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A nova manobra do ex-juiz

A nova manobra do ex-juiz

Reportagem da Folha (“Moro se reúne com Podemos e indica que decidirá sobre eventual candidatura em novembro”, 28/9), sinaliza pretensão do ex-juiz Sergio Moro a uma candidatura presidencial, apresentada como suposta “terceira via” na disputa entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Atuando como consultor de um escritório de advocacia estrangeiro, após curta e malsucedida passagem pelo Ministério da Justiça no governo Bolsonaro, Moro tem mantido tratativas políticas visando às eleições de 2022, embora significativamente peça a seus interlocutores que mantenham sigilo sobre suas intenções “por conta de questões contratuais envolvendo o [seu] atual empregador”.

​ A notícia convida a reflexões. A conduta do ex-juiz é parte de um trôpego intento político que responde pela atraente denominação de “terceira via”. Ao que parece, Moro evoca como credenciais para se encaixar nesse perfil o seu antagonismo com o presidente Lula e o rompimento que protagonizou ao deixar a função ministerial no governo Bolsonaro. Mas tanto a noção específica do que seja essa alternativa, quanto a legitimidade do pretendente à vaga, padecem de distorções que precisam ser enfrentadas.

Se em princípio parece sedutora a ideia de um “tertius”, que sugira postura equilibrada entre extremos, convém observar que, a rigor, não existe a suposta polarização que contraponha Bolsonaro e Lula como representantes de dois lados equivalentes em termos de índole política. Na verdade, enquanto Bolsonaro atua como permanente inimigo da democracia e do Estado de Direito, empreendendo constantes ataques às instituições, subvertendo políticas públicas previstas na Constituição e corroendo a essência da ação governamental em diversos setores, de outra parte Lula sempre pertenceu ao campo democrático, atento à estabilidade política e reverente às regras do jogo previstas na lei e na Constituição.

 
No que diz respeito à possível reivindicação de Sergio Moro como opção de centro, equidistante numa disputa Bolsonaro-Lula, não há como disfarçar a absoluta inadequação do ex-juiz a esse imaginário e farsesco papel. Afinal, Moro se notabilizou por arredar do compromisso de imparcialidade que deveria respeitar quando juiz, chegando ao ponto de ter declarada pelo Supremo Tribunal Federal a sua conduta suspeita. Como alguém com esse histórico poderia aspirar agora condição politicamente idônea?
 
Além disso, a trajetória política de Sergio Moro teve um início degradado justamente pela troca de favores empreendida junto ao próprio Bolsonaro. Valendo-se de artifícios ilegais, Moro cuidou de alijar Lula da corrida eleitoral de 2018. Mais tarde, colaborou para derrotar Fernando Haddad, com a divulgação, às vésperas do pleito, de uma delação mentirosa de Antonio Palocci. Disso resultou a sua extravagante nomeação para o cargo de ministro da Justiça, após uma constrangida renúncia ao cargo de juiz federal. Até mesmo a promessa de uma pensão esquisita e destituída de base legal foi objeto dessa transação deplorável.
 
Pois bem, quais seriam então as credenciais éticas ou políticas existentes para que Sergio Moro se considere apto a renegar tais graves responsabilidades pela deformação do exercício do cargo de juiz? E de que forma poderia o ex-ministro da Justiça superar a umbilical ligação de sua aventura política com o projeto de poder bolsonarista?
 
Tais perguntas não logram obter resposta alguma senão aquela que demonstre ser a pretensão eleitoral do ex-juiz um autêntico escárnio. Mais uma etapa no percurso de uma personalidade deslumbrada, que abdicou do requisito de integridade a ser observado no exercício da atividade política.
 
Embora considerado suspeito e parcial pelo Supremo —portanto, um juiz herege—, Sergio Moro agora pretende ressurgir na política como santo, supostamente isento dos seus graves pecados e em busca de uma absurda redenção pela falsa narrativa que o promove a alternativa entre dois extremos.
 
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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