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Novas perspectivas da Lei Maria da Penha: violência psicológica como lesão psíquica

Por Izabella Borges

Em tempos de coronavírus, destacam-se nas estatísticas criminais os casos de violência doméstica. Trata-se de um problema transgeracional, enraizado em nossa cultura.

Para que se evite o indesejável reducionismo desse complexo fenômeno que grassa em todas as camadas de nosso tecido social, deve-se deixar bem vincado que o estudo completo desse tema é interdisciplinar, e seu alcance o impõe como problema de saúde pública.

Não há, portanto, como se investigar as causas e as consequências dessa mazela nacional, bem assim as melhores medidas para combatê-la, sem considerar aspectos ligados à psicologia, psicanálise, sociologia, medicina, história, filosofia e direito, ciências que dialogam, contribuem e se entrelaçam na elucidação do tema.

Dito isso, sob o aspecto jurídico, a principal ferramenta de combate à violência doméstica é a Lei n. 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem à vítima que inspirou esse diploma legislativo tão importante para a proteção da mulher.

Nossa contribuição nesse artigo é explorar uma das faces mais perversas da violência doméstica, que é a de cunho psicológico, também conceituada na Lei Maria da Penha mas, até aqui, pouco identificada e combatida, panorama que felizmente começa a se alterar.

Nos termos da lei, a violência psicológica se traduz em qualquer ato perpetrado pelo agressor com o fim de controlar comportamentos, crenças e decisões da mulher, causando prejuízo à sua higidez psíquica, sua autoestima e autodeterminação, ainda que não cumulados.

Muito embora haja quem cogite a hipótese da Lei 11.340/06 ter criminalizado a “violência psicológica”, é forçoso reconhecer a impossibilidade de se conjecturar a existência de tipo penal sem pena correspondente, mas enquanto isso não for objeto de lei específica, é forte a tendência de transposição do conceito e sua harmonização à lume de outros tipos penais preexistentes.

Descartada a possibilidade de reconhecer o conceito de “violência psicológica” como delito sem pena, cai por terra a hipótese de concessão da denominada “medida protetiva” no âmbito da Justiça Criminal, haja vista o caráter acessório e nunca finalístico das cautelares criminais.

Se considerarmos os casos nos quais a conduta do agressor não se adequa aos crimes contra à honra e ameaça, a mulher que sofre violência menos óbvia e mais sutil fica desprotegida frente aos ataques cada vez mais constantes e sofisticados.

Para a proteção integral dessa mulher, a melhor solução é considerar o conceito de violência psicológica trazido pela Lei Maria da Penha como lesão corporal à saúde da vítima.

Isto porque o caput do artigo 129 do Código Penal dispõe que “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem” são espécies de lesão contra à pessoa, nas quais se incluem alterações de ordem psíquica.

Mesmo nos idos de 1940, a Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal já preceituava que “o crime de lesão corporal é definido como ofensa à integridade corporal ou saúde, isto é, como todo e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental”. Seria retrocesso inexplicável cogitar o contrário se o adoecimento psíquico é pauta inerente à sociedade contemporânea.

Ressalvas devem ser feitas quanto à necessidade de apuração do nexo causal entre a conduta do agente e a materialidade do delito no bojo da investigação penal, ou seja, para se cogitar a instauração de ação penal, deve haver indícios de ligação entre os sintomas da vítima e a conduta do autor.

Para tanto, é essencial que o exame de corpo de delito apure a existência do liame entre os elementos objetivo e subjetivo do tipo, sendo possível que a vítima produza sua própria perícia criminal a corroborar a pública, que poderá ser submetida ao exame de corpo de delito indireto para aprofundar as investigações.

Deverá a perícia criminal esclarecer se, nos casos em que a mulher apresentava histórico de doenças de ordem psíquica preexistentes à conduta, teria o autor piorado em algum grau o que antes poderia se manifestar com sintomas mais brandos ou controlados.

Nos parece claro, e a prática assim tem demonstrado, que para fins de concessão da medida cautelar que a Lei 11.340/06 convencionou chamar de “medida protetiva de urgência”, o requerimento da vítima acompanhado de relatório de atendimento psicológico ou psiquiátrico que indique uma hipótese de CID (classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde), é suficiente para satisfazer o periculum damnun irreparabile e o fumus boni juris necessários para a concessão da ordem, sobretudo por ser pacífico no Superior Tribunal de Justiça que a palavra da vítima, especialmente quando acompanhada de documentos verossímeis, tem especial relevância, haja vista a comum ausência de testemunhas dos fatos.

Em tempos tão difíceis de reclusão imposta pela quarentena, em que os níveis de violência doméstica aumentam a olhos vistos, é imprescindível que recaia sobre a vítima de violência doméstica o atento olhar dos operadores do direito, para garantir sua integridade física e mental, elementos indispensáveis à dignidade humana.

Artigo publicado originalmente Consultor Jurídico.

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