Para entendermos facilmente o imbróglio: O que um cidadão pensaria se, em um pedido seu envolvendo, por exemplo, a liberdade, apenas 2, 3 ou 4, da composição de 5 ministros, votassem no plenário virtual e que os votos não proferidos contassem como se fossem concordes com o relator?
Estranho, não? Levado o raciocínio ao extremo, com um voto — o do próprio relator — o julgamento se encerra, desde que os outros 4 ministros não se manifestem. Pode-se dizer que isso jamais acontecerá. Mas pode acontecer que o resultado seja 2×2 ou até mesmo 2 votos (o do relator e mais) x 1 (contra o relator). Os 2 ministros faltantes contam a favor do relator.
Vejamos um caso concreto. Na ação penal 996, um réu condenado na “lava jato”, ex-deputado federal, requereu concessão de prisão domiciliar por questões humanitárias e por ser grupo de risco de Covid-19.
O resultado do plenário virtual foi 2×2 (segunda-turma), com abstenção de voto da Ministra Cármen Lúcia. O empate deveria dar vitória ao requerente, conforme já se sabe desde o julgamento de Orestes, na peça As Eumênidas, de Esquilo (Trilogia Oresteia). Só que, conforme a regra do art. 2º, § 3º, da Resolução 642/2019, o requerente perdeu, porque a abstenção de Cármen contou a favor do voto do relator Fachin, quem votou contra o pedido.
Atento, o CFOAB (aqui) já remeteu Oficio ao STF com pedido de alteração-revogação da regra que diz
§ 3º Considerar-se-á que acompanhou o relator o ministro que não se pronunciar no prazo previsto no § 1º. Como se vê, a prática atual converte abstenções em votos computados em favor do entendimento do relator.
Como bem assentou a OAB,
Estivéssemos a falar em plenário físico, a situação não seria a mesma. Pelo contrário, em sessões presenciais, exige-se manifestação expressa dos julgadores para o cômputo dos votos. Aliás, na excepcionalidade de não se manifestarem, o rito impõe que a ausência esteja expressa na ementa do julgado, como não raro se vê.
Relembra também a OAB que,
em situação semelhante, o STF regulamentou as abstenções virtuais de maneira a não computar a ausência de manifestação para fins de não conhecimento de recurso extraordinário por ausência de repercussão geral. Com efeito, a Emenda Regimental n. 31, de 2009, que determina a votação em meio eletrônico para acolhimento ou rejeição de repercussão geral, preceitua que, não atingido o número necessário para recusar o recurso, considerar-se-á existente a repercussão geral. Com isso, a abstenção não se dá em prejuízo dos jurisdicionados.
Portanto, não fosse pela exigência constitucional de fundamentação de todos os julgamentos e votos (art. 93, IX, da CF), tem-se ferida a própria isonomia no âmbito interno da Suprema Corte, com tratamentos desiguais e situações de abstenções e ausências de ministros em julgamentos virtuais,
A questão que se coloca é: em o STF revogando o aludido dispositivo, o que acontecerá com os julgamentos feitos até hoje nesses moldes e que acabaram traduzindo prejuízo ao requerente?
Mais: se essa disposição legal — molde resolução — estiver reproduzida em outros tribunais, urge que essa alteração também os atinja.
Parece um tanto óbvio que, em se tratando de um julgamento, somente se possa computar como voto efetivo aquele que tenha sido proferido.
Não se pode concordar com “voto por omissão”. Uma coisa é uma ausência contar como “voto omisso”, por exemplo, se existir o quórum mínimo para um julgamento. Nesse caso, os que faltaram, de fato, contam. Só que contam para que o julgamento não se realize.
Bem diferente do caso da Resolução aqui comentada. O voto não votado conta a favor do relator. Se o relator votou contra o pedido da parte, esta perde sem jogar.
Como todos sabem, o primeiro grande julgamento da história ocorreu na mitologia grega. Orestes matou a mãe. Seria trucidado pelas Eríneas, as deusas do ódio (que hoje estão todas nas redes sociais), porque a regra era a vingança. Orestes conseguiu um julgamento. Palas Athena, a juíza, institui o tribunal (vale a pena ler a sua conclamação aos jurados). O resultado final foi um empate.
O primeiro in dubio pro reo da história da humanidade. Lá o empate físico contou a favor do réu.
Tenho a certeza que aqui também será assim.
Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.
Deixe um comentário
Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados com *