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Diversidade é garantismo: ausência de jurista negra na cúpula maior do Judiciário

Diversidade é garantismo: ausência de jurista negra na cúpula maior do Judiciário

Por Luana Valério Santana da Silva e Vera Lúcia Santana Araújo

Janeiro de 2023 é mês já inscrito na história democrática brasileira em face da contundente, consistente e coesa resposta dada pelos Poderes republicanos à tentativa de golpe de Estado consubstanciado em ataques terroristas às sedes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, envolvendo ainda a rara união de todos os estados federados em uníssono — não aos ataques à democracia; não à negação dos primados democráticos; não à supressão do Estado democrático de Direito!

Sim, a unidade forjada em repulsa aos graves atentados que estarreceram o mundo, ensejando manifestações de solidariedade de diversos chefes de Estado e de governo, confirmaram haver incontestável determinação institucional de não se permitir qualquer interrupção à consolidação da democracia como valor absoluto a sustentar a nação brasileira, até pela perspectiva antes interrompida, da plenitude democrática material, substantiva, inclusiva, para fazer comportar na gestão da vida nacional, as presenças de todas e todos, homens e mulheres, “…sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, como assentado no inciso IV do artigo 3º da Carta Magna, ao erigir os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Com efeito, desde a Carta Constitucional de 1988, que elegeu a dignidade humana como princípio fundante da República “… formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal”, constituindo o Estado democrático de Direito capaz de tecer as teias sociais garantidoras do acesso aos direitos que conformam a efetividade da cidadania, igualmente fundamento de nosso Estado nacional.

Em que pese a robustez da escrita constitucional, fato é que o Brasil padece de desigualdades econômicas, sociais, que rigorosamente apartam seu povo e nos afastam da formação de uma verdadeira Nação. Embora tenhamos um único idioma oficial, costumes muito semelhantes e caracteres outros classicamente atribuídos à conceituação de nação, a desigualdade racial que organiza e determina a ocupação territorial e política de negros, brancos e indígenas não legitima a identificação conceitual de termos construído uma nação; os índices das desigualdades raciais demonstram, à exaustão, que a Constituição não tem vigência em todo o território nacional.

Noutra ponta das desigualdades, o peso do patriarcalismo na organização social desequilibra as relações de gênero e nós, as mulheres, em especial as negras, estamos longe da ocupação equânime dos espaços de poder e mesmo da básica igual remuneração para igual trabalho!

Relativamente ao estruturante racismo, são fartos os sistemáticos estudos, com números abalizados que sobejamente expõem as iniquidades ofensivas à dignidade humana, atingindo mulheres e homens negros, perpassando desde a infância e juventude ceifadas pela violência pública, estatal, por suas forças policiais, ao trabalho em condições análogas ao trabalho escravo, à absoluta ausência nas instâncias de poder, destacando nesta oportunidade, o Poder Judiciário.

Sem pretensão de exaurimento, mas bem ao contrário, somente para ilustrar um pouco da percepção de gritantes desigualdades que nos distanciam do sentimento de pertencimento nacional, trazemos o recente trabalho realizado em 2022, Nós e as Desigualdades — Pesquisa Oxfam Brasil/Datafolha Percepções sobre Desigualdades no Brasil, do qual extraímos que “69 % concordam que o fato de ser mulher impacta a renda; 59% concordam que negros ganham menos; 75% acreditam que a cor da pele influencia a contratação por empresas; 86% acreditam que a cor da pele influencia a decisão de uma abordagem policial; 79% concordam que a Justiça é mais dura com negros”.

Sem margem para qualquer tergiversação acerca do papel do sistema de justiça na reafirmação e mesmo persistência do racismo, os números impõem enfrentar debate que já se insinua fortemente nos ambientes jurídicos e políticos — neste ano o Supremo Tribunal Federal terá duas vagas decorrentes de regular aposentadoria de atuais integrantes — ministro Ricardo Lewandowski, já em maio, e ministra Rosa Weber em outubro, provocando normais especulações sobre nomes possíveis de indicação pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para apreciação e aprovação pelo Senado, conforme rito fixado no artigo 101 da Constituição, que no parágrafo único exige ter o cidadão, a cidadã, idade com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, além do notável saber jurídico e reputação ilibada.

Relativamente a nomes que legitimamente emergem, os mesmos exaurem os requisitos constitucionais, ostentando currículos insofismáveis!

Quando as especulações adentram sobre pretensos critérios subjetivos, ideológicos, interessante observar considerações que opõem a escolha dever se situar num falso dilema, contrapondo “garantistas” a eventuais perfis representativos de “diversidades”, e aqui expressamos como categoria “diversa”, jurista negra sim, e porque não?

Um olhar superficial que seja sobre a história do Supremo Tribunal Federal, notadamente na atualidade, em que as ausências dizem muito sobre as múltiplas formas de reiteração de desigualdades e exclusões, sobressai a sistemática exclusão do cotejo de mulheres negras aptas à construção e validação dos saberes jurídicos na guarda da Constituição Federal, sendo certo que isso se deve mais à vontade política de alijar, que à realidade da capacidade de contribuição e atuação de mulheres negras na produção jurídica nacional, lembrando que a Ordem dos Advogados do Brasil consagrou Esperança Garcia como primeira advogada do país!

Ao mesmo tempo, o forçado referencial de embate que sobrepõe o garantismo constitucional como balizador para a escolha presidencial, de modo a pretender eliminar do rol de possibilidades uma jurista negra por exemplo, não encontra sustentação na realidade, inclusive porque são juristas negras e negros, que se sustentam existencialmente em face da efetividade das garantias decorrentes dos primados da dignidade humana e exercício da cidadania, e assim a inexistência de jurista negra na composição da cúpula maior do Poder Judiciário é justamente a negação garantista da igualdade, revelando injustificado impedimento ao ingresso de conhecimentos adquiridos por mulheres negras que qualificam a vida jurídica nacional e mais que isso, oferecem olhares plurais, diversos, que inegavelmente elevarão o fazer jurisdicional do Estado democrático de Direito.

Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.

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