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A ética da comparação

A ética da comparação

Por Vinícius Marques de Carvalho

Saímos de um período de defesa deliberada do sigilo para um avanço da agenda de transparência e acesso à informação

Comparações pedem uma ética cuidadosa, capaz de esclarecer não apenas o que há em comum quando comparamos, mas também o que é distintivo e, ao fazê-lo, produzir um mundo melhor. É a “ética da comparação”, defendida pelo professor Samuel Moyn, da Universidade Yale, no artigo “O problema com as comparações”, de 2020. Sabemos que as falsas equivalências já contribuíram para um Brasil pior. É por isso que continua oportuno falar sobre a Lei de Acesso à Informação (LAI), avanço histórico no caminho da transparência, mas cuja aplicação foi alvo de críticas em editorial do GLOBO no último dia 9.

Logo no primeiro dia do seu mandato, o presidente Lula determinou a revisão dos sigilos impostos pelo governo anterior. Essa determinação resultou na análise de 252 casos pela Controladoria-Geral da União (CGU). Decorrem daí a revelação do uso irresponsável do crédito consignado do Auxílio Brasil, as operações politicamente motivadas da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno da eleição e a descoberta de fraude no cartão de vacinação de Bolsonaro e de familiares, o que levou à prisão e à delação do ex-ajudante de ordens da Presidência.

A partir dessa análise, a CGU publicou 12 enunciados para orientar órgãos da administração na análise de pedidos de acesso à informação. Além de gerarem maior transparência, as súmulas limitam o uso de razões de segurança e privacidade como motivo invocável para omitir informações.

Apesar da regra da transparência, existem sigilos legalmente justificados, que foram equivocadamente ignorados pelo editorial. Apontou-se uma falsa contradição segundo a qual o governo Lula manteria sigilos de maneira indevida enquanto liberaria informações a respeito do governo anterior. Pior, o editorial ainda se equivocou na fundamentação dos sigilos: “dados pessoais”, quando o fundamento era outro. Como se sabe, a LAI determina que informações que possam colocar em risco o presidente da República e seus familiares devem ficar sob sigilo até o término do mandato. É por esse motivo que diversos pedidos relacionados a gastos da Presidência podem estar protegidos pela lei de forma legítima. Ao final do mandato, contudo, as informações devem ser disponibilizadas, como foi feito no início deste ano em relação a todos os governos anteriores desde 2003. Não houve contradição, houve respeito à lei.

O desconhecimento da LAI também escora a crítica do editorial a uma suposta falta de transparência nas informações a respeito de visitas recebidas pela primeira-dama. Primeiras-damas não são autoridades públicas para fins da LAI, por isso não mantêm agendas oficiais. A primeira-dama é uma figura pública, e não um agente público. Além disso, quaisquer agendas com autoridades de que a primeira-dama participe — assim como ocorre com qualquer cidadão — são transparentes.

Vale mencionar ainda que, no governo do presidente Lula, as informações a respeito de entrada e saída em prédios públicos são passíveis de disponibilização, ao contrário do que ocorria no governo anterior. Mesmo no caso das residências oficiais — espaço da vida privada, onde há proteção à intimidade —, as agendas oficiais são publicadas.

Não é demais lembrar que o governo anterior tinha como política deliberada o sigilo. Além dos sigilos injustificáveis de cem anos, ele retirou do ar informações como os dados de óbitos da Covid-19 e encerrou as atividades do Conselho de Transparência, Integridade e Combate à Corrupção. No governo Lula, o Conselho voltou com maior participação da sociedade civil, ampliado de sete para 30 representantes. Qualquer comparação entre o governo atual e o anterior não poderia deixar de concluir o óbvio: saímos de um período de defesa deliberada do sigilo para um avanço da agenda de transparência e acesso à informação.

Publicado originalmente em O Globo.

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