Urge a necessidade de um marco normativo eficiente para as redes sociais
Recentemente, tivemos a triste notícia da morte de uma criança após inalar desodorante aerossol como parte de um desafio compartilhado nas redes sociais. Sarah Raíssa Pereira de Castro, de apenas 8 anos, sofreu uma parada cardiorrespiratória e foi socorrida, mas teve morte cerebral.
A menina, moradora do Distrito Federal, infelizmente é mais uma vítima desses vídeos que circulam livremente na internet e que têm nas crianças seu público mais vulnerável. Ela é, sobretudo, vítima da falência das ferramentas regulatórias de prevenção e responsabilização dos divulgadores desses conteúdos maliciosos. Mas também é vítima das big techs, quando estas se omitem e transformam desinformação em lucro.
A ONG cearense “DimiCuida”, que faz o monitoramento de brincadeiras arriscadas na internet, divulgou já no ano de 2018 um dado alarmante: foram contabilizados 24 mil vídeos em português sobre o “desafio do desmaio” apenas no YouTube, além de outros 800 mil em inglês. Nos últimos 11 anos, ainda de acordo com a ONG, pelo menos 56 menores foram vítimas fatais desses desafios. As crianças, hoje, têm acesso muito mais rápido a esses conteúdos, enquanto os pais ainda não sabem como lidar com essa realidade digital. Então, o que fazer para salvar nossas crianças, nativas do mundo digital?
A ausência de um marco normativo eficaz para as redes sociais tem contribuído para consequências gravíssimas, como a exposição de crianças a conteúdos perigosos que, em casos extremos, resultam em morte —como ocorreu com Sarah. A falta de regulação permite que algoritmos priorizem o engajamento em detrimento da segurança, promovendo desafios virais, comportamentos autodestrutivos e até o incentivo ao suicídio infantil.
Para combater essa onda de crimes que ceifam vidas de crianças e adolescentes, mas que também violentam seus pais, amigos e familiares, é preciso o engajamento de todos: família, sociedade, escola e o poder público. Sem leis claras que exijam responsabilidade das plataformas, bem como mecanismos eficazes de monitoramento e controle, torna-se quase impossível coibir a circulação desses conteúdos ou responsabilizar seus divulgadores.
Dessa forma, a omissão legislativa não apenas fragiliza a proteção da infância no ambiente digital, como também evidencia a urgência de um marco legal específico que garanta o uso seguro da internet, especialmente para os mais vulneráveis.
Nesse sentido, entendendo que os direitos fundamentais da pessoa humana devem ser garantidos em qualquer esfera e buscando oferecer mais proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes na internet, o governo federal, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), defende a regulamentação das plataformas digitais no Brasil e vem cobrando celeridade e prioridade ao Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento dos processos que envolvem a pauta.
Paralelamente, a missão de monitorar os conteúdos explorados pelos filhos no ambiente virtual, estabelecer limite temporal de uso e, em contrapartida, estimular vivências com o mundo real precisa se tornar dever de casa para os pais e responsáveis nessa guerra contra o invisível.
O meio virtual é uma realidade global e, feliz ou infelizmente, ninguém pode fugir desse contexto. Os avanços na comunicação, no acesso à informação e na inovação trazidos pela internet também são pontos que precisam ser considerados. Entretanto, para que outras crianças não venham a ser vitimadas, é fundamental reconhecer que para tornar o ambiente virtual um espaço seguro e democrático de verdade é necessário, sobretudo hoje, que toda a sociedade se mobilize e se comprometa com a implementação de uma regulação robusta. Ela deve garantir o acesso e o exercício da cidadania aos usuários aliada à proteção da privacidade e dos dados dos cidadãos, principalmente em relação à preservação de vidas e à responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.
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