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Precisamos falar sobre investimento em infraestrutura

Precisamos falar sobre investimento em infraestrutura

Por Gabriel Dantas Maia, Flávio Marques Prol e Vinicius Marques Carvalho

Repensar como equacionamos o déficit orçamentário brasileiro não é o mesmo que irresponsabilidade fiscal

A chegada do ano eleitoral ressalta o olhar prospectivo sobre as oportunidades de desenvolvimento para o país. Dentre os pontos que atraem quem se lança a pensar o futuro, poucos demandam tanta atenção quanto o tópico da infraestrutura. Como se sabe, a infraestrutura é chave para o país se tornar atrativo para investimentos privados, para que setores produtivos consigam escoar seus produtos e, mais recentemente, tem sido central em estratégias de transição climática e redução das desigualdades, no Brasil e no mundo.

Uma das principais deficiências no setor de infraestrutura no Brasil é que os investimentos na área têm sido insuficientes para sanar os gargalos existentes. Segundo dados da ABDIB (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), o Brasil investiu em 2020 1,67% do PIB em infraestrutura, sendo 79% desse valor de origem privada. A parcela originada do setor produtivo é mais que considerável, mas, em números absolutos, tímida. Pela ABDIB, o país deveria investir em infraestrutura ao menos 4,3% do PIB por ano, pelos próximos dez anos, para que superássemos nossas principais carências.

Diante desse diagnóstico, devemos nos perguntar se acreditamos em um projeto de desenvolvimento que vislumbra a duplicação do investimento em infraestrutura somente por meio do setor privado, o que parece ser a aposta do atual governo. Vale lembrar que, entre 2016 e 2020, enquanto o investimento privado em infraestrutura cresceu 14,2%, a participação pública caiu 38%.

Enquanto o governo brasileiro investiu cerca de 0,4% do PIB em infraestrutura em 2019, pares como o México (0,8%), a Argentina (0,6%) e o Chile (1,2%) investiram mais, segundo dados do portal Infralatam. Países como a Alemanha tem investimentos públicos em infraestrutura entre 2 e 3% do PIB, enquanto nos Estados Unidos os desembolsos beiram os 4% e na Coreia do Sul e no Japão se investe acima disso – todos dados da gestora de ativos CPR. Ou seja, se para além das demandas nacionais olharmos também mundo afora, o investimento público precisa crescer.

O desafio é que a sobrecarga do orçamento é inquestionável, o que prejudica um aumento imediato de investimentos por meio deste canal. Assim, as alternativas passam por dois caminhos: (i) como outras iniciativas públicas podem impulsionar o investimento privado; e (ii) como extrair mais do investimento que já acontece, seja ele público ou privado. Não obstante, confrontar a lacuna de infraestrutura brasileira passa ainda por um terceiro caminho, que não pode ser alvo de soluções simplistas: cogitar mudanças nas regras fiscais para viabilizar investimentos em infraestrutura.

Quanto à primeira vertente, o país tem avançado em seu programa de PPPs e concessões, que atraem investimentos privados para o setor de infraestrutura; diversos ativos foram transferidos à iniciativa privada, gerando caixa para o governo e compromissos de investimentos. Além disso, reformas importantes foram aprovadas, como a lei das agências reguladoras, do saneamento, do gás, das ferrovias e para cabotagem.

Ainda assim, o estoque de demandas na área persiste. Cabe destacar o PL 2646/2020, que trata de uma nova modalidade de debêntures – as de infraestrutura. Aqui, por meio de um novo arranjo, o emissor pode repassar maiores margens de remuneração para os compradores dos títulos, o que pode atrair novos investidores para o financiamento da infraestrutura nacional. Dessa forma, amplia-se a reserva de capital disponível para investimentos no setor. É um trabalho conjunto – e não de substituição – entre o público e o privado para alavancar a infraestrutura nacional.

No que tange à segunda frente, para um investimento de maior qualidade, o caminho é aprimorar o planejamento da infraestrutura como um todo. O Brasil tem retomado instâncias de planejamento desde 2004, com a estruturação da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e o último marco nessa trajetória foi a elaboração do PILPI (Plano Integrado de Longo Prazo da Infraestrutura), publicado em dezembro último.

O PILPI consolida o planejamento setorial de diversos segmentos da infraestrutura, tendo o potencial de compatibilizar diferentes planejamentos existentes. Isso permite que a demanda por infraestrutura seja melhor compreendida, o que é ainda mais importante em um cenário de escassez de recursos. Nesse ponto, o PILPI realiza avanço considerável ao harmonizar premissas para a elaboração dos planos setoriais. Garante-se homogeneidade para a atividade de planejamento, ao invés de cada plano setorial projetar o seu próprio “Brasil do futuro”.

Contudo, a despeito da criação de um plano integrado, o planejamento setorial ainda precisa de ajustes. No âmbito do PILPI, por exemplo, alguns segmentos da infraestrutura analisados ainda não contam com planejamento setorial oficial – a exemplo de mobilidade urbana –, o que demonstra oportunidades de aprimoramento.

Extrair mais do investimento em infraestrutura também significa derivar novos desembolsos de investimentos a serem realizados. No leilão do 5G, por exemplo, o governo estabeleceu como contrapartida às concessões a exigência de investimentos em ampliação de infraestrutura fixa de telecomunicações e em redes de 4G para comunidades ainda não atendidas. Outra iniciativa é a PEC 1/2021, que quer tornar obrigatório o reinvestimento no setor de transportes de 70% dos recursos auferidos a partir de outorgas onerosas.

O que essas movimentações evidenciam é a possibilidade de o investimento privado impulsionar o investimento público, ou o investimento com uma carga de interesse público mais ressaltada, porque não se justifica em um primeiro momento pela lógica do lucro privado. Além disso, a sinergia público-privada adquire outro patamar: o privado deixa de ser essencialmente incentivado pelo e passa a ser também incentivador do gasto público, numa dinâmica de complementaridade capaz de dar tração ao investimento nacional em infraestrutura.

Essas vias de aproximação podem auxiliar a mitigar o déficit de infraestrutura brasileiro, mas é importante enfatizar que o enfrentamento sincero da questão depende da elevação do investimento governamental. Em linha com o apontado por alguns economistas, é possível construir uma nova regra fiscal que garanta previsibilidade ao gasto público sem engessar o funcionamento do Estado, que permanece incumbido de seus deveres constitucionais na prestação de serviços públicos. Repensar a maneira como equacionamos o déficit orçamentário brasileiro não é o mesmo que irresponsabilidade fiscal.

É possível operacionalizar um controle de despesas mais engenhoso do que o estabelecimento de um limite de gastos sem distinção de sua natureza. Um caminho é distinguir despesa corrente de investimento, em especial nos casos em que esses investimentos sejam direcionados para infraestrutura – investimentos previstos no PILPI, por exemplo.

Essa especificação é ainda mais importante diante do efeito multiplicador que o investimento em infraestrutura possui sobre a economia. Segundo levantamento do FMI, países em desenvolvimento podem ampliar a geração de empregos a partir de investimentos na área: no caso de saneamento, por exemplo, estima-se 35 empregos por milhão de dólar investido. Dada a carência brasileira no setor e a pulverização do investimento no país, a movimentação da economia não será pequena. E isso para apenas um setor. Ao invés de vermos o investimento público em infraestrutura como parte do problema, ele a bem da verdade pode ser parte da solução para tirar o Brasil desse marasmo em que se encontra.

Artigo publicado originalmente no Jota.

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