Escolha deverá obedecer a normas democráticas
Sergio Moro vem colecionando derrota após derrota. Entre tantas, no bojo de seu autoritário e felizmente desidratado pacote anticrime, lhe foi impingida pelo Congresso e sancionada pelo seu presidente a criação do juiz das garantias.
O juiz das garantias é aquele que controla a legalidade do inquérito policial, que zela e procura garantir a lisura das investigações levadas a efeito pela polícia e pelo Ministério Público (órgão que jamais poderia investigar, registre-se). É este magistrado, e não mais aquele que virá a ser o juiz da ação penal, se ela for proposta, quem passará a decidir sobre prisões cautelares, afastamento de sigilo fiscal, bancário, telefônico, telemático e buscas e apreensões, dentre outras atribuições cautelares inerentes à investigação.
Finda esta, o Ministério Público, se convencido da existência de crime e de indícios de autoria, oferece denúncia —peça que inaugura a ação penal. O juiz das garantias deixa sua jurisdição, remetendo os autos para o juiz que, a partir de então, dará marcha ao processo até a sentença.
O instituto é moderno e vale observar que já vem sendo aplicado com sucesso nos Estados Unidos, em Portugal, na Espanha, na Itália, no Chile e entre outros países.
Essa bipartição de funções judiciais é velha demanda dos processualistas —sua criação estava em discussão no Senado desde 2009— porque traz maior isenção e maior imparcialidade ao juiz que decidirá o mérito da ação, garantindo um resultado mais justo e consentâneo com a Constituição Federal.
Diversos organismos de peso festejaram a criação do juiz das garantias: OAB, IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Associação dos Juízes Federais do Brasil, Colégio Nacional dos Defensores Públicos-Gerais e Associação Juízes para a Democracia, entre tantos outros.
Em meio à celebração, contudo, aspecto prático dos mais graves, exemplificado pela jurisdição exercida em São Paulo, merece observação para que seu ponto deletério não contamine todo o Judiciário brasileiro, desvirtuando a nova legislação.
Na capital paulista, há mais de 30 anos, funciona o Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais), que conta com 13 juízes. Na prática, parece um juízo de garantias. É de lá que saem decisões judiciais em inquéritos.
O Dipo é o órgão jurisdicional responsável, no curso da investigação, pelo deferimento ou não de medidas cautelares invasivas que demandam do magistrado um sopesamento entre cautela, necessidade e direitos e garantias fundamentais do cidadão.
Ocorre que os 13 juízes são escolhidos a dedo pela chefia. Ou seja, sendo a cúpula do Judiciário pouco garantista, teremos sempre um juízo de garantias composto por magistrados pinçados entre os menos garantistas, em total afronta à lei e ao princípio do juiz natural.
A fim de evitar essa tragédia, é necessário que os tribunais do país inteiro estabeleçam normas internas claras, democráticas e imparciais para o preenchimento das vagas destinadas à judicatura ora criada.
Apenas um exemplo à guisa de sugestão: abrem-se vagas para juiz das garantias; os interessados se inscrevem; e os mais antigos na carreira são escolhidos.
Garantida estará a imparcialidade, razão de ser da garantia ora adotada.
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo.
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