Por Hugo Marques
A ditadura militar produziu 75 relatórios secretos de inteligência sobre José Paulo Sepúlveda Pertence, advogado, ex-procurador-Geral da República e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. Pela sua postura combativa contra a ditadura, Sepúlveda era considerado um enfant terrible pelos militares, um esquerdista que ameaçava as bases do regime ditatorial. Sepúlveda morreu hoje de madrugada, por insuficiência respiratória.
Sepúlveda virou alvo dos serviços de inteligência das Forças Armadas e do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) a partir de 1965, quando era promotor foi chamado para assessorar o ministro Evandro Lins e Silva como presidente do Supremo. Um dos relatórios secretos de informação produzidos pelo Comando Militar de Brasília, em junho de 1965, traz um bom resumo do que os militares pensavam sobre Sepúlveda. “O promotor público de Brasília, dr. José Paulo Sepúlveda Pertence, conhecido elemento de extrema esquerda, foi nomeado assessor do ministro Evando Lins e Silva, do STF”, dizia o cabeçalho do relatório.
Este documento de 1965 já trazia uma síntese dos arquivos do regime militar sobre Sepúlveda. O documento descrevia as atividades estudantis de Sepúlveda, que tinha exercido cargos eletivos em diversas entidades estudantis de Minas Gerais. “Fez a defesa de Fidel Castro em um júri simulado junto à opinião pública pró-receptividade da revolução cubana”, dizia o relatório. O documento mostrava que Sepúlveda tinha sido monitorado pelos militares durante congressos estudantis nos países que formavam a extinta União Soviética; “Compareceu como representante da UNE em congressos internacionais na Cortina de Ferro”, dizia o relatório.
Naquele relatório de 1965 havia uma frase que sintetizava toda a visão que o regime militar teria de Sepúlveda ao longo dos anos de chumbo. “Defende ideias reformistas que não coadunam com o espírito da revolução”, dizia o documento. “É simpático aos homens e programas do governo deposto”, dizia o documento. A partir do golpe militar, Sepúlveda passaria a ser perseguido por todos os locais por onde passaria. Foi cassado pelo Ministério Público e pela Junta Militar, com base no AI-5.
Jurista experiente, Sepúlveda foi escolhido por Tancredo Neves para assumir a Procuradoria-Geral da República em 1985. No Supremo, passou a ocupar uma cadeira de ministro em 1989, nomeado pelo então presidente José Sarney. Foi presidente do Supremo de abril de 1995 a maio de 1997. Após deixar o Supremo, teve influência na indicação de ministros que o sucederiam na Corte. Sepúlveda foi monitorado pelos militares durante todo o período da ditadura. Nas conversas reservadas, ele sempre elogiava alguns ministros pela qualidade do trabalho, em especial a ministra Cármen Lúcia.
Publicado originalmente na Veja.
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