Procedimentos criminais do Ministério Público devem ser regulamentados
Causou grande impacto a fala de Augusto Aras em webinar do grupo Prerrogativas, mencionando que a força-tarefa de Curitiba possui um banco de dados sigiloso com informações de 38 mil pessoas.
Há alguns anos, o STF colocou uma pá de cal na questão dos poderes investigatórios do Ministério Público, decidindo que o MP pode investigar. O problema é que esse poder nunca recebeu regulamentação legal à altura de sua envergadura.
A obrigação do delegado de prestar contas ao MP e ao juiz não existe no caso dos procedimentos que tramitam direto no MP. Como o MP não presta contas periódicas de investigações a ninguém, um caso pode ter diligências das mais estapafúrdias ou permanecer parado anos a fio sem uma única diligência realizada. É um poder de vida e de morte sobre a investigação, incompatível com os princípios democráticos.
O mais grave, porém, é quando alguns acabam adquirindo o costume, ou fetiche, de ficar colecionando peças de um quebra-cabeça imaginário, na esperança de um dia conseguirem aproveitá-las contra alguém.
É no subterrâneo dessa espera, muitas vezes impaciente, que correm as águas profundas da atividade investigatória ilegal, sem qualquer escrutínio ou fiscalização de um órgão superior ou do Judiciário.
É nesse emaranhado de peças esparsas sem proveito imediato que se escondem as investigações secretas, pelas quais uma pessoa pode ser investigada por tempo indeterminado, sem ter meios de obter informações —e, por vezes, sem que haja sequer registro do procedimento no sistema eletrônico do MP, em clara violação das normas constitucionais e da súmula vinculante nº 14 do Supremo, que garante a todo investigado o acesso aos autos do procedimento investigatório.
É, ainda, sob o manto desse excedente investigatório que informações são trocadas de forma não oficial, ou em off, e descartadas ou usadas a bel-prazer de quem as manipula —práticas, ao que parece, adotadas pela força-tarefa de Curitiba, conforme revelado pelo site The Intercept, no dia 10 de agosto de 2020, em reportagem intitulada “Foi passado em off”.
Os 38 mil nomes mencionados por Aras, portanto, são apenas uma face do problema, a ponta do iceberg. É preciso regulamentar os procedimentos criminais do Ministério Público de modo a dar maior transparência a essa poderosíssima atividade do Estado, compatibilizando-os com as regras do Estado democrático de Direito.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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