Por Maria Virginia Nabuco do Amaral Mesquita Nasser
No Rio e em tantos outros rincões, contratar com o Poder Público continua não sendo para principiantes
Era início de janeiro de 2019 quando Tarcísio de Freitas, hoje o “senhor unanimidade” da Esplanada, declarou, ao tomar posse como Ministro da Infraestrutura: “Ninguém assinou contrato com o governo A ou B, mas com o estado brasileiro e é importante para garantir um ambiente de segurança jurídica que a gente consiga dar uma solução para essas concessões” (Fonte: EBC).
O comentário se referia aos contratos de concessões rodoviárias que foram atingidos pela crise e se tornaram inviáveis economicamente. A primeira parte da declaração “Ninguém assinou contrato com o governo A ou B, mas com o Estado brasileiro…”, revelando o compromisso do novo ministro com a segurança jurídica, quando levada a sério, tem enorme potencial de contribuir para o combate à corrupção.
Quem teve a oportunidade de ler os depoimentos anexos às delações premiadas multiplicadas pela Lava a Jato e outros colhidos (sob a primorosa condução do Ministro Hermann Benjamim e seus assistentes) na Ação de Investigação na Justiça Eleitoral que tinha como objeto a cassação da chapa Dilma-Temer percebeu que uma razão determinante para que as empreiteiras fizessem doações milionárias (e, reconheçamos, em parte irregulares) aos partidos que tivessem chances de ganhar as eleições (à direita e à esquerda – sem ideologias) era a intenção de adquirir um “seguro” contra ações negativas do Poder Público. Um dos riscos que se pretendia “segurar” era o conhecido “calote” do governo nas empresas contratadas, praticado com frequência alarmante pela Administração Pública, principalmente contra fornecedores de obras ou serviços de governos anteriores. Esta prática está na origem, inclusive, de outro escândalo anterior à Lava a Jato, o dos Anões do Orçamento.
Pode haver a pirotecnia que for, mas não há mágica. Enquanto apenas forem presos seletivamente alguns corruptos, mas não se alterarem as causas estruturais da corrupção dentro dos governos e principalmente nos contratos com a Administração Pública, não será resolvido o problema.
Por isso, o posicionamento do Ministro Tarcísio, se fosse o de tantos outros agentes públicos, estaria eliminando um fator estrutural da corrupção. Havendo mais segurança jurídica quanto ao cumprimento dos contratos, o mercado não ficaria restrito àqueles que conhecem os meios de compra do acesso a quem toma as decisões, ou delas protege alguns agentes privados. Mais agentes dispostos a contratar com o Poder Público; menos chance de cartel e de capturas recíprocas entre público e privado.
Esse tipo de reforma no posicionamento da Administração Pública e em sua relação com entes privados não apenas trouxe bons resultados em outros países, como também é uma forma de combate à corrupção que não implica em redução das garantias penais de acusados, nem corre o risco da seletividade do sistema penal.
Esta não foi a aposta do Ministro Sérgio Moro, da Justiça. Sua proposta de pacote anticrime, apresentado ainda em fevereiro do ano passado, propunha recrudescer o sistema punitivo – em alguns casos com o sacrifício de garantias constitucionais elementares. Não contemplou qualquer medida estrutural voltada a melhorar a governança das relações entre entes públicos e privado, ou mesmo medidas voltadas a coibir o crime fora da seara punitiva, como a restrição aos saques de dinheiro em espécie. Moro seguiu o ano preocupado com os rumos da prisão em segunda instância, reforçando em diversas oportunidades que a considerava importante para combater a impunidade e acabar com a corrupção.
Mas não somos o país da impunidade. Somos o país cuja população carcerária quase dobrou nos últimos anos e onde pouco menos de 40% dos detentos estão encarcerados sem condenação definitiva. Se o problema era a impunidade no andar de cima, basta lembrar que, em 2018, a Lava a Jato em São Paulo prendeu um ex-executivo da Dersa cujo “delito” foi cumprir uma decisão arbitral. Outro executivo do Metrô foi absolvido em segunda instância de uma pesada acusação de improbidade administrativa, após anos de um processo infamante nas costas.
O ex-assessor de um ex-ministro da Fazenda também experimentou seus dias de prisão preventiva e ali tentou suicídio, para depois ser (felizmente) absolvido por falta de provas. Noves fora o publicitário das campanhas do PT, denunciado por corrupção passiva quando não ocupava cargo de agente público, num duplo mortal carpado de interpretação jurídica que faria corar até mesmo quem não milita no processo penal.
O que somos e continuamos a ser, enquanto o pacote anticrime apostou todas as suas fichas em punitivismo, é o país da baixa governança. Da desgovernança, talvez.
O mais simbólico exemplo disto em 2019 foi Marcelo Crivella, Prefeito do Rio de Janeiro, mandando seus tratadores destruírem as praças de pedágio (bens reversíveis ao poder público, é bom lembrar) na Linha Amarela. Poderia ter apurado o desequilíbrio contratual que o levou a “declarar finda” a concessão dentro das regras e das instituições, mas é o primeiro a, na qualidade de chefe do executivo municipal, descumpri-las.
Alguns munícipes comemoraram o fim da tarifa de R$ 7,50. Desconhecem que podem estar perdendo bilhões em investimentos de que necessitam e que o poder público carioca não tem como fazer com recursos próprios. Dias depois, o Prefeito ainda determina a suspensão de todos os pagamentos devidos pelo executivo municipal. Prática não é inédita, como se sabe.
No Rio e em tantos outros rincões, contratar com o Poder Público continua não sendo para principiantes. O jeito é aprender a disfarçar melhor a compra de apoio político e ir precificando o risco de ser preso mais rápido.
Artigo publicado originalmente no Jota.
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