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Defensoria para quem precisa: uma pauta urgente e essencial

Defensoria para quem precisa: uma pauta urgente e essencial

Por Marcus Edson de Lima e Diogo Esteves

No mês em que comemoramos os 07 anos da aprovação da Emenda Constitucional 80/14, a qual prevê, dentre outros mandamentos, a necessidade de que todas as comarcas do país tenham Defensores e Defensoras Públicas em número suficiente para o atendimento daqueles que mais necessitam, foi lançada a Pesquisa Nacional da Defensoria Pública, que revelou a verdadeira realidade das Defensorias Públicas dos Estados, União e Distrito Federal, bem como trouxe a triste realidade consequente do descaso do Poder Público em dotar a Instituição de meios necessários para atender a população mais necessitada e carente de recursos.

O fortalecimento dessa importante e essencial Instituição do sistema de justiça é sinônimo de redução das desigualdades sociais e combate aos arbítrios contra os menos favorecidos. De fácil constatação a afirmação acima com o acompanhamento através da imprensa do trabalho desenvolvido pela Defensoria Pública, por exemplo, na recente atuação após o ocorrido na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, bem como na ação desenvolvida no Estado do Amazonas para minimizar o caos decorrente da pandemia.

Restando apenas um ano para o término do prazo estabelecido pela Emenda Constitucional nº 80/2014, a meta ainda está longe de ser atingida, pois, de acordo com as recentes informações coletadas pela Pesquisa Nacional da Defensoria Pública, no âmbito da justiça estadual, atualmente apenas 1.150 comarcas são regularmente atendidas pela Defensoria Pública, representando 44,5% do quantitativo total. Além disso, outras 73 comarcas são atendidas em caráter parcial ou excepcional por intermédio de projetos de extensão desenvolvidos pela Defensoria Pública (por exemplo, o projeto “Defensoria Itinerante” no Piauí, e os projetos “adote sua comarca” e o “grupo de trabalho do interior” no Amazonas), representado 2,8% do quantitativo total. Não obstante o esforço institucional para garantir o acesso à justiça para todos, atualmente 1.362 comarcas não são atendidas pela Defensoria Pública, representando 52,7% do total.

No âmbito da justiça federal, a situação é ainda mais desoladora. Apenas 80 subseções judiciárias federais são regularmente atendidas pela Defensoria Pública da União, representando 28,7% do quantitativo total. Ou seja, 71,3% das subseções judiciárias não possuem serviço de assistência jurídica gratuita fornecido pela DPU.

Para dimensionar esses percentuais em termos populacionais, a Pesquisa Nacional da Defensoria Pública realizou o cruzamento dessas informações com os dados sobre a distribuição demográfica dos destinatários dos serviços jurídico-assistenciais públicos.

Por intermédio da análise conjugada das informações, a pesquisa concluiu que, no âmbito da justiça estadual, atualmente 153.029.796 habitantes possuem potencial acesso aos serviços jurídico-assistenciais prestados pelas Defensorias Públicas dos Estados e dos Distrito Federal, representando 72,3% da população do país. Outrossim, na esfera federal, 125.642.351 habitantes possuem potencial acesso à assistência jurídica prestada pela DPU, representando 59,3% da população total.

No entanto, o dado mais relevante para o planejamento das ações estratégicas tendentes a superar o desafio da inclusão se encontra justamente no lado oposto da equação. Ou seja, atualmente 58.725.896 habitantes não possuem acesso aos serviços jurídico-assistenciais oferecidos pela Defensoria Pública no âmbito da justiça estadual, em violação ao art. 134 da CRFB e à diretriz do art. 98 do ADCT. Dentro do quantitativo indicado, 53.745.922 são habitantes economicamente vulneráveis, com renda familiar de até 3 salários mínimos, que potencialmente não possuem condições de realizar a contratação de advogado particular para promover a defesa de seus direitos.

No âmbito da justiça federal os números são ainda mais preocupantes. Atualmente, 86.113.341 habitantes não possuem acesso aos serviços essenciais prestados pela Defensoria Pública da União, sendo que, dentro do quantitativo indicado, 78.151.410 são habitantes economicamente vulneráveis, com renda familiar de até 3 salários mínimos.

Portanto, considerando que o reconhecimento formal de direitos pelo ordenamento jurídico não implica diretamente em sua efetivação prática, ao menos 27,7% (na justiça estadual) e 40,7% (na justiça federal) da população brasileira se encontra potencialmente à margem do sistema de justiça e impedida de reivindicar seus próprios direitos por intermédio da Defensoria Pública.

Importante observar que a estimativa da população com potencial acesso à Defensoria Pública não levou em consideração outras variáveis culturais, econômicas, sociais e geográficas que podem dificultar ou inviabilizar o efetivo acesso da população à assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública. Consequentemente, como podem existir muitas pessoas com necessidades jurídicas não atendidas dentro da esfera geográfica das comarcas e subseções judiciárias atendidas pela Defensoria Pública, o percentual de pessoas impedidas de acessarem à justiça tende a ser maior.

Diante dessa triste realidade trazida pela Pesquisa Nacional da Defensoria Pública, urge o debate da sociedade e autoridades responsáveis para cumprimento desse mandamento constitucional, deixando claro que só podemos falar em cidadania plena e redução real de desigualdades sociais com uma Defensoria Pública verdadeiramente forte e independente, que seja efetivamente o que deve ser, a força de equilíbrio daqueles que pouco ou nada possuem na busca de uma vida minimamente digna.

Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.


Fonte: Pesquisa Nacional da Defensoria Pública (2021). Dados sobre a estruturação geográfica das comarcas obtidos junto aos Tribunais de Justiça dos Estados e Distrito Federal. Dados sobre as comarcas atendidas pela Defensoria Pública obtidos junto aos Defensores Públicos Gerais de cada Estado e Distrito Federal. Informações atualizadas até 10/03/2021. Cartografia: Eduardo Dutenkefer.

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