Por Naiara Bertão
Casos Cuomo e Caboclo reforçam a importância de falarmos sobre assédio nas empresas. Neste artigo, trago algumas dicas da advogada Mayra Cardozo, que trabalha com desenvolvimento humano e empoderamento feminino
Em tempos que se fala tanto de saúde mental, há um tipo de “problema” que, infelizmente, ainda acomete mulheres e especialmente no ambiente de trabalho. É o assédio – verbal, moral, virtual, sexual, e por aí vai… Sua origem está na desigualdade de gênero e as consequências vão desde clima ruim de trabalho, diminuição de produtividade das mulheres vítimas, demissões voluntárias até ao desenvolvimento de problemas psicológicos mais graves. Independe disso, é dado que o assédio no mundo corporativo cria obstáculos para a igualdade e equidade de gênero e empoderamento econômico das mulheres.
Nesta semana, essa triste realidade veio à tona com a renúncia do governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo, em meio a várias denúncias de assédio sexual. Ele que foi uma das principais referências no combate à covid-19 nos Estados Unidos e era sempre citado como possível candidato à presidência do país nas próximas eleições.
Ele é acusado de assédio sexual e conduta imprópria por nada menos que 11 mulheres, segundo investigação do escritório da procuradora-geral do estado, Letitia James. E sabe como era descrito o ambiente de trabalho com ele? “Local de trabalho tóxico” e um “clima de medo”.
Aqui no Brasil, não faz nem dois meses que o então presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo, foi afastado temporariamente do cargo após denúncias de assédio sexual – essa semana foi revelado que uma segunda funcionária também o acusou do crime.
Assédio sexual é CRIME no Brasil e isso precisa ficar BEM CLARO para todos.
O artigo 216-A do Código Penal o define como o ato de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
De acordo com a lei, o assédio é crime quando praticado por superior hierárquico ou ascendente. Há duas interpretações em relação à prática do ato: o assédio pode ocorrer pelo simples constrangimento da vítima ou pela prática contínua de atos constrangedores. A pena prevista é de detenção de um a dois anos.
Não há mais espaço para atitudes machistas como essa nesse mundo. Mas, infelizmente, ainda é uma prática comum. De acordo com uma pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, feita em parceria com o Instituto Locomotiva e apoio da Laudes Foundation, 40% das mulheres já foram xingadas ou já ouviram gritos no trabalho, contra 13% dos homens. Além disso, 92% dos entrevistados acreditam que as mulheres sofrem mais situações de constrangimento e assédio no ambiente de trabalho do que os homens.
O LinkedIn e a consultoria de inovação social Think Eva divulgaram no ano passado uma pesquisa que mostra que quase metade das mulheres entrevistadas já sofreu assédio sexual. O ambiente de trabalho foi o espaço em que 47,12% das participantes afirmaram ter sido vítimas de assédio sexual em algum momento e uma em cada 6 vítimas pede demissão do trabalho após passar por um caso de assédio e 35,5% afirmam viver sob constante medo.
A pesquisa indica ainda que o assédio sexual atinge as mulheres de maneira desigual. Negras (pretas e pardas) e mulheres com rendimentos menores são as principais vítimas. Dentre as que afirmaram ter sofrido assédio no trabalho, a maioria são mulheres negras (52%) e mulheres que recebem entre dois e seis salários mínimos (49%).
Essas situações levam as mulheres a se sentirem inferiorizadas, prejudicam sua autoestima, sua capacidade de produção, reduzem a produtividade do trabalho, consequentemente elas ganham menos bônus/variável, diminuem suas chances de serem promovidas, e ainda podem ficar traumatizadas em alguns casos a ponto de não querer mais trabalhar.
Não há argumentos contra a afirmação de que as empresas precisam – com urgência – olhar para o que acontece dentro de suas entranhas e criar mecanismos de identificação, averiguação e proteção para acabar com situações de assédios e importunação sexual.
Como identificar o assédio e a importunação sexual?
Como, então, identificar o assédio e a importunação sexual? Para a advogada Mayra Cardozo, que trabalha com desenvolvimento humano e empoderamento feminino, o primeiro passo é entender a sua origem. São ferramentas utilizadas pela socialização patriarcal para intimidar mulheres a ocupar espaços de trabalho.
“Quando ocupamos espaços, eles nos reduzem a corpos que servem apenas para pegar café, anotar compromissos e para serem assediados. Quando ocupamos espaços, o sistema patriarcal nos pune. Por isso, cada dia é mais essencial que aquelas mulheres que conseguem ocupar espaços, usem o seu privilégio dentro dos ambientes corporativos para remodelar esses espaços e ajudar com que sejam lugares seguros para as mulheres”, diz.
Um dos maiores identificadores é que, quem sofre assédio ou importunação sexual, na grande maioria das vezes, acaba com a saúde mental afetada. “A situação se agrava quando ocorre no ambiente de trabalho, uma vez que as mulheres já sofrem com a famosa “síndrome da impostora” – quando você sente constantemente que o que faz não é bom o suficiente.
Quando essas situações acontecem dentro do trabalho, a autoestima e autoconfiança são extremamente abaladas. Isso ocorre porque o potencial, a inteligência e dedicação começam a ser questionados, já que essas condutas fazem as mulheres se sentirem como se fossem reduzidas a um corpo”, entende a advogada.
Mayra coloca algo super importante dentro desse tema: a união das mulheres. “Percebo que muitas, quando assumem postos de poder, acabam ‘jogando’ com o patriarcado, encobrindo colegas assediadores, rindo de piadas machistas. É necessário que as mulheres se conscientizem de que só a união faz a força. É preciso parar de rivalizar umas com as outras e se unir para, juntas, combater essas práticas dentro das empresas”, diz.
O que deve ser feito quando se identifica um caso?
A advogada explica que há dois meios de se lidar com um caso de assédio. Um é pelas vias internas da empresa, caso ela tenha (e, na minha opinião, deveria ter), procurando a área de recursos humanos ou compliance. O outro é pelas vias legais – o canal de denúncia 180.
Uma recado aqui para as empresas: o risco de danos à imagem e reputação, que podem ser irreversíveis, é bem mais possível quando as pessoas não se sentem minimamente confortáveis em tratar desse assunto internamente, sem contar os risco de processos judiciais, bem mais custosos.
“O maior erro das empresas é não abordar e não investir no combate e na conscientização do assédio, principalmente dentro dos cargos mais altos, uma vez que essas denúncias geralmente são dirigidas ao ‘top management’ da empresa. Além de tudo, também existe uma dificuldade em relação ao canal de denúncia interno, já que as vítimas têm medo de denunciar e perder o emprego caso sejam identificadas”, explica Mayra.
Outro problema a ser resolvido pelas empresas é a falta de informação e treinamento, para que as pessoas saibam diferenciar uma conduta e outra e saibam como agir diante das situações e a quem recorrer.
De nada adianta uma denúncia, porém, se ela sempre levar a nada. Não pode haver impunidade, e as penalidades para casos do tipo precisam estar claros para todos os funcionários.
“A verdade é que pautas relacionadas às mulheres dentro do ambiente corporativo, só vão progredir quando as empresas e líderes também atuarem proativamente no intuito de produzir uma cultura de união entre mulheres, e não o de rivalidade”, conclui Mayra Cardozo, em grande estilo. Assino embaixo.
Artigo publicado originalmente no Valor Investe.
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