Por Lucas Lacerda
Taxa de homicídios de pessoas negras era o triplo do índice para outros grupos em 2021, mostra Atlas da Violência
A proporção de pessoas negras assassinadas no Brasil atingiu sua maior marca em 11 anos em 2021, mostram os dados do Atlas da Violência 2023, publicado nesta terça-feira (5) pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Naquele ano, 78,5%, ou quase 8 em cada 10 vítimas de homicídio no país, eram negras. Em 2011, início da série histórica, esse grupo representava 71,4% das mortes violentas. Com isso, a taxa de homicídios entre negros em 2021 (31 casos para 100 mil habitantes) era o triplo da registrada entre o restante da população (brancos, amarelos e indígenas), de 10,8.
O levantamento considera negros a soma de pretos e pardos, segundo a classificação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do instituto, apontam que as pessoas que se autodeclaram pretas e pardas são 56% da população.
O Atlas identifica quem são os mortos no país e quais as violências sofridas pelos diferentes grupos da população.
Ao todo, o Brasil registrou 47 mil assassinatos em 2021, aponta a publicação. Em 98,3% deles, houve registro da cor da vítima. É dentro desse universo que 78,5% eram negros. Isso apesar do número total de assassinatos não ter crescido na mesma proporção.
Em 2011, foram 35.616 negros mortos no Brasil. Esse número chegou a 49.524 em 2017, e então passou a cair. Em 2021, foram 36.22 mortes. O total de assassinatos seguiu a mesma tendência, passando de 52.807 em 2011 para 47.847 em 2021, com pico de 65.602 em 2017.
Ou seja, enquanto o total de homicídios no país diminuiu 9,4% de 2011 a 2021, o número apenas de negros assassinados aumentou 3,7% no período —por isso, a proporção é recorde.
Para o coordenador do estudo, Daniel Cerqueira, a violência passou a ser mais direcionada a partir de 2018. “Nestes últimos anos houve um recrudescimento importante da violência contra determinados grupos sociais, em particular contra negros, mulheres e indígenas”, afirmou o pequisador que é técnico do Ipea.
Entre os estados e o Distrito Federal, o Amapá tem a maior taxa de homicídio entre negros, com o dobro da nacional (60,7), seguido por Bahia (55,7) e Rio Grande do Norte (48,9). Na outra ponta estão São Paulo (8,1), Santa Catarina (13) e Minas Gerais (14,9).
As pessoas negras são menos da metade dos mortos apenas no Rio Grande do Sul (24%), em Santa Catarina (25%), Paraná (40%) —que havia registrado 29% em 2019— e São Paulo (49%).
O relatório também detalha as violências sofridas por outras minorias. Entre as pessoas com deficiência, a população que têm de 10 a 19 anos é a mais frequente entre os registros de violência.
Predominam os registros de vítimas mulheres com deficiência intelectual, com 45 notificações por 10 mil pessoas com deficiência, contra uma taxa de 16,2 para homens. Segundo o estudo, isso pode estar ligado a uma maior probabilidade de violência sexual para a população feminina.
Embora a maior parte das agressões seja física (55,2%) seguida pela psicológica (31,3%) e pela violência sexual (22%), a presença dessas agressões varia de acordo com a idade. Entre idosos, a negligência ou abandono são mais frequentes, com 41,8% dos registros no grupo de 60 a 69 anos e subindo a 66,7% entre quem tem 80 anos ou mais.
Nesta edição, o estudo abordou a violência contra idosos, cujos registros —os agravos de notificação de violência interpessoal— saltaram 170% de 2011 a 2021, com destaque para os aumentos em Sergipe (1.479,6%), Ceará (1.025,5%) e Pará (1.015,4%).
Assim como a taxa geral de homicídios, a população de idosos negros —homens e mulheres— apresenta índices superiores de mortes por agressão em relação a não negros.
Já a idade média ao morrer, por exemplo, chega a mais de 10 anos de diferença entre homens negros (59) e mulheres não negras (69,9).
Já os dados sobre a população LGBTQIA+ apontam um aumento de 9,5% na violência física e de 20,4% de violência psicológica contra pessoas trans e travestis entre 2020 e 2021. A faixa etária mais frequente (45%) nos registros de violência tem de 15 a 29 anos. Pessoas negras são a maioria entre os grupos de orientação (heterossexual, homossexual ou bissexual) e de gênero (travesti, trans mulher e trans homem).
Segundo o Atlas, não há dados que permitam construir um perfil dos agressores. Já em relação à orientação sexual, a maioria é de homens.
A taxa de homicídios de indígenas chegou a 19,2 casos por 100 mil habitantes em 2021, um aumento em relação a do ano anterior, de 18,8. Os pesquisadores, no entanto, fazem ressalvas sobre a falta de dados e de categorias que indiquem a motivação de homicídios, por exemplo, como agressões e intervenções legais.
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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