Por Reinaldo Azevedo
As direitas que se opõem ao petista desenharam a sua estratégia à espera de um extremista que não vai disputar a eleição
A única polarização na disputa presidencial se dá entre Lula (PT) e todos os outros, excetuando-se Ciro Gomes (PDT), já digo por quê. E é do tipo aritmética, não ideológica: o petista ou tem mais votos do que a soma dos adversários ou empata com eles.
Tanto os candidatos de direita como os de extrema-direita —Bolsonaro e Sergio Moro— insistem, no entanto, em caracterizar o moderadíssimo ex-presidente como um radical de esquerda.
E aí as respectivas campanhas dessa turma semelham parafuso espanado e começam a girar em falso, limitando-se a falar com os fiéis de sempre. Vão mudar a tempo para tentar exaltar as próprias virtudes em vez de lutar contra um adversário comum, construído por seus delírios? Não sei. Faço análises, não previsões.
Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil e hoje um dos sócios majoritários do governo, desponta como o articulador da campanha continuísta. Já escreveu um artigo nesta Folha e concedeu uma entrevista ao Globo com conteúdo idêntico: o Lula que se aproxima de Geraldo Alckmin seria mero truque.
Também circula por aí a informação de que João Doria (PSDB) pretende dar prioridade aos ataques ao candidato do PT num mix de restrições entre ideológicas e éticas, buscando reavivar mensalão e petrolão.
Há tempos me pergunto, e respondo, se, depois de tudo, faz sentido insistir nessa tecla. Lula conseguiu pôr um escolhido seu no segundo turno, em 2018, mesmo preso. Está livre. Também das ações judiciais. Uma coisa e outra —a condenação sem provas e a anulação dos processos— são, a seu modo, obras de Moro.
Então falemos sobre o ex-juiz, ex-ministro de Bolsonaro, ex-funcionário da Alvarez & Marsal e atual candidato —conseguiu ser tudo isso em quatro anos. Um prodígio! Converse com pessoas dos mais diversos matizes ideológicos. Todas elas, se responsáveis, falam sobre a necessidade de haver alguma forma de conciliação para, ao menos, levar o navio ao cais. Depois a vida volta ao normal.
Elio Gaspari já disse com acerto neste jornal que o líder petista está um passo à frente nesse esforço. É o significado de suas conversas com Alckmin e outros à sua direita. Para tornar viável a sua candidatura, Moro tem de propor, necessariamente, a guerra.
Segundo números da pesquisa Ipespe —para citar o levantamento mais recente—, o ex-juiz, parcial e incompetente, tem de convencer os brasileiros de que só ele pode impedir a concretização da vontade de 68% a 70% dos eleitores —é a soma das respectivas intenções de voto no ex-presidente e no atual; o primeiro tem quase o dobro do segundo.
Se o percurso não deixou clara a tese, vamos à síntese: os direitistas e extremistas de direita que se opõem ao ex-mandatário desenharam a sua estratégia à espera de um bárbaro que não vai disputar a eleição. Ciro caminha por fora e resolveu antagonizar com a real polarização aritmética: Lula contra os outros. É como se dissesse: “A seu modo, todos representam o ‘statu quo’; eu mudo esse destino”. Não é tarefa fácil.
Lembro do poema “À Espera dos Bárbaros”, do poeta grego, nascido no Egito, Constantino Kafávis. A oposição de matriz reaça ou conservadora ao candidato do PT está como os romanos do texto. Sua existência era pautada pela expectativa de que aqueles chegariam. E, no entanto, não chegaram. E são estes os versos finais: “Sem bárbaros o que será de nós?/ Ah! eles eram uma solução.”
Nota particular: Se a pessoa que me tomou emprestado o livro “90 e Mais Quatro Poemas”, de Kaváfis, primeira edição da tradução do poeta português Jorge de Sena, estiver lendo este texto, peço: “Devolva meu livro, vai!” Prometo não o emprestar nunca mais.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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