Por Sérgio Rodas
Juiz não pode participar das negociações de acordo de colaboração premiada. Contudo, mensagens trocadas por integrantes da força-tarefa da “lava jato” no Paraná indicam que Sergio Moro, ex-juiz da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, tinha interesse na celebração de certos acordos, como o do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro e o do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antônio Palocci.
A conversa consta de um documento enviado pela defesa do petista nesta segunda-feira (8/2) ao ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal. O diálogo faz parte do material apreendido pela Polícia Federal no curso da chamada operação “spoofing”, que mira hackers responsáveis por invadir celulares de autoridades.
Em 3 de maio de 2018, o chefe da força-tarefa da “lava jato”, Deltan Dallagnol, afirma em grupo de mensagens que é preciso conversar com Moro sobre eventual acordo de delação com Palocci — que acabou sendo fechado pela Polícia Federal, e não pelo Ministério Público Federal. “Após analisarmos Palocci, temos que falar pro Moro, que não vai querer a pena aliviada num caso dele sem justificativa e tem ponte com TRF”.
A ConJur manteve as abreviações e eventuais erros de digitação e ortografia presentes nas mensagens.
Um procurador não identificado responde: “Ele [Moro] me disse que você [Dallagnol] desconversou a respeito”. E prossegue: “Segundo a Laura [Tessler, procuradora], o Moro quer um acordo com o Palocci pela mesma razão do Leo Pinheiro”.
De acordo com a defesa do ex-presidente Lula, Sergio Moro usou a delação de Léo Pinheiro para condenar o petista de forma “ilegítima e ilegal” no caso do tríplex no Guarujá. Moro condenou o petista a nove anos e seis meses de reclusão. A pena foi aumentada pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região para 12 anos e um mês de prisão. Posteriormente, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reduziu a penalidade para oito anos e dez meses.
Em 30 de agosto de 2018, um procurador não identificado repassa ao grupo pergunta de Moro sobre a delação de Léo Pinheiro. “Ola, evoluiu o acordo do Leo Pinheiro? PGR esta andando com isso? Russo [Sergio Moro] perguntando”.
No dia seguinte, o procurador Athayde Ribeiro Costa repassa aos colegas atualização de “CF”, possivelmente Carlos Fernando dos Santos Lima, sobre o acordo do ex-presidente da OAS. “Fala Athayde. sim, evoluiu. descobrimos que Leo Pinheiro fez doações em valores milionários pra 4 colaboradores daquele grupo de 8 já homologado. uma das doações via esposa. Weletr e Jerusa já foram avisados. inclusive estamos checando agora os oito. Leo Pinheiro foi notificado pra esclarecer esse ponto. se for superado, não haverá mais obstáculo”.
Outros procuradores opinam sobre o que falta para celebrar o termo de colaboração premiada, e um não identificado pede: “Repassem a informação sobre o Leo para o Moro”.
O artigo 4, parágrafo 6º, da Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), proíbe o juiz de participar das negociações para a celebração de acordo de colaboração premiada. As tratativas devem se dar entre o Ministério Público ou o delegado de polícia e o investigado ou acusado e seu defensor.
Uma vez finalizada a delação, o acordo é enviado para o juiz, que decidirá sobre a sua homologação. Para isso, irá analisar a regularidade e legalidade; a adequação dos benefícios às previsões do caput e dos parágrafos 4º e 5º do artigo 4º da Lei das Organizações Criminosas (respectivamente, perdão judicial, redução de até dois terços da pena privativa de liberdade ou substituição por restritiva de direitos; não oferecimento de denúncia pelo MP — se o crime for desconhecido e o colaborador for o primeiro a noticiá-lo e não for líder de organização criminosa; e, em caso de delação após a sentença, redução da pena até a metade ou progressão de regime, ainda que ausentes os requisitos objetivos).
Além disso, o julgador deve examinar se a delação ajuda na identificação de outros crimes e seus autores, na revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa, na prevenção de delitos, na recuperação de valores e na localização de eventual vítima, com a sua integridade física preservada; e a voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares, como prisão preventiva.
O juiz pode recusar a homologação do acordo que não atender aos requisitos legais. Nesse caso, pode devolvê-lo às partes, para que façam as adequações necessárias.
Orientações de Moro
Como ficou demonstrado em outras mensagens, Sergio Moro orientava os procuradores sobre as ações a serem tomadas na “lava jato”. Em 4 de julho de 2018, um procurador transmite uma recomendação do então juiz aos integrantes do MPF Antônio Carlos Welter e Laura Tessler. “O Russo sugere a operação no início de agosto em virtude da assunção de um novo presidente do STF [ministro Dias Toffoli] durante as férias”. “Se ele quer assim, não me oponho”, responde Laura.
No mês seguinte, uma mensagem de Moro é repassada ao grupo. “Esqueci de uma coisa. Na acao penal de Pasadena, um dos acusados eh o representante da Astra Oil que teria pago propina, o Alberto Feilhaber, norte-americano e residente no US. Chegaram a avaliar a possibilidade de transferencia de informação ou processo so US?”, questiona o então juiz. Laura Tessler diz que eles não chegaram a avaliar a medida e diz que podem discuti-la. “Falei com o russo da estratégia de propor a denúncia antes da operação. Não houve discordância. Vai redigindo”, informa o procurador Diogo Castor de Mattos.
Ele pergunta aos colegas, em 16 de setembro, se não é melhor adiar a “operação do pedágio” para depois das eleições, que ocorreriam em outubro. Questionado por quê, Mattos aponta que “certamente eles recorrerão ao gm [ministro do STF Gilmar Mendes] e acabarão com toda a operação em menos de uma semana”. “Foi o russo que sugeriu?”, pergunta um procurador. “Foi”, responde Mattos.
Irritados com suas decisões, os procuradores da “lava jato” articularam investidas contra Gilmar Mendes.
Em agosto de 2019, o El País, em parceria com o The Intercept Brasil, revelou outro episódio envolvendo investidas contra Gilmar. A reportagem divulgou conversas em que os integrantes do MPF no Paraná planejaram usar a investigação contra Paulo Preto para tentar emparedar o ministro do Supremo.
Dallagnol sugeriu pedir que autoridades da Suíça procurassem menções específicas ao nome do ministro para saber se havia relação entre ele e Paulo Preto.
As conversas também revelam que a “lava jato” em Curitiba cogitou pedir o impeachment de Gilmar ao Senado. Desistiram quando a procuradora Laura Tessler disse ter ficado sabendo que o advogado Modesto Carvalhosa protocolaria uma solicitação dessa natureza.
Procuradores da República que oficiam em primeiro grau não podem investigar ministros do Supremo. Roberson Pozzobon tentou ser a voz da razão, mas também sugeriu ignorar a competência do MPF. “Acho que temos que confirmar minimamente isso antes de passar pra alguém investigar mais a fundo, Delta”.
Outra reportagem, dessa vez publicada pelo UOL, também em parceria com o Intercept, revelou que Dallagnol articulou com o partido Rede Sustentabilidade para que uma ação fosse ajuizada contra Gilmar.
De acordo com as conversas, a “lava jato” queria manter o ministro do STF longe de julgamentos envolvendo a “operação”. A iniciativa começou depois que Gilmar determinou a soltura de Beto Richa (PSDB), ex-governador do Paraná.
Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.
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