O homem que presidiu o Brasil entre 2003 e 2010 tem que agir com cuidado para tirar Bolsonaro do poder
Um ano antes das eleições presidenciais no Brasil, o esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva tem o caminho livre para a batalha contra o presidente Jair Bolsonaro, de extrema direita. Lula recuperou seus direitos políticos em março, quando o Supremo Tribunal Federal anulou as duas condenações por corrupção que mantiveram o dirigente do Partido dos Trabalhadores preso por 19 meses e que, por decisão da mesma corte, o impediram de enfrentar Bolsonaro nas urnas em 2018. A anulação das sentenças foi seguida por outra decisão judicial de amplo alcance, que considerou que o juiz Sergio Moro não foi imparcial no julgamento de Lula. Essa sentença teve um efeito cascata cristalizado em uma série de decisões judiciais que nos últimos meses levaram ao encerramento de praticamente todos os processos contra o homem que presidiu o Brasil de 2003 a 2011. Ele só tem um processo penal aberto, segundo sua defesa.
O tempo está provando que Lula estava certo em dois aspectos: sempre proclamou sua inocência e sua confiança na Justiça brasileira. E sempre se considerou vítima de uma perseguição judicial no âmbito da Operação Lava Jato, investigação de lavagem de dinheiro que acabou revelando subornos da Petrobras em quatro países. Mais especificamente, Lula denunciou ser uma presa do juiz Moro, cuja atuação parcial ficou demonstrada por seus pares.
A não ser que ocorra uma grande surpresa, tanto Lula como Bolsonaro serão candidatos nas eleições de dois turnos marcadas para outubro de 2022. O dirigente do PT lidera as pesquisas com folga, mas é improvável que os votos da esquerda consigam por si sós derrotar o extremista Bolsonaro. Lula precisa forjar uma aliança ampla como aquela que lhe deu sua primeira vitória eleitoral, em sua quarta tentativa, há quase duas décadas. Tem a seu favor a erosão de Bolsonaro pelas 600.000 mortes que a covid-19 deixou no Brasil e a crise econômica.
O relatório da CPI da Pandemia, apresentado nesta quarta-feira no Senado brasileiro, recomenda que o presidente seja indiciado por crimes contra a humanidade pela gestão da pandemia. Mas Lula tem contra si o receio de boa parte da elite e da mídia, além das restrições por causa da pandemia. Se Bolsonaro reina nas redes sociais, o habitat natural de Lula é o contato direto com os eleitores, os comícios e os abraços.
Muitos brasileiros se arrependeram de ter votado no militar reformado, mas isso não significa vontade de apoiar o Partido dos Trabalhadores dentro de um ano, embora o ódio a Lula e seu partido perca força à medida que o antibolsonarismo avança. Lula, que ao longo de sua carreira tem se mostrado um bom estrategista, terá que agir com cuidado para construir uma coalizão que dilua a rejeição que ainda desperta e unificar forças suficientes para transformar a presidência do populista de extrema direita Jair Bolsonaro em um pesadelo passageiro.
Publicado originalmente no El País.
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