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Miroslav Milovic: Aviso antifascista para 7 setembro

Miroslav Milovic: Aviso antifascista para 7 setembro

Por Rose Dayanne[1]

Éramos esperados na terra para salvar do esquecimento os vencidos, mas também para continuar e, se possível, concluir seu combate emancipador.”[2] Esse é o convite de otimismo para o 7 de Setembro que se aproxima. Para cada um que pretende participar do Grito dos Excluídos, nas ruas, nas redes e nas janelas de suas casas. Precisamos de solidariedade e coragem para enfrentar o perigo anunciado. O professor Miroslav Milovic saudava “a todos que não desistiram e que despertam ainda o entusiasmo.”[3] No texto publicado ano passado “O vírus do capitalismo”[4], o filósofo sérvio-brasileiro rememorou o lema antifascista dos partisans iugoslavos “Morte ao fascismo. Liberdade ao povo”. Esta mensagem nunca foi tão atual para o Brasil. Questionado por criticar com veemência o atual Presidente nas aulas, Miroslav Milovic respondeu: “o dia que não puder mais criticar este Governo ou qualquer outro, não serei professor.” A resistência e a crítica devem permanecer viva em nós. Essa é a grande herança que ele nos deixou. A ameaça à democracia existe, tem voz, admiradores e patrocinadores. Estejamos atentos a este 7 de Setembro. Certamente, não temos o que comemorar. Nossos entes queridos estão mortos, há miséria social por toda parte, degradação ambiental e retrocesso econômico. A nossa tristeza, porém, alimenta a luta por justiça. Nós temos um papel importante, como dizia o filósofo Walter Benjamin, vítima do fascismo europeu, nem os vivos nem os mortos “estarão em segurança se o inimigo vencer.”[5]

Na manifestação de 29 de maio contra Bolsonaro, um cartaz trazia a mensagem: “Um minuto de silêncio para cada morto igual a 8 anos de silêncio”. O luto é um processo doloroso, que poderia ser melhor vivenciado em silêncio. No entanto, apesar da “dor de existir” e do sentimento de “castração”, a morte do ponto de vista de quem fica impõe uma responsabilidade, Derrida chama de responsabilidade do sobrevivente. Perder um familiar, um companheiro, o amor da sua vida, se mostra como o fim do mundo. Mas “o sobrevivente, o que permanece só, em um mundo fora do mundo, sente-se responsável por levar o outro e seu mundo, o outro e o mundo desaparecidos.”[6] No Brasil, o luto tornou-se coletivo: são mais de 580 mil mortos por Covid-19.

As investigações realizadas pela CPI tornaram transparente a relação de causa e efeito entre o discurso negacionista e o número de mortes. Em entrevista a jornalista Rosa Sarkis, em setembro de 2020, Miroslav apontou os perigos da vida exposta à morte na pandemia, mas também ressaltou a necessidade de resistência. De que adiante a modernidade enfatizar que somos livres se nos sentimos impotentes para mudar os problemas a nossa volta? Miroslav apresentou a seguinte diagnose da modernidade: “O mundo moderno é o mundo sem a política, o mundo da economia e das condições da sobrevivência. Nós somos testemunhas dessa herança.”[7] Essa reflexão é impactante, sobretudo após o falecimento do autor, pois pode ser lida como o prenuncio das razões que o levaram a morte. Basta lembrar que o Presidente do Brasil adotou como discurso oficial a defesa da economia em detrimento da vida no decorrer da pandemia da Covid-19.

No entanto, foi incompetente em ambas as esferas: na saúde e na economia. Miroslav indagava se fazia sentido chamar de racional um mundo com tanta miséria social. Poderíamos também perguntar qual a força da democracia quando o Chefe de Estado se identifica com típicos elementos fascistas e convida a população a participar de atos antidemocráticos. O historiador Thompson teve seu irmão executado pelos fascistas, em 1944, e ressaltava que na Europa o fascismo foi derrotado militarmente, mas nem por isso foi apagado das mentes dos homens e mulheres.[8] Na história do Brasil, o que ocorreu com os fascistas? O livro Fascismo à Brasileira é um bom resumo para compreender as bases do fascismo no país. Ele demonstra que “a Ação Integralista Brasileira (AIB), foi o maior movimento fascista do mundo fora da Europa entre os anos de 1920 e 1940. Foi também, o maior movimento popular de direita da nossa história – ao menos até o surgimento de Jair Bolsonaro.”[9] Na década de 1930, havia mais de 1 milhão de brasileiros filiados ao partido fascista.

O Brasil, portanto, tem raízes fascistas no passado e no presente. A pergunta que precisa ser feita é: como derrotar o fascismo no Brasil? No filme Torre das Donzelas, Dilma Rousseff afirma que a vitória da ditadura foi o seu silenciamento. O fascismo no Brasil não foi derrotado, ele foi silenciado, por isso ele ressurgiu com toda força na figura esdrúxula de Bolsonaro. O Grito dos Excluídos é um convite contra este silêncio histórico. Que possamos fazer muito barulho no 7 de setembro. Por nós e por aqueles que já não podem falar. O amor é também uma feição política, pois “no amor, o sujeito procura abordar o “ser do outro”. No amor é que o sujeito vai além dele mesmo, além do narcisismo.”[10] Que este 7 de setembro marque a derrota do ódio e a vitória do amor. Defender a democracia é tarefa de todos nós.

Miroslav Milovic, presente!


[1] Doutora em Direito na Università Degli Studi di Roma Tor Vergata, Itália. Mestra em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisadora do GTeia/ CNPQ. Advogada.

[2] LÖWY, Michael. Aviso de Incêndio: uma Leitura das Teses Sobre o Conceito de História. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005, p 53.

[3] MILOVIC, Miroslav. Comunidade da diferença. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Ijuí, RS: Unijuí, 2004, p. 9.

[4] Disponível:  https://www.prerro.com.br/o-virus-do-capitalismo/

[5] BENJAMIN, W. Sobre o conceito da História. In: Benjamin W. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

[6] CRAGNOLINI, Mónica. “adieu, adieu, remember me: derrida, a escritura e a morte”. In: DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar (org.) Espectros de Derrida. Rio de Janeiro: NAU Editora: Ed. PUC-Rio, 2008, p. 42.

[7] MILOVIC, Miroslav. A condição humana na modernidade. Revista Cult, 2010. Disponível: https://revistacult.uol.com.br/home/a-condicao-humana-na-modernidade

[8] THOMPSON, E. E. P. Thompson: panfetário antifascistaTrad. João Ernani Furtado Filho. Fortaleza: Plebeu Gabinete de Leitura, 2019, p. 23.

[9] DORIA, Pedro. Fascismo a brasileira. São Paulo: Planeta, 2020, p. 9.

[10] BADIOU, Alain. Elogio ao amor. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 18.

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