália, com base na Convenção de Estrasburgo e na Lei de Migração.
  2. Cumprimento Rigoroso dos Requisitos: As autoridades brasileiras devem assegurar que todos os requisitos formais e materiais da Convenção sejam rigorosamente cumpridos, com destaque para a obtenção do consentimento voluntário do condenado e a comprovação da dupla tipicidade do crime.
  3. Análise e Execução pela Itália: A Itália, por sua vez, deverá analisar o pedido à luz de sua legislação interna e da Convenção, procedendo à aceitação e à execução da pena em seu território, respeitando as condições estabelecidas e adaptando a sanção ao seu sistema penal, sem agravá-la.
  4. Garantia de Direitos: É fundamental que o indivíduo seja devidamente assistido por advogado em todas as etapas do processo de transferência, garantindo-se o pleno exercício de seus direitos e garantias fundamentais.

A adoção da transferência de execução de pena representa a solução mais adequada para harmonizar a soberania brasileira e italiana com a necessidade de combater a impunidade em um caso de dupla nacionalidade e crime transnacional.

Referências

  1. Extradição | Processos Internacionais e Domésticos | Britannica, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.britannica.com/topic/extradition
  2. O que é a Lei de Extradição Internacional? – Jeffrey S. Weiner, P.A., acessado em 5 de junho de 2025, https://www.jeffweiner.com/blogs/2024/october/what-is-international-extradition-law-/
  3. www.gov.br, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/cooperacao-internacional/extradicao/arquivos/manualextradicao.pdf
  4. EXTRADIÇÃO 1.085-9 REPÚBLICA ITALIANA RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO REQUERENTE(S): GOVERNO DA ITÁLIA ADVOGADO(A/S) – STF, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Ext1085RelatorioVoto.pdf
  5. O PRINCÍPIO DA DUPLA INCRIMINAÇÃO DA EXTRADIÇÃO AO MANDADO DE PRISÃO EUROPEU, acessado em 5 de junho de 2025, https://tesi.luiss.it/543/1/Russo-Tesi.pdf
  6. Art. 697 – c.p.p – Extradição e poderes do Ministro da Justiça …, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.avvocato.it/codice-di-procedura-penale-libro-undicesimo-titolo-ii-capo-i-sezione-i-art697/
  7. Mandado de prisão europeu | Portal europeu da justiça eletrônica, acessado em 5 de junho de 2025, https://e-justice.europa.eu/topics/court-procedures/criminal-cases/judicial-cooperation/european-arrest-warrant_it
  8. www.senato.it, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.senato.it/sites/default/files/media-documents/Costituzione_PORTOGHESE.pdf
  9. A Constituição – Artigo 26 | Senado da República, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.senato.it/istituzione/la-costituzione/parte-i/titolo-i/articolo-26
  10. Artigo 26 da Constituição italiana: uma explicação simples – Edizioni Simone, acessado em 5 de junho de 2025, https://edizioni.simone.it/2023/01/17/articolo-26-della-costituzione-italiana-una-spiegazione-semplice/
  11. Convenção Europeia de Extradição | Portal do Ministério Público …, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.ministeriopublico.pt/instrumento/convencao-europeia-de-extradicao-1
  12. Extradição de cidadão italiano (Cass. 3921/16) – canestriniLex, acessado em 5 de junho de 2025, https://canestrinilex.com/risorse/estradizione-di-cittadino-italiano-cass-392116
  13. STF mantém decisão que determinou cumprimento da pena de …, acessado em 5 de junho de 2025, https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-mantem-decisao-do-que-determinou-cumprimento-da-pena-de-robinho/
  14. Constituição – Planalto, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
  15. Extradição e expulsão: a lei 13.445 de 2017, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.execucaopenal.org/post/extradi%C3%A7%C3%A3o-e-expuls%C3%A3o-a-lei-13-445-de-2017
  16. Resumo Lei 13.445/2017 – Lei de Migração – Emigrante e Extradição – Estratégia Concursos, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.estrategiaconcursos.com.br/blog/resumo-lei-13-445-2017-p5/
  17. L13445 – Planalto, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm
  18. Código de Processo Penal art. 697 – Extradição e poderes do …, acessado em 5 de junho de 2025, https://ius-giuffrefl-it.bibliopass.unito.it/dettaglio/5012895/art-697-estradizione-e-poteri-del-ministro-della-giustizia-1
  19. Art. 697 Código de Processo Penal – Toga, acessado em 5 de junho de 2025, https://app.toga.cloud/codici/codice-di-procedura-penale/3/28333/art-697-estradizione-e-poteri-del-ministro-della-giustizia
  20. Art. 720 Código de Processo Penal – Toga, acessado em 5 de junho de 2025, https://app.toga.cloud/codici/codice-di-procedura-penale/3/28356/art-720-domanda-di-estradizione
  21. Art. 720 código de processo penal – Pedido de extradição …, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.brocardi.it/codice-di-procedura-penale/libro-undicesimo/titolo-ii/capo-ii/art720.html
  22. Art. 697 código de processo penal – Extradição e poderes do Ministro da Justiça, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.brocardi.it/codice-di-procedura-penale/libro-undicesimo/titolo-ii/capo-i/sezione-i/art697.html
  23. LIVRO UNDÉCIMO – Relações jurisdicionais com autoridades estrangeiras …, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.brocardi.it/codice-di-procedura-penale/libro-undicesimo/
  24. Art. 705 – c.p.p – Condições para a decisão – Avvocato.it, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.avvocato.it/codice-di-procedura-penale-libro-undicesimo-titolo-ii-capo-i-sezione-i-art705/
  25. CONVENÇÃO EUROPEIA DE EXTRADIÇÃO – Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais, acessado em 5 de junho de 2025, https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/convencao_europeia_extradicao.pdf
  26. Lei 30 de janeiro de 1963 n.300 – Ministério do Interior – Legislação, acessado em 5 de junho de 2025, https://www1.interno.gov.it/mininterno/site/it/sezioni/servizi/old_servizi/legislazione/accordi_internazionali/legislazione_2.html
  27. LEI 30 de janeiro de 1963, n. 300 – Normattiva, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.normattiva.it/uri-res/N2Ls?urn:nir:stato:legge:1963-01-30;300
  28. MANDADO DE PRISÃO EUROPEU E INVESTIGAÇÕES DE DEFESA NO EXTERIOR – Ordem dos Advogados de Milão, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.ordineavvocatimilano.it/media/commissioni/CRINT/Mandato_arresto_UE.pdf
  29. Acordo de Cooperação entre Europol e Brasil – eucrim, acessado em 5 de junho de 2025, https://eucrim.eu/news/cooperation-agreement-between-europol-and-brazil/
  30. Brasil e União Europeia assinam acordo de cooperação entre Polícia Federal e Europol – Portal Gov.br, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.gov.br/secom/en/latest-news/2025/03/brazil-european-union-sign-federal-police-europol-cooperation-agreement
  31. D0863 – Planalto, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0863.htm
  32. D99340 – Planalto, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99340.htm
  33. Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas – Wikipedia, acessado em 5 de junho de 2025, https://en.wikipedia.org/wiki/Convention_on_the_Transfer_of_Sentenced_Persons
  34. Atos internacionais – Ministério da Justiça, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.giustizia.it/giustizia/it/mg_1_3.page?tabaip=y&tab=a&aia=AIA32750&aip=AIP32577&detail=y&ait=AIT32556
  35. O texto da Convenção de Estrasburgo sobre a Transferência de Pessoas Condenadas, acessado em 5 de junho de 2025, http://www.legalsl.com/en/convention-on-the-transfer-of-senteced-persons.htm
  36. Convenção sobre a transferência de condenados – Fedlex – admin.ch, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.fedlex.admin.ch/eli/cc/1988/761_761_761/it
  37. www.mprj.mp.br, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.mprj.mp.br/documents/20184/3664339/Rodrigo_de_Abreu_Fudoli_RMP-87.pdf
  38. Aprofundamentos normativos – Polícia Postal, acessado em 5 de junho de 2025, https://www.commissariatodips.it/approfondimenti/hacking/approfondimenti-normativi/index.html
  39. Constituição da Itália e acordos de cooperação permitem extradição …, acessado em 5 de junho de 2025, https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/politica-e-poder/constituicao-da-italia-e-acordos-de-cooperacao-permitem-extradicao-de-zambelli-entenda/
Compartilhe
Grupo Prerrô
ADMINISTRATOR
Perfil

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *

Mais do Prerrô

Compartilhe