Não bastassem os prejuízos que afligiram trabalhadores durante a pandemia (demissões, inclusive em massa, suspensão de atividades e redução de salários), outro fator assolou ainda mais a já renhida batalha de quem depende apenas do seu emprego para sobreviver. Refiro-me aos “vales-refeição”, benefício criado com o PAT em 1976 com o objetivo de melhorar a nutrição do trabalhador de baixa renda, mas que até hoje favorece mais as instituições financeiras do que propriamente empregadas e empregados.
A ideia da Lei 6.321/1976 era louvável: as empresas ofereceriam aos trabalhadores o benefício de refeição subsidiada mediante um quádruplo benefício fiscal. A dedutibilidade desses custos do seu imposto de renda, em dobro. Uma promoção: pague um, deduza dois e economize outros dois tributos: a contribuição para o custeio da Previdência Social e o FGTS. Isso porque aquelas despesas com alimentação dos trabalhadores se excluem do conceito de salário in natura, reduzindo, assim, o custo da folha de pagamentos.
Mas a teoria se esvai na ganância da prática. A reforma trabalhista incluiu uma estranha benesse, vedando o uso de dinheiro pelos empregadores para indenizar refeições de seus trabalhadores. As operadoras de cartões de crédito cobram taxas de 1% a 3% dos comerciantes, mas administradoras de benefícios aplicam a disparatada alíquota de 5% a 8% e atribuem esse ônus à tecnologia, claramente ultrapassada. O que há de especial em um cartão magnético? E, pior, quais restaurantes têm lucro suficiente para dispor desta verdadeira tunga? O óctuplo!
O resultado é que os estabelecimentos se veem compelidos a restringir o recebimento dos “vales” de duas formas: ou simplesmente não aceitam este meio de pagamento ou limitam seu uso a horários específicos. A conta não fecha.
A pandemia não só expôs esse abuso como agravou ainda mais o quadro. Com restaurantes fechados, milhões de trabalhadores tiveram saldos creditados, mas ficaram sem exercer seu direito porque é preciso apresentar o cartão e digitar a senha para que a transação se conclua. Mesmo com parcerias com os aplicativos de entregas de comida noticia-se que tais acordos são meramente temporários e seus termos desconhecidos, o que não resolve o problema dos restaurantes, bares e lanchonetes, já desprovidos de clientes. Enquanto isso, centenas de bilhões de reais foram liberados e represados nas instituições financeiras, que muito bem trabalham com o dinheiro alheio.
Enfim, o método atual limita a opção dos trabalhadores, conduzidos a pagar mais pelos produtos. Não assegura – de modo algum – o propósito da alimentação sadia, razão de sua criação. Isso sem contar o mercado paralelo, com trocas de créditos por dinheiro com deságio de até 18% e bares e restaurantes de fachada que nada cozinham.
Hoje, com a popularização das “maquininhas”, qualquer “vale” vale para tudo, de comércio de bens a comércio de drogas. Sempre com subsídio do Estado.
Será que tudo isso VALE?
Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.
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