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Maria Firmina dos Reis: protorromancista negra da América Latina

Maria Firmina dos Reis: protorromancista negra da América Latina

Por João Linhares

Dia do Escritor e da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

A maranhense Maria Firmina dos Reis
nascera, em São Luís,
em 11 de março de 1822.
Leonor Felippa dos Reis,
mulata forra,
era sua genetriz.
Firmina ficou órfã
ainda muito menina,
sendo acolhida por uma tia
logo depois.

Estudou. Alforriou a mente.
Pretendeu reformular aquela
realidade deprimente.
Qual era a melhor estratégia,
senão tornar-se uma prestigiada professora
e mestra-régia,
além de escritora?

Rainha negra do Brasil,
por poucos conhecida,
mas cuja obra afigura-se colossal,
destemida,
essencial,
indispensável, fulcral.
Colmatou um imenso vazio,
sem trégua,
aguerrida;
confrontou uma contextura dantesca
e foi a primeira romancista negra
da América Latina.
Granjeou respeito,
naquela nesga,
em muita cidade,
em cada esquina.
Agia com beldade…

Sem imagem física definida,
no tempo relativamente perdida,
seu busto e seu retrato
foram esculpidos
como se fossem de uma gaúcha.
Coisa esdrúxula…

Todavia, Firmina jamais abandonou seus mastros:
aferrou-se a eles,
levando os excluídos à outra margem,
onde as ondas da liberdade
poderiam retumbar-se
e a inclusão com igualdade
matrimoniar-se.
Essa labareda interna a consumia,
a aquecia, a impelia…

De sua pena,
nasceram Úrsula, Gupeva,
A escrava
e, sem a lista terminar,
Contos à beira-mar.
Textos às dezenas.
Sempre brava!!!
Até um hino em encômio
à abolição da escravatura,
seu gênio fez vicejar.

Na sua escrita,
os negros tiveram voz.
Denunciou o escravagismo atroz,
empoderou a mulher.
Negou-se a vergar-se
à opressão qualquer,
numa sociedade
em que todos, quase,
genuflectiam
ao preconceito.
E o brandiam,
insuflando o peito.

Altiva, inteligente,
digna e valente!
Fundou a primeira escola mista do Maranhão
que foi, aliás, uma das precursoras do país.
Que visão!
Deparou-se com dichotes vis,
experimentou a fúria
dos que, com ação
ou com incúria,
almejavam manter
homens e mulheres eternamente servis.
Sofreu diatribes
de todo matiz…
O que fazer?

Seguiu em frente,
abrindo clareiras,
dando luzes aos escravizados,
ânimo a todo infeliz.
Maria como tantas outras,
no Firmina e nas suas bandeiras,
vindimava forças
do fermento para vicejar,
crescer e se transfigurar
numa figura real,
típica das melhores casas dos Reis.

Rainha pela exuberância
de sua envergadura moral,
de sua inexistente relutância
na batalha em prol de um ideal.
Rainha pela força singular de seus sonhos,
de sua garra descomunal.
Agiu, construiu, fez e refez.
Firme, digna, cortês.

Sua obra imorredoura abriu ensanchas,
muito antes de clássicos como O Navio Negreiro,
de Castro Alves,
e de A Escrava Isaura,
de Bernardo Guimarães,
assim como de outros poetas alvissareiros.
Arrostando entraves
e forças malsãs.
Liberdade e igualdade eram os seus estros,
os seus elãs.

Úrsula foi o pioneiro!
É, sabidamente,
o opúsculo
que precedeu os outros
e se pôs,
por inteiro,
patentemente
contra a escravidão,
contra aquele momento fusco,
hodiernamente, de difícil compreensão…

E isso não pode ser ofuscado.
À Maria Firmina dos Reis, a nossa gratidão!
Úrsula foi, em nossas plagas,
o primeiro livro
verdadeiramente contra o cativeiro!
E, nesse sendeiro,
Maria Firmina
se perfez
completa,
inteira,
sagaz,
no preto reluzente
do seu mais nato talento,
da mais acurada lente.

Na pujança de sua tez,
sem titubear, sem talvez.
Que espanto! Acalento…
Ela até hoje nos assombra
com seu canto
de acuidade e tento.

Pugnou pelo fim das injustiças
e proclamou, em cada liça,
um porvir de esperança
tingida com os melhores apanágios
que deveriam cultuar a memória nacional.
Autonomia a todos, sem trancas,
sem leis de segurança
acossando as críticas.
Imprescindíveis presságios…
Quimera imortal!

Tal qual farol,
ensopado pela umidade
das lágrimas cativas
e aflitas
dos escravizados que se afogavam
no oceano da vida,
na triste sociedade
carcomida,
Maria Firmina mira o presente
e ilumina,
com letras pensantes e candentes,
o futuro,
vez ou outra inzoneiro,
dando norte aos navegantes
e aos prisioneiros
de seu tempo e doravante.

Guiada pelo amor,
por ele apenas,
arrostou tantos problemas,
expôs mazelas
e agudos dilemas.
Seguiu avante!
Mesmo com sequelas…

“Oh! A mente!
Isso sim ninguém a pode escravizar!”
Da liberdade amantes,
jamais a deixaremos
novamente tombar.

Maria Firmina,
veraz patronesse da causa abolicionista,
esse é o seu título,
a minha premissa!
Essa foi a sua sina…
Um viva à heroína.
Um viva às mulheres negras
de todos os cantos,
de toda a América Latina.

Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.

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