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Os profanadores do regime democrático em seu “dies irae”

Os profanadores do regime democrático em seu “dies irae”

Relembrar, sempre, a data de 08/01/2023, para repudiar o ultrajante vilipêndio cometido por mentes autoritárias contra o Estado de Direito há de constituir expressão de nosso permanente e incondicional respeito à Lei Fundamental do Brasil e de reafirmação de nossa crença na preservação do regime democrático.

Por Celso de Mello, Ministro aposentado e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, 1997-1999

“A data de 08 de janeiro de 2023 (“um dia que viverá eternamente em infâmia”, como enfatizou a eminente Ministra Rosa Weber, então Presidente do STF) representa, por efeito da invasão multitudinária e criminosa nela perpetrada contra os Poderes do Estado, o gesto indigno, desprezível e estigmatizante daqueles que, agindo como delinquentes vulneradores da ordem constitucional, não hesitaram em dessacralizar os símbolos majestosos da República e do Estado democrático de Direito.

Relembrar, sempre, a data de 08/01/2023, para repudiar o ultrajante vilipêndio cometido por mentes autoritárias contra o Estado de Direito – e para jamais esquecê-la -, há de constituir expressão de nosso permanente e incondicional respeito à Lei Fundamental do Brasil e de reafirmação de nossa crença na preservação do regime democrático, na estabilidade das instituições da República e na intangibilidade das liberdades essenciais do Povo de nosso País!

Naquele verdadeiro (e vergonhoso) “dies irae, a escumalha radical, impulsionada por um inadmissível sentimento de fúria selvagem, invadiu, criminosamente, entre outros, o edifício do Supremo Tribunal Federal, nele provocando atos de vandalismo que SEQUER pouparam o busto de Ruy Barbosa, ‘Patrono dos Advogados Brasileiros’, contra quem tais delinquentes desferiram golpes que deixaram, em sua fronte, a marca de sua infame agressão!

O Supremo Tribunal Federal, sabiamente, decidiu NÃO restaurar a escultura de RUY, para marcar, para as presentes e futuras gerações – e eterna memória dos fatos (“ad perpetuam rei memoriam” ) -, o dia em que a brutalidade vitimou a Justiça e ofendeu o grande patrono dos Advogados brasileiros!!!

Esses gestos de subversão explícita, típicos de uma horda de criminosos cujo primarismo permite reduzi-los ao mais grave nível de irracionalidade e de ausência total de civilidade, deixaram, para eterna e estigmatizante desonra de seus autores, um legado perverso que nos cumpre repudiar e combater: o legado inaceitável da destruição, da mentira, do ódio visceral ao regime democrático, da intolerância, do desapreço pela ideia de liberdade e do culto à barbárie!

A investida criminosa dessa turba insana contra o Supremo Tribunal Federal, ‘sentinela das liberdades’, no dizer de Aliomar Baleeiro, e contra Ruy Barbosa, ‘o construtor da República’, constitui a imagem mais expressiva (e negativa) do espírito destrutivo, pervertido e disruptivo da malta que invadiu (e dessacralizou), no dia 8 de janeiro de 2023, os símbolos augustos (e perenes) do Estado Democrático de Direito!!!

O grave momento histórico então vivido pelo Brasil revelou-nos que as instituições democráticas de nosso País e as liberdades fundamentais dos cidadãos, porque expostas a ataques dos hunos que as assediaram com o subalterno (e corrosivo) propósito de vulnerá-las, sofreram risco imenso em sua integridade!!!

Naquele momento delicado vivido pelo Brasil, avizinhou-se, perigosamente, a aproximação de tempos procelosos e nublados, impregnados, por seu efeito desestabilizador, de extrema gravidade e de sérias consequências para o regime democrático!

Tornava-se importante, por tal razão, que aqueles que respeitavam a institucionalidade e que prestavam fiel reverência à nossa Constituição reagissem – e reagissem sempre com apoio e sob o amparo da Lei Fundamental do Brasil – às sórdidas manobras golpistas, às sombrias conspirações autocráticas e às inaceitáveis tentações pretorianas de submeter o nosso País a um novo e ominoso período de supressão das liberdades constitucionais e de degradação e conspurcação do regime democrático!!!

A resposta do povo brasileiro às graves (e ameaçadoras) manifestações então promovidas por lideranças golpistas, todas elas indignas da majestosa importância da Lei Fundamental de nosso País, mostrava-se necessária e imprescindível! E essa resposta veio com apoio na “rule of law”, repelindo as tentações autoritárias e as práticas abusivas que degradavam, deformavam e deslegitimavam o sentido democrático das instituições e a sacralidade da própria Constituição!

Superado aquele grave momento em que uma turba insana buscava solapar os alicerces da República e do Estado democrático de Direito, tornava-se imprescindível que a cidadania se pronunciasse, de forma vigorosa e inequívoca, como posteriormente o fez na “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros”, em defesa da intangibilidade do regime democrático e de todos os consectários que lhe são inerentes, repelindo os graves sucessos ocorridos em 08 de janeiro de 2023 e repudiando o comportamento intolerante e audacioso daqueles que insistiram em ignorar o sentido essencial dos valores democráticos e a importância fundamental das instituiçōes da República!

São os períodos de crise que revelam a alma e o caráter das pessoas, como destacava Thomas Paine, no século 18, em seus “The Crisis Papers”!

Foi aquele – como ainda continua a sê-lo – um momento que nos permitiu revelar nosso real compromisso com os valores da República e com os signos legitimadores do Estado democrático de Direito, demonstrando, no que concerne ao Poder Judiciário, que os Juízes e Tribunais de nosso País, impregnados de autêntico “sentimento constitucional”, agem, como sempre agirão, de modo impessoal, com integridade moral e com inteira autonomia intelectual, fazendo preservar, em momentos nos quais há grave periclitação da estabilidade institucional e de séria lesão à ordem democrática, a supremacia da Constituição e a autoridade das leis do Estado!

Afinal, como assinalava Cícero, já no século I a.C., “Somos servos da lei, para que possamos ser livres” (“Servi legum sumus, ut liberi esse possimus”)!!!

Torna-se vital reconhecer que o regime democrático, analisado na perspectiva das delicadas relações entre o Poder e o Direito, não terá condições de subsistir, quando as instituições políticas do Estado falharem em seu dever de respeitar a Constituição e as leis da República, pois, sob esse sistema de governo, não poderá jamais prevalecer a vontade de uma só pessoa, de um só estamento ou de um só grupo!

O sentimento de respeito à Constituição da República, por ser mais intenso, haverá de sobrepujar e neutralizar quaisquer impulsos emanados de mentes autocráticas que se aventurem, criminosamente, lançando-se em ensaios que visem a fragilizar, a desvalorizar e a transgredir a ordem constitucional!

Há que se ter sempre presente a grave advertência do saudoso e eminente Ministro Aliomar Baleeiro, do Supremo Tribunal Federal, em manifestação que recordava ao nosso País que, enquanto houver cidadãos dispostos a submeter-se e a curvar-se ao arbítrio e à prepotência do poder, sempre haverá vocação de ditadores…

Daí a significativa e vital importância do Poder Judiciário cujos magistrados saberão agir com independência e liberdade decisória, dispensando tutela efetiva aos direitos básicos da cidadania e preservando a integridade da ordem constitucional!

Cabe sempre advertir, de outro lado, que o poder militar está sujeito, historicamente, nas democracias constitucionais, ao poder civil, cabendo-lhe, unicamente, as estritas funções institucionais que lhe foram atribuídas pela Constituição!!!

O poder castrense, que NÃO dispõe de atribuição moderadora nem de função arbitral que lhe permita resolver – como se fosse uma anômala (e estranha) instância de superposição – eventuais conflitos entre as instituições civis do Estado, há de submeter-se, por inteiro e incondicionalmente, à autoridade suprema da Constituição, sob pena de a República democrática – sob cuja égide vivemos – dissolver-se, esmagada pelo peso e deslegitimada pelo estigma de uma estratocracia desestabilizadora da ordem democrática e opressora das liberdades e franquias individuais!!!

A necessidade do controle civil sobre as Forças Armadas – advertem os estudiosos da matéria (como Eliézer Rizzo de Oliveira, “Democracia e Defesa Nacional: A criação do Ministério de Defesa na Presidência de FHC”, São Paulo, 2005, pág. 84) – busca definir parâmetros e implementar os seguintes objetivos:

“a) O comando inquestionável das Forças Armadas pelo Chefe do Poder Executivo;

b) Garantir a imparcialidade política das Forças Armadas;

c) Estabelecer uma estrutura de ordenamento legal das Forças Armadas que as submeta [aos princípios essenciais do] Estado democrático;

d) Qualquer decisão quanto ao emprego do poder militar deve ter origem exclusiva nas decisões políticas [das autoridades civis]; e

e) Reafirmar o caráter nacional das Forças Armadas.”

Em um contexto de grave crise que afetava e comprometia, de um lado, os próprios fundamentos ético-jurídicos que dão sustentação ao exercício legítimo do poder político e que expunha, de outro, o comportamento anômalo de protagonistas relevantes situados nos diversos escalões do aparelho de Estado, tornava-se perceptível a justa, intensa e profunda indignação e inquietação da sociedade civil perante aquele quadro deplorável de periclitação da ordem democrática e de perversão da ética do poder e do direito!

Em situações tão graves assim, costumam insinuar-se pronunciamentos ou registrar-se movimentos que parecem prenunciar a retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas (e lesivas) à ortodoxia constitucional, típicas de um pretorianismo que cumpre repelir, qualquer que seja a modalidade que assuma: pretorianismo oligárquico, pretorianismo radical ou pretorianismo de massa (SAMUEL P. HUNTINGTON, “Pretorianismo e Decadência Política”, 1969, Yale University Press).

A nossa própria experiência histórica revela-nos – e também nos adverte – que insurgências de natureza pretoriana, à semelhança da ideia metafórica do ovo da serpente (República de Weimar), descaracterizam a legitimidade do poder civil e fragilizam as instituições!

Impunha-se repelir, por isso mesmo, qualquer manifestação de um pretorianismo oligárquico que buscasse sufocar e dominar, com grave lesão à ordem democrática, as instituições da República!

Já se distanciam no tempo histórico os dias sombrios que recaíram sobre o processo democrático em nosso País, em momento declinante das liberdades fundamentais, quando a vontade hegemônica dos curadores militares do regime político então instaurado sufocou, de modo irresistível, o exercício do poder civil.

É preciso ressaltar que a experiência concreta a que se submeteu o Brasil no período de vigência do regime de exceção (1964/1985) constitui, para esta e para as próximas gerações, marcante advertência que não pode ser ignorada: as intervenções pretorianas no domínio político-institucional têm representado momentos de grave inflexão no processo de desenvolvimento e de consolidação das liberdades fundamentais.

Intervenções castrenses, quando efetivadas e tornadas vitoriosas, tendem, na lógica do regime supressor das liberdades que se lhes segue, a diminuir (quando não a eliminar) o espaço institucional reservado ao dissenso, limitando, desse modo, com danos irreversíveis ao sistema democrático, a possibilidade de livre expansão da atividade política e do exercício pleno da cidadania.

Tudo isso é inaceitável porque o respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa, no regime democrático, limite inultrapassável a que se devem submeter os agentes do Estado e as próprias Forças Armadas!

Faça-se também saber, aos que costumam invocar, com certa habitualidade, o valor nobre e elevado do patriotismo, o juízo de reprovação formulado pelo doutor Samuel Johnson (nome expressivo da literatura britânica do século 18), em frase ácida que dirigiu, em veemente tom crítico, a William Pitt, o Velho (“The Elder”), 1º Conde (1st Earl) de Chatham e Primeiro-Ministro do Reino Unido (“The Patriot Minister”), em razão do que ele, Johnson, entendia constituir uso abusivo, por esse político britânico, da palavra “patriotismo”!

Por tal razão, vale relembrar, conforme registra James Boswell, biógrafo escocês do doutor Samuel Johnson, a frase célebre por este proferida em 07 de abril de 1775:

“Patriotism is the Last Refuge of a Scoundrel” (“O Patriotismo é o último refúgio de um Canalha”).

Não quero nem pretendo atribuir aos que se dizem patriotas aquele juízo de desvalor formulado por Samuel Johnson. A menção que fiz busca apenas relembrar que, no curso dos eventos históricos, podem surgir episódios de utilização abusiva da expressão pertinente a quem se atribui, monopolísticamente, com exclusão daqueles que seguem orientação política diversa, a condição privativa de patriota!

A observação que venho de fazer torna pertinente invocar, no sentido por mim exposto, a célebre definição de “Pátria” formulada por Ruy Barbosa em discurso proferido no Colégio Anchieta, em 1903:

“A pátria não é ninguém; são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra, à associação. A pátria não é um sistema, nem uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo; é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade.”

Não podemos nem devemos jamais esquecer que, em 08 de janeiro de 2023, os símbolos da República e do regime democrático foram gravemente profanados por delinquentes movidos por um sentimento desprezível e irracional de ódio e de intolerância e que não hesitaram em dessacralizar, com atos criminosos e atentatórios à integridade do Estado de Direito, o sentido mais elevado da supremacia da Constituição e das leis que regem uma sociedade civilizada!

O que pode explicar o comportamento de pessoas retrógradas e despreparadas que se valem da violência política para impor, de modo ilegítimo e autoritário, a sua distorcida concepção de mundo?

Esses agentes do obscurantismo, que se notabilizaram por seu perfil intolerante e visão hostil às instituições democráticas, beneficiaram-se, paradoxalmente, da tolerância, que constitui um dos signos configuradores do próprio regime democrático!!!

Torna-se importante não desconhecer, neste ponto, a conhecida advertência de Karl Popper quando, ao examinar o tema da sociedade aberta (e democrática) em face de seus inimigos, responde à seguinte indagação: até que ponto a democracia, para autopreservar-se, deve tolerar os intolerantes?

Para Popper, “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da própria tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. (…)!

É inquestionável que uma sociedade fundada em bases democráticas deve ser essencialmente tolerante e, por isso mesmo, cabe-lhe estimular o respeito harmonioso na formulação do dissenso, em respeito aos que divergem de nosso pensamento, de nossas opiniões e de nossas ideias!

Mas não deve nem pode viabilizar a “tolerância ilimitada”, pois esta, se admitida, levará à supressão da própria tolerância, à eliminação dos tolerantes e à aniquilação da própria ideia e sentido de democracia!!!

Neste momento de nosso processo político, revela-se essencial que a cidadania comprometida com o respeito à institucionalidade empenhe-se na defesa incondicional das instituições democráticas de nosso País e na proteção das liberdades fundamentais, para que não voltem a expor-se, como sucedeu em passado recente, a ataques covardes e criminosos dos hunos que as assediaram com o subalterno (e corrosivo) propósito de vulnerá-las e de vilipendiá-las em sua integridade!!!

Torna-se importante, por tal razão, que aqueles que respeitam a institucionalidade e que prestam fiel reverência à nossa Constituição reajam – e reajam sempre com apoio e sob o amparo da Lei Fundamental do Brasil – às sórdidas manobras golpistas, às sombrias conspirações autocráticas e às inaceitáveis tentações subversivas de submeter o nosso País a um novo e ominoso período de supressão das liberdades constitucionais e de degradação e conspurcação do regime democrático!!!

Necessário, pois, reagir, com vigor e determinação, sempre sob o império da lei, à ação criminosa de mentes autoritárias e de pessoas infensas ao primado da ideia democrática, que agem movidas por inaceitáveis tentações autoritárias e por práticas abusivas e sediciosas que degradam, deformam e deslegitimam o sentido democrático das instituições e a sacralidade da própria Constituição!

Eis porque a “tolerância ilimitada” (Popper), longe de refletir a essência mesma do espírito democrático, culmina, paradoxalmente, por viabilizar a construção de estruturas autoritárias destinadas, no contexto de um projeto sórdido de poder, ao controle institucional do Estado e ao domínio político da sociedade civil, ensejando frontal transgressão aos postulados éticos e jurídicos que informam e sustentam as bases de uma sociedade livre, aberta, solidária, fraterna e civilizada!!!

Em uma palavra: são esses os verdadeiros delinquentes da República e marginais da ordem institucional, pessoas desprezíveis sobre quem deve recair, com todo o rigor, a força da lei, respeitando-se, no entanto, quanto a eles, sempre, o postulado inafastável do devido processo legal!

As cenas de selvageria e degradação praticadas por golpistas e radicais imbuídos da vontade (criminosa) e determinação (ilícita) de assaltar as instituições democráticas e de usurpar o poder revelam que os novos bárbaros chegaram, em 08 de janeiro de 2023, à Capital da República, com o objetivo subalterno (e subversivo) de destruir a ordem institucional, de renegar o primado dos mais elevados padrões civilizatórios e de fazer instaurar, contra a vontade majoritária do povo, mediante ações destituídas de qualquer coeficiente de legitimidade, um regime marginal de intolerância, de poder absoluto, de ódio, de violência política e de supressão das liberdades fundamentais!!!

As instituições democráticas não conseguirão subsistir em um ambiente político e social convulsionado onde a “tranquilitas ordinis” (a que se referia Santo Agostinho) é rompida, a institucionalidade, desrespeitada, as franquias individuais, vilipendiadas, e a autonomia dos poderes do Estado, transgredida!

Sem um Parlamento independente, sem um Poder Judiciário protegido contra indevidas intrusões de outros poderes e sem um Governo capaz de agir, no plano executivo, sem injunções marginais de outros estamentos, instituições e corporações, respeitada, sempre, como expressão própria (e superior) do regime democrático, a primazia do poder civil sobre o poder castrense, não prevalecerá, jamais, uma cidadania livre nem subsistirá, íntegra, a ordem fundada no Estado democrático de Direito!

Esse é o dilema ético e político – civilização ou barbárie – que o assalto brutal, criminoso e inconstitucional aos Poderes da República (Const. Federal, art. 5o., inciso XLIV), verdadeiro “crime contra a nacionalidade”, gerou no espírito dos cidadãos conscientes e responsáveis, comprometidos com a intangibilidade do princípio democrático e com o respeito incondicional à autoridade suprema da Constituição e das leis da República!

Os fatos de 08 de janeiro de 2023, verdadeiro “dies irae”, tornaram necessário proceder-se à escolha consciente e responsável entre civilização e barbárie, entre Eros e Thanatos, entre liberdade e submissão, entre o respeito à ordem jurídica e às instituições democráticas, de um lado, e a desordem generalizada, o caos, a anarquia, a intolerância, o fundamentalismo, o ódio, a violência política e o desapreço total pela democracia constitucional, de outro, provocados pelos novos bárbaros (que transpuseram, então, em gesto atrevido e criminoso, os umbrais da Cidade, conspurcando, com seu gesto indigno, o domínio civilizado do império do Direito e da “rule of law”)!!!

A HISTÓRIA, nesse vergonhoso episódio da criminosa invasão das sedes dos Três Poderes da República, PROMOVIDA por uma escumalha sórdida, descontrolada e cheia de fúria insana, selvagem e incontida, movida por profundo ódio irracional, PARECE repetir o fato, historicamente relevante, de que, em Maio de 1938, registrou-se, por iniciativa de membros da extrema-direita nacional, a invasão – igualmente criminosa – do Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, que sediou, durante a ditadura do Estado Novo, a residência oficial do Presidente da República, evento esse ocorrido no contexto da denominada “INTENTONA INTEGRALISTA”!!!

CABE recordar, neste ponto, o conhecido “dictum” de MARX, que, em seu “O 18 de Brumario de Luis Bonaparte”, ao iniciar a sua obra, profere, logo no primeiro parágrafo, a sua célebre frase:

“Hegel observa (…) que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a PRIMEIRA vez como tragédia, a SEGUNDA como farsa (…)”!

Há, portanto, entre as invasões dos palácios presidenciais ocorridas em maio de 1938 (Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro ) e em 08 de janeiro de 2023 (Palácio do Planalto, em Brasília), um indissociável vínculo histórico, um indisfarçável liame entre a tragédia e a farsa…

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