Por Tânia Maria Saraiva de Oliveira
Contrastando com as concepções antigas, de acordo com as quais a política era a arte da boa governança da polis, temos dirigentes de nações com perfis tais na atual concepção democrática, que algumas qualidades se tornam um luxo que não se pode pagar.
“Não parece longe o dia em que a preservação falará mais alto para os marinheiros do barco do capitão Contrastando com as concepções antigas, de acordo com as quais a política era a arte da boa governança da polis, temos dirigentes de nações com perfis tais na atual concepção democrática, que algumas qualidades se tornam um luxo que não se pode pagar. “
O Brasil possui, provavelmente, o pior presidente do mundo, se somarmos sua limitação intelectual, seu grau de desinformação, sua falta de apreço à democracia e às instituições, a forma agressiva e estúpida com que trata adversários e a imprensa, seu desprezo por direitos de minorias, seu autoritarismo não disfarçado, sua arrogância e incapacidade de governar.
Na noite desta terça-feira (24), o discurso de Jair Bolsonaro na TV assombrou o país. Em idas e vindas na posição de enfrentamento ao coronavírus, Bolsonaro já chamou a pandemia de “fantasia da imprensa”, já deu entrevista de máscara pedindo às pessoas para não saírem às ruas, indo ele mesmo em seguida cumprimentar aliados, voltou a chamar de histeria e, por fim, pediu ao Congresso Nacional a decretação de estado de calamidade pública. Uma política estilo “biruta de aeroporto”.
Desta vez, copiando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que horas antes anunciou que deseja aliviar o isolamento causado pelo novo coronavírus naquele país, e reativar a economia em três semanas, Bolsonaro ocupou a cadeia nacional de rádio e televisão para pedir o fim do confinamento de pessoas, voltando a minimizar a gravidade do avanço do vírus no Brasil.
Comparando a covid-19 a uma “gripezinha” ou “resfriadinho”, Bolsonaro questionou a suspensão de aulas em escolas, pedindo a prefeitos e governadores que “abandonem o conceito de terra arrasada”, que revejam o fechamento do comércio e o isolamento.
No círculo vicioso em que muda de atitude e de discurso todo o tempo, Bolsonaro refuta, nesse último episódio, os dados da Organização Mundial da Saúde – OMS, os alertas de todos os cientistas e médicos do mundo, as ações adotadas por dirigentes em todos os países, e as recomendações de seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que tem alertado para os riscos da contaminação e para a adoção de medidas de contenção.
O Ministério da Saúde que, na última sexta-feira (20), reconheceu a transmissão comunitária da covid-19 em todo o país, havia atualizado os dados às 16 horas da mesma terça-feira (24) do discurso presidencial, dando conta de que 46 pessoas morreram no Brasil em decorrência da pandemia, e há 2.201 casos confirmados de contágio, reforçando que o distanciamento social é a medida para reduzir a velocidade de transmissão.
Mas Bolsonaro não fala sozinho. E quando ele repete Trump, como um papagaio de pirata, repisa aqui os mesmos interesses do outro lá, que, por sua vez, correspondem à fala em vídeo no Instagram do empresário Junior Durski, dono da rede de restaurantes Madero, declarando que “o Brasil não pode parar por conta de 5 ou 7 mil pessoas que morrerão”.
É a cobiça do empresariado ligado à direita ultraconservadora e ao liberalismo predatório onde, em nome do lucro, tudo pode ser relativizado e sacrificado, tudo é mercadoria, inclusive a saúde e a vida humana.
Difundidos como veneno social para seus seguidores e concentrados como ferramenta de dominação política, estão as teorias conspiratórias e os bodes expiatórios, segundo os quais, para o guru da família Bolsonaro, Olavo de Carvalho, e para o próprio presidente, os números da Itália são usados pela imprensa brasileira para criar medo, e nosso calor dará conta de extirpar o perigo.
O discurso ocorre na contextualização de encontrar responsáveis pelo temor disseminado na sociedade, como se não houvesse motivação real.
A construção dos bodes e das conspirações, usada sempre pelo bolsonarismo, é uma arma política que alimenta a divisão da sociedade, potencializando o tensionamento, que pode ser mote mais tarde de legitimação de medidas de exceção como matéria e instrumento de ação política.
É desnecessário reiterar a gravidade do momento histórico no nosso país. A crise não é apenas de saúde e econômica, é sobretudo política.
Há uma quase unanimidade na classe política, com exceção dos aliados mais fiéis – e ainda que muitos não se atrevam a declarar em público – da incapacidade de Jair Bolsonaro permanecer à frente da Presidência da República.
E é preciso reconhecer que ele tem se esforçado muito para que o número de descontentes aumente a cada dia. Obrigará, no caso presente, governadores e prefeitos alinhados a não seguirem sua orientação, diante da pressão de sua base.
Não parece longe o dia em que o sentimento de autopreservação falará mais alto para os marinheiros do barco do capitão. Sobretudo os que usam farda. E se o navio aparentar que vai afundar, ocorrerá, naturalmente, um “salve-se quem puder”, naquela linha própria: nós em primeiro lugar, os outros ao mar.
Artigo publicado originalmente no Brasil de Fato.
Deixe um comentário
Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *