Por Manuel Goucha Soares / Foto: Antônio Pedro Ferreira
O decano dos 11 juízes que compõem o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro tem 67 anos e foi nomeado pelo
ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso em 2002. Entre 2008 e 2010, Gilmar Mendes presidiu ao STF, órgão judicial
que é quase um ator político, porque, diz Mendes, “é um tribunal que tem funções de um Tribunal Superior, e um Tribunal Constitucional com competências talvez bem mais amplas do que as do português”. Ao mesmo tempo, alerta, “é suscetível de ser provocado por muitos órgãos e entidades políticas ou sociais”.
O ex-Presidente Jair Bolsonaro está nos Estados Unidos há mais de um mês. Saiu com visto de turista para não assistir à posse de Lula da Silva. Agora que perdeu a imunidade, pode ser condenado e preso?
O dado objetivo que temos é a prisão de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e secretário de Segurança do Distrito Federal [ausente do posto a 8 de janeiro, dia dos ataques de bolsonaristas aos poderes democráticos, em Brasília]. Nas buscas e apreensões em sua
casa, apareceu um documento que sugere um intuito de articulação, ainda que um tanto canhestra, de rutura institucional, de golpe de Estado. Terá de ser discutido, e a quebra de sigilo pode indicar maior responsabilidade política ou penal de Bolsonaro. No Tribunal
Superior Eleitoral também há processos de abuso de poder contra o ex-Presidente, que podem resultar na sua inelegibilidade. Temos de aguardar os desdobramentos das investigações, que prosseguem.
Quanto tempo podem demorar?
Algumas estão bem avançadas. Certamente haverá quebra do sigilo das comunicações e, portanto, mais informações.
Vão solicitar a extradição de Jair Bolsonaro?
Depende do desenvolvimento do processo. Por agora, o que existe é um pedido de investigação relativo a ele, por parte da
Procuradoria-Geral da República. Decerto não vislumbrou segurança para voltar ao Brasil, tanto que está estendendo a sua permanência [nos EUA].
Passou menos de um mês sobre o ataque em Brasília e a vandalização das sedes dos três poderes da democracia. Houve destruição de obras de arte. Pode repetir-se um cenário deste tipo?
Já vínhamos avisando desse perigo. Temíamos que depois das manifestações de 7 de setembro, em 2021 e em 2022, houvesse este tipo de desdobramento. Infelizmente ocorreu, mas não tivemos vítimas. Só os prédios das instituições foram extremamente danificados.
A posse de Lula da Silva correu bem. Isso contribuiu para induzir um clima de excesso de tolerância em relação à segurança? Ou foi negligência?
Acho que houve excesso de tolerância com o facto de pessoas se manifestarem perante os quartéis e pedirem uma intervenção militar, o que tem de ser tido como anómalo. Esse movimento durou mais de 60 dias, praticamente desde as eleições [a 30 de outubro], houve tentativas de esvaziamento desse grupo. Este registo tem de se fazer. Talvez tenha havido um certo relaxamento depois da posse, mas já tínhamos tido uma advertência no dia 12 de dezembro, em que houve dez carros queimados no centro de Brasília, e manifestações com vandalismo. A polícia prendeu os responsáveis, incluindo um líder, um indígena que foi levado para um prédio da Polícia Federal ali no centro, e houve tentativa de invasão desse prédio. Há coisas que não ficaram bem explicadas.
Sérgio Moro é singular, um combatente da corrupção que gosta muito de dinheiro não acredito que haja envolvimento das forças armadas nos ataques de 8 de janeiro
A base das Forças Armadas está do lado da democracia e da legalidade?
Ao que tudo indica — inclusive pelos episódios ocorridos no Palácio do Planalto, sede do Governo federal —, houve um ou outro militar que participou, tolerou ou admitiu este episódio. O próprio Presidente fez censuras em relação a isso. Mas não acredito que haja envolvimento das Forças Armadas nos ataques de 8 de janeiro.
Está afastado o cenário de golpe militar?
Não creio que tenha sido cogitado. Embora seja muito provável que o entorno do ex-Presidente, e o próprio, tenha flirtado com a ideia. É
fundamental destacar que a democracia tem grande apoio da sociedade brasileira. Não há nenhum elemento que justificasse esse tipo de devaneio.
Estes movimentos desordeiros têm ideologia? Existe uma conspiração da extrema-direita internacional, ou é gente que obedece às ordens dos caciques?
Tenho impressão de que há alguma mistura. Demorámos muito a avaliar a eleição de Bolsonaro, que usou de forma muito especial as redes sociais. Muitos cogitam se terá tido ajuda de sectores da alt–right internacional. Claro que também encontrou um caldo de cultura no ambiente nacional, o movimento anti-Partido dos Trabalhadores [de Lula] encontrou aqui um desaguadouro.
Que vai acontecer a Sérgio Moro, o ex-juiz que a Opera ção Lava Jato projetou para o Governo de Bolsonaro?
Tentará sobreviver no Congresso Nacional com o discurso anticorrupção. Moro está a responder num processo, inclusive na Justiça Eleitoral, ligado ao financiamento da campanha. No Brasil, produzimos uma situação muito singular de ter um combatente da corrupção, que gosta muito de dinheiro, que facilita a vida de uma empresa americana e depois se emprega nessa empresa, a Alvarez&Marsal. É
uma situação singular. Mas o Brasil também tem a capacidade de se reinventar, e acho que se reinventou. Conseguimos fazer uma mudança significativa, uma transição pacífica, com as turbulências que estamos a vivenciar.
Acredita que não há risco de contaminação da turbulência e violência que se vive no Peru?
Creio que a situação tem peculiaridades próprias. Tem também que ver com uma instabilidade do próprio regime. No Brasil, pelo contrário, Lula venceu a eleição com uma frente ampla e notória.
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