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Nota técnica do IBCCrim: Direito Processual Penal Eleitoral

Nota técnica do IBCCrim: Direito Processual Penal Eleitoral

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, vem respeitosamente apresentar Nota Técnica sobre direito processual penal eleitoral a fim de subsidiar as discussões sobre um novo Código Eleitoral no Brasil.

Atualmente o processo penal eleitoral, incluindo a parte investigativa dos crimes eleitorais, é regulado por vários diplomas, a saber: Código Eleitoral (arts. 356 a 364) e Resolução nº 23.396/2013 do Tribunal Superior Eleitoral, Lei das Eleições nº 9.504/97, além da aplicação subsidiária do Código de Processo Penal e legislação especial esparsa (Leis números 9.099/95, 12.850/13, por exemplo). Isto também sem desconsiderar a aplicação da Lei nº 8.038/90 para as condutas imputadas aos detentores de prerrogativa de foro por exercício de função pública, nas hipóteses estabelecidas atualmente pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal nº 937 (crimes cometidos durante o mandato e em razão do seu exercício).

Como afirma Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, “a relação entre as normas processuais penais eleitorais e o Código de Processo Penal é conflituosa”, uma vez que as disposições mais antigas do Código Eleitoral não acompanharam as modificações modernizadoras do CPP, “ensejando vivos debates sobre a aplicação ou não da inovação ao ambiente eleitoral”1.

Exemplo disto é o momento para a realização do interrogatório judicial. O Código Eleitoral estabelece que o “depoimento pessoal do acusado” (termos do art. 359, CE) deve ser o primeiro ato processual, logo após o recebimento da denúncia. Apesar de mais antigo que o Código Eleitoral, o Código de Processo Penal sofreu significativas alterações em 2008 no tocante, dentre outras matérias, ao procedimento comum ordinário e sumário, estabelecendo-se que o interrogatório do acusado deve ser o último ato processual em razão da sua natureza jurídica como ato de defesa, em atendimento às disposições constitucionais da ampla defesa e contraditório.

Apesar do Código Eleitoral estabelecer um procedimento especial para processamento e julgamento das ações penais dos crimes eleitorais e conexos, tais modificações no CPP tiveram o objeto de adequar o texto legal ao comando constitucional, razão pela qual se iniciou – tal como em relação à Lei nº 8.038/90 que também prevê um procedimento especial – movimento para aplicação do novo regramento sobre o interrogatório também perante a Justiça Eleitoral.

A questão foi debatida perante o Tribunal Superior Eleitoral que dispôs que a Lei nº 11.719/2008, que alterou o CPP, “não só conduziu o interrogatório do acusado ao último ato da instrução processual, como também inseriu no ordenamento jurídico do rito comum a figura da resposta preliminar à acusação, a qual pode ensejar uma absolvição sumária do acusado, sendo inegável que o procedimento por ela disciplinado é mais benéfico à defesa do que aquele elencado no vetusto Código Eleitoral” (TSE – HC 84.946/PR – rel. Min. Henrique Neves – rel. designado Min. Dias Toffoli – j. 16/05/2013).

O debate jurisprudencial ensejou a disciplina pela Resolução nº 23.396/2013 do Tribunal Superior Eleitoral, que estabelece regramento também para o processamento e julgamento das ações penais dos crimes eleitorais. Em que pese as disposições do Código Eleitoral estabelecendo o procedimento especial, o art. 13 da Resolução mencionada dispõe que a “ação penal eleitoral observará os procedimentos previstos no Código Eleitoral, com a aplicação obrigatória dos artigos 395, 396, 396-A, 397 e 400 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.971, de 2008”. Em síntese, a Resolução nº 23.396/2013 aplica o Código de Processo Penal, na parte mais garantista do processamento das ações penais, ao processo penal eleitoral. A providência é salutar, justamente porque o objetivo é o atendimento pleno às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, no entanto, acaba tornando o processo penal eleitoral um enorme recorte de procedimentos, causando muitas vezes confusão aos operadores envolvidos ou mesmo debate jurisprudencial sobre qual procedimento deve ser observado.

Mesmo com o precedente de 2013 do TSE citado acima e a Resolução nº 23.396/13, com a disciplina expressa sobre a matéria, a questão continuou a ser debatida perante os Tribunais, justamente porque a mesclagem de procedimentos (parte do Código Eleitoral e parte do CPP para o mesmo momento processual) causa confusão. Tanto que anos depois, o TSE voltou a indicar a necessidade de aplicação do CPP ao processo penal eleitoral por ser uma norma mais benéfica (TSE – Recurso Especial Eleitoral 1-30/SP – rel. Min. designada Maria Thereza Rocha de Assis Moura – j. 08/09/2015).

Justifica-se, com isto, que não há razão para a existência de um procedimento especial que, por meio de uma Resolução de um Tribunal Superior, remete ao Código de Processo Penal parte do procedimento para processamento e julgamento de ações penais. Por outro lado, é bem verdade que o Código Eleitoral e a Resolução nº 23396/2013 já estabelecem a utilização do Código de Processo Penal de maneira subsidiária ou supletiva. Mas, como dito, não há razão para a existência de um procedimento especial para os crimes eleitorais – e conexos, consequentemente – que, em verdade, é uma remissão ao Código de Processo Penal. Como afirma Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, com razão, “é por essa razão que, a exemplo do que pensamos em relação à legislação eleitoral penal, adequado seria promover uma unificação ou recodificação da lei processual penal, incluindo, num renovado CPP, toda a matéria de investigação, processo, condenação e cumprimento da pena”2.

Com isto, é salutar considerar que o processo penal eleitoral seja regido por uma legislação unificada, sem excluir a possibilidade de incidência de legislação processual esparsa para temas específicos, como colaboração premiada e captação ambiental (Lei nº 12.850/13), interceptação telefônica (Lei nº 9.296/96), aplicação de transação penal e suspensão condicional do processo (Lei nº 9.099/95), por exemplo.

É verdade que o Código de Processo Penal data de 1941 e está em tramitação no Congresso Nacional um projeto para sua reforma integral. No entanto, a remissão do processo penal eleitoral, em novo Código Eleitoral, ao Código de Processo Penal é medida a ser considerada neste momento, evitando-se, por exemplo, a necessidade de (i) repetição em lei especial de todas as disposições sobre investigação contidas no CPP e nas leis especiais possíveis de aplicação; (ii) repetição em lei especial de todas as disposições sobre processamento das ações penais contidas no CPP, tal como resposta preliminar à acusação, requisitos da denúncia, hipóteses de rejeição da acusação ou absolvição sumária, exigência quanto à motivação das decisões judiciais, regras quanto às medidas cautelares, contagem de prazos, efeitos dos recursos, dentre outras matérias; (iii) debate e discussão sobre o juiz de garantias para os casos de crimes eleitorais, questão recentemente aprovada pelo Congresso Nacional e suspensa pelo Poder Judiciário; (iv) revisão do procedimento especial caso haja aprovação de novas leis processuais que alterem o CPP de forma a alargar a incidência das garantias constitucionais; (v) diferenciações desarrazoadas quanto aos prazos de interposição de recursos, como ocorre atualmente.

A melhor solução, ao nosso ver, é não estabelecer procedimento especial para os crimes eleitorais, especialmente após o Supremo Tribunal Federal ter decidido no AgReg no INQ 4435 quanto a competência da Justiça Eleitoral para o processamento e julgamento dos crimes conexos aos eleitorais. Não há razão para estabelecer prazos diferenciados para resposta preliminar à acusação, alegações finais e recursos para os crimes eleitorais. A duração razoável do processo é garantia constitucional que abrange todo o Poder Judiciário. Mas a celeridade processual e o encurtamento dos prazos processuais no processo penal também não podem representar uma ofensa à ampla defesa no sentido de tempo razoável para a elaboração da defesa técnica, questão muito importante especialmente após o reconhecimento da competência da Justiça Eleitoral para julgamento de casos complexos. É, no mínimo, temerário misturar sistemas recursais e diminuir a via impugnativa do acusado. Por esta razão, importante que as hipóteses e prazos recursais já previstos para os crimes comuns, regidos pelo CPP, sejam também aplicáveis aos crimes eleitorais, inclusive em relação ao recurso especial e respectivo agravo).

Com a revogação parcial da Lei nº 8.038/1990, os recursos especial e extraordinário na seara penal passaram a ser disciplinados pelo Código de Processo Civil de 2015, disciplina que deve ser estendida também para os crimes eleitorais. O prazo de 3 (três) dias para a interposição de recurso especial, como acontece nos dias atuais, por força de disposição do art. 276, § 1º do Código Eleitoral, é muito exíguo e impede o pleno exercício da ampla defesa e contraditório, especialmente após o reconhecimento da competência da Justiça Eleitoral para o processamento e julgamento dos crimes conexos, muitas vezes em processos volumosos e complexos.

Ademais, merece revisão o entendimento jurisprudencial sobre o cabimento de recurso extraordinário contra as decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais, permitindo-se tal como ocorre em relação ao recurso especial. A Constituição Federal, na parte que trata da competência da Justiça Eleitoral e recursos cabíveis, estabelece que as decisões do TSE são irrecorríveis, salvo em algumas situações (art. 121, § 3º). No entanto, o art. 102, inciso III, da Constituição Federal estabelece que cabe ao Supremo Tribunal Federal “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida” contrariar dispositivo desta Constituição. É fácil notar que, diferentemente do que ocorre com art. 105, inciso III, da Constituição Federal, o art. 102, inciso III, não elenca os tribunais que ensejam o cabimento de recurso. Assim, não há óbice constitucional para o cabimento de recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal nas causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Eleitorais.

Algumas sugestões iniciais de disposições legais:

Art. . Aplicam-se aos crimes previstos nesta lei e aos comuns que lhes forem conexos as disposições do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), além da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996 e do Capítulo II da Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013.

Art. . Aplicam-se aos crimes previstos nesta lei e aos comuns que lhes forem conexos o procedimento sumaríssimo previsto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para as infrações penais de menor potencial ofensivo nos termos daquela lei.

Art. . Aplicam-se aos crimes previstos nesta lei e aos comuns que lhes forem conexos as disposições dos artigos 76 e 89 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, desde que preenchidos os requisitos legais.

Art. . O recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal , e o respectivo agravo contra a decisão que o inadmitir, será interposto perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, endereçado ao Tribunal Superior Eleitoral, na forma e prazo estabelecidos na Lei nº 13105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

Art. . O recurso extraordinário, nos casos previstos na Constituição Federal , e o respectivo agravo contra a decisão que o inadmitir, será interposto perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, endereçado ao Supremo Tribunal Federal, na forma e prazo estabelecidos na Lei nº 13105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

Art. . O processamento dos recursos especial e extraordinário obedecerá o disposto na Lei nº 13105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

Art. . Aplicam-se aos crimes previstos nesta lei e aos comuns que lhes forem conexos as disposições sobre recursos especial e extraordinário repetitivos, incidente de resolução de demandas repetitivas e incidente de assunção de competência previstos na Lei nº 13105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

Este é o nosso parecer, sem prejuízo de apresentação de novas sugestões no curso da tramitação legislativa.

Apresentamos protestos de elevada estima e consideração, colocando-nos à disposição para maiores esclarecimentos.

Atenciosamente,

Marina Pinhão Coelho Araújo, Alberto Zacharias Toron, Danyelle da Silva Galvão e Carolina Costa Ferreira.

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