Empresários, gestores de fundos de pensão estão a todo tempo sujeitos a serem acusados de algum comportamento omissivo, supõe-se que devam ter conhecimento de todos os fatos que aconteçam no ambiente da empresa.
Um dos problemas mais instigantes da ciência penal atual é como lidar com o comportamento omissivo. A relação causal entre a ação e o resultado ocorre no plano real e concreto. A omissão não. A omissão pertence ao terreno apenas da imaginação. O que poderia ter sido feito para evitar o resultado delitivo? Todos os seres vivos concorrem em tese para omissão de um fato naturalístico. A questão, portanto, é a quem responsabilizar. Como fazer este exercício de imputação sem gerar a ruptura da legalidade? Este é um dos dramas da moderna ciência penal, sobretudo em virtude daquilo que SCHUNEMANN chama de nova criminalidade.
Empresários, gestores de fundos de pensão estão a todo tempo sujeitos a serem acusados de algum comportamento omissivo, supõe-se que devam ter conhecimento de todos os fatos que aconteçam no ambiente da empresa. Por quais destas condutas devem ser responsabilizados?
O Código Penal oferece algumas saídas no artigo 13, par. 2º, ao estabelecer que responde por omissão aquele que poderia e deveria agir para evitar o resultado. São as tais posições de garante, que compreende dever de vigilância, cuidado e de proteção. Ou seja, só responde pela omissão aquele que deveria e poderia agir nestas circunstâncias. Ainda assim é vago. É desafio de o julgador estabelecer as balizas que permitam a responsabilização, sem que, no entanto, se permita condenação fora da legalidade. Uma equação difícil de encontrar.
Uma sentença proferida pelo juiz federal Frederico Botelho de Barros Viana da 4.ª Vara Federal Cível do DF, ao julgar procedente uma ação proposta por conselheiros de fundo de pensão que haviam sido responsabilizados administrativamente por omissão, ofereceu uma baliza importantíssima para esta forma de responsabilização, plenamente aplicável também à esfera penal.
Os conselheiros foram punidos administrativamente porque teriam praticado por omissão a infração de “aplicar recursos garantidores das reservas técnicas, provisões e fundos dos planos de benefícios em desacordo com as normas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional”, infração prevista no decreto 4.942/03. A lógica da decisão administrativa era de que, como membros do Conselho, lhes competia o dever de vigilância.
Pretendia a Previc, (órgão fiscalizador dos fundos de pensão) imputar-lhes responsabilidade por investimentos que somente no futuro se mostraram malsucedidos, ou seja, pretendia que os conselheiros tivessem dons premonitórios. Para tanto, alegou-se que eles não tomaram providências que impedissem tais prejuízos, e dessa forma, teriam concorrido, por omissão, para a prática da irregularidade.
O juiz federal anulou a condenação entendendo que nenhuma norma legal obrigava os conselheiros a agirem desta forma. Com isto, o magistrado sufragou entendimento importantíssimo no sentido de que o dever de agir (como aquele previsto no artigo 13, par. 2º do CP) deve estar previsto em lei. Ou melhor a ação omitida deve estar tipificada em alguma norma do direito. No caso específico, a norma que prevê o regime repressivo sobre gestores de fundos de pensão, deve prever expressamente quais condutas são passíveis de reprimenda.
Quando legislador diz que o dever de agir incumbe a quem (…) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância (art. 13, par. 2º, a), esta obrigação deve constar de forma expressa e precisa na lei, sob pena de grave violação do princípio da legalidade, que de alguma forma já sofre alguma mitigação com a responsabilização por omissão.
Tal entendimento é de extrema importância a fim de se evitar julgamentos subjetivos que distorcem a verdade dos fatos em sede administrativa. Por se tratar de um setor importante da economia nacional com participação em cerca de 14% do PIB, é salutar que existam regras claras para os que administram relevante patrimônio de particulares, a fim de se evitar que condutas legítimas sejam criminalizadas no futuro sob a alegação de omissão.
Artigo publicado originalmente no Migalhas.
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