Tanto Alphaville quanto a praia santista devem ficar nos Jardins
O espaço é curto, me perdoem a falta de lirismo. Nesta semana, alguns ficaram surpresos com o desembargador “poliglota“: fala português e várias m*****, desculpem o meu francês.
Não entendi o espanto. Faz tempo que sabemos que a abordagem nos Jardins e na periferia tem que ser diferente, como disse em 2017 o então comandante da Rota, tropa de elite da PM de São Paulo.
Faço questão de elogiar a postura de Cícero, o GCM que teve calma ao lidar com o absurdo, tal qual os policiais militares que, dia desses, foram xingados em Alphaville. Mas tanto Alphaville quanto a praia santista devem ficar nos Jardins. Talvez seja essa a razão pela qual desacatos não são coibidos com um pisão no pescoço, como aconteceu em Parelheiros. Na periferia, o desacato é visto com outros olhos, tem outra cor.
O Tribunal de Justiça de São Paulo soltou uma nota dizendo que não compactua com o desrespeito às leis. Fiquei confusa, confesso. O TJ-SP é comumente cobrado por ministros do STJ por descumprir a orientação jurisprudencial dos tribunais superiores, ignorando solenemente o papel constitucional do STJ e do STF.
O exemplo mais óbvio são os casos de tráfico de drogas. Em termos claros: o TJ-SP mantém preso quem deveria estar solto. E não, não estamos falando dos grandes chefes do tráfico. Preso por tráfico no Brasil é preso em flagrante com pouca quantidade de droga. É periferia, não Jardins.
Aliás, ironias da vida, preso por tráfico de drogas é preso por crime que coloca em risco a saúde pública, o mesmo bem jurídico que se pretende tutelar pela exigência do uso de máscaras. Nestes tempos de imposição de isolamento, a oportunista defesa da liberdade virou arma de debate político: muita gente que nunca se importou com a restrição da liberdade do outro reclamou a defesa da sua.
O problema é que, se a sua liberdade vale mais, a força da lei depende do sujeito obrigado. Em outras palavras, “você sabe com quem está falando?”.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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