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Delação como arma da calúnia

Delação como arma da calúnia

Por Sepúlveda Pertence, Eros Grau e Nelson Jobim

STF e seus membros sofrem campanha de deslegitimação e desmoralização

As colaborações premiadas voltaram à arena pública recentemente. Infelizmente, de forma infame, com acusações do ex-governador Sérgio Cabral contra o ministro José Antonio Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. Acusações endossadas por delegado da Polícia Federal e vazadas para virar manchete. Como, de fato, virou nesta Folha.

O ponto central aqui não é a falta de credibilidade do delator, condenado a mais de 300 anos de prisão. Nem a motivação para “lembrar-se” do ministro em novo depoimento tanto tempo depois da homologação de seu acordo com a Polícia Federal. Curiosamente, poucos dias depois de o ministro, então presidente do Supremo e a pedido da Procuradoria-Geral da República, determinar o arquivamento dos inquéritos derivados da colaboração. Ressalte-se: o ministro Dias Toffoli não era mencionado nos inquéritos. A “providencial lembrança” veio depois do arquivamento.

O elemento primordial de toda essa trama é a subsistência do Estado democrático de Direito.
Quando um delegado, agente do Estado, a partir da palavra de um delator, investiga um ministro do STF sem autorização e conhecimento da corte e pede abertura de inquérito sem apresentar mínimas provas a corroborar as declarações, há uma sequência de atos ilegais. O ônus da prova ainda cabe a quem acusa.

Cumpre afastar teorias conspiratórias e o discurso pronto de que o corporativismo impede as investigações de avançar. É necessário que haja debate aprofundado sobre práticas renitentes de cunho antidemocrático e antirrepublicano. Vazamentos seletivos feitos sob medida são armas letais: qualquer um pode ser alvejado e tombar sumariamente no rol dos culpados perante a opinião pública, até prova em contrário.

Teoricamente, confia-se no rigor do trabalho investigativo para evitar que alegações difamatórias ou caluniosas contra pessoas ou instituições prosperem. Teoricamente. Na era da pós-verdade, da informação em tempo real, dos vazamentos seletivos, dos agentes públicos convertidos em justiceiros e dos linchamentos perpetrados nas mídias, o caso em questão é emblemático. Mostra até que ponto podem chegar acusações levianas e criminalizações indevidas, sem base fática ou legal, em total desrespeito às garantias constitucionais. Diante dessa inversão de princípios, o silêncio não é opção.

O STF, por seu papel contramajoritário e pela firme defesa da Constituição e da democracia, tornou-se alvo de manobras de desprestígio que vão além das críticas a seu exercício jurisdicional. Trata-se de verdadeira campanha de deslegitimação e desmoralização da corte e seus membros, a qual serve a propósitos escusos.

Não é de hoje que se chama atenção para ataques à democracia, com disseminação do ódio e promoção do descrédito das instituições. Em 1996, o ex-repórter James Fallows, no livro “Detonando a Notícia – Como a Mídia Corrói a Democracia Americana”, destacou como a mídia, ao apresentar a “vida pública tal qual uma competição entre líderes políticos, a quem os leitores deveriam olhar com suspeita”, contribuía para a deterioração da convivência democrática. A crítica revelou-se profética.

É preciso separar o joio do trigo e não alimentar suspeitas infundadas contra as instituições e seus integrantes. Isso vale para os órgãos de investigação e para a imprensa. Divulgar palavras de delatores sem o mínimo de lastro probatório e a necessária checagem, em nome do “furo” jornalístico e do espetáculo, é contribuir com a subsistência desse fenômeno nefasto que assombra o Brasil e outras nações do mundo. O antídoto para isso está na ação zelosa dentro das balizas bem demarcadas no texto constitucional.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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