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Somos todos João Pedro

Todos somos João Pedro

João Pedro Mattos Pinto, 14 anos, foi brutalmente assassinado por policiais dentro de casa, brincando em família. De novo, tiros atravessaram paredes e atingiram mais um inocente? Não, policiais invadiram a residência atirando. Onde no mundo se age assim? Qual gatilho mental dispara essa insanidade homicida? Que cálculo justificaria invadir uma casa, atirando? Alguém com um mínimo de bom senso, um mínimo de equilíbrio, poderia admitir uma ação assim covarde, tão absolutamente perversa? Não se trata de policiais individualmente perturbados ou desqualificados. Se fossem casos patológicos, os episódios dantescos não se repetiriam com tanta frequência. Eles seguem um padrão. Ano passado, 1810 pessoas foram mortas por ações policiais no estado do Rio. Em 2020, os números continuam a aumentar. Vejam onde eles sempre acontecem. Vejam a cor das vítimas, onde elas moram. Estamos diante de uma guerra aos negros e aos pobres, um banho de sangue, crescente ao longo dos anos, aprofundando desigualdades e o racismo estrutural que marca, historicamente, nossa sociedade. A violência do Estado não se esgota na brutalidade policial letal. O encarceramento em massa é outra de suas manifestações, cujo viés de cor e classe é ostensivo.

Nada disso é novo, no Brasil, mas é inegável que um governo federal que defende a exclusão de ilicitude, revela-se íntimo de milicianos e homenageia torturadores, por suas ações e omissões autoriza e estimula a barbárie perpetrada pelo Estado, em todo o país.

Na medida em que a hostilidade do governo ao Estado democrático de direito vai se intensificando, segmentos das instituições e da sociedade sentem-se encorajados a agir na mesma direção. Sobretudo quando governadores de Estado endossam os discursos belicistas e as práticas policiais violentas, na ponta. É o caso do Rio de Janeiro, onde o desrespeito aos direitos humanos se tornou rotina, chancelada pela postura oficial.

Se lideranças políticas e agentes da Justiça criminal tantas vezes revelaram-se insensíveis à supressão, na prática, do Estado de direito em favelas, comunidades e periferias, na atual conjuntura sua indiferença não pode mais ser subestimada como simples negligência e tem de ser definida, sem meias palavras, como cumplicidade com um projeto de poder que visa corroer a legalidade constitucional e provocar o caos, abrindo passagem à imposição de medidas de força.

Por isso, as crianças e jovens das favelas e suas famílias não deveriam permanecer mais sozinhos na linha de fogo, sob risco premente. Todos nós, cidadãs e cidadãos democratas brasileiros, estamos sob ameaça. Hoje, todos somos João Pedro, não apenas pela solidariedade que devemos à sua memória e à dor de sua família, extensiva a tantas outras vítimas e suas famílias, mas porque a leniência com a impunidade que tem beneficiado agentes do Estado caso se repita assumiria, nesse momento, significado político e sentido histórico, os quais a rigor sempre existiram mas não eram percebidos, porque o racismo estrutural ocultava a verdade crua da barbárie.

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