Por Fausto Macedo
Aos 78 anos, 53 de carreira, Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado, recebe tributo de 57 juristas, penalistas, constitucionalistas e jornalistas – um livro que acentua um traço do velho criminalista, a obstinação pelo direito de defesa e contra o arbítrio
Após 53 anos de uma carreira notável, o advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira tornou-se merecedor de tributo que o comove. ‘A Defesa’, livro em sua homenagem, reúne detalhes e histórias do criminalista destacado, protagonista e colecionador de triunfos importantes nos tribunais País afora.
A obra foi pensada meio que por acaso, durante um almoço em um restaurante nos Jardins, em São Paulo. Após um bom vinho, dois senhores elegantes acomodados a uma mesa de canto alimentaram a ideia da veneração ao grande advogado que, com sua atuação, norteou gerações da advocacia – inclusive eles próprios, José Luís Oliveira Lima e Celso Vilardi, os coordenadores da surpresa ao decano.
Era setembro de 2022. “Vamos fazer um livro sobre o Mariz, ele merece por tudo o que representa para a classe”, decidiram Oliveira Lima e Vilardi, seguidores da escola Mariz.
O resultado daquela conversa de mesa é uma obra de 374 páginas que abarcam 57 relatos em primeira pessoa, ilustradas com 41 fotos que nos convidam a um passeio pela incrível história de Mariz, desde a infância – no colo do pai, seu alicerce, o doutor Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, advogado e, depois, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo – até onde chegou.
O lançamento de ‘A Defesa’ (Editora Migalhas) será no dia 30, uma quarta, às 18 horas, na Casa de Portugal, Avenida Liberdade.
Em 1970, quando Mariz deu início à sua jornada, Oliveira Lima e Vilardi tinham quatro anos de idade. À sombra dos anos de chumbo, o Brasil amargava uma era de medos e incertezas. Os porões ferviam. Desde então, o jovem criminalista já revelava uma peculiaridade, o destemor.
‘A Defesa’ não é um livro que resgata detalhes de causas e afins da vida de Mariz. Nem é essa a proposta. As páginas esmiúçam um traço específico de sua performance, a preocupação obstinada com a defesa, ‘a que todos têm direito’.
Depõe para ‘A Defesa’ um plantel de juristas, constitucionalistas e penalistas, nomes iluminados da advocacia. A Mariz se curvam.
Também escreve o jornalista Elio Gaspari. Um dos prazeres de Gaspari é almoçar com Mariz. “O gosto pela História e uma certa distância da erudição fazem de Mariz um tipo simples, encantador e raro”, define.
Marcelo Martins de Oliveira, criminalista, empresta ao veterano o papel de ‘advogado da advocacia’. Não por acaso, Mariz é aclamado defensor da profissão que abraçou em 1969, quando formou-se pela PUC São Paulo.
Sua atuação, atestam, vai além da defesa de clientes – rol a perder de conta, diga-se -, mas, principalmente, em defesa da própria Advocacia. Daí o título da obra – por sinal, uma sugestão dele próprio, tão logo comunicado que foi do preito.
“É um irrequieto”, diz Eduardo Pizarro Carnelós. “Não consegue ficar inerte diante de injustiças, muito menos de ataques às prerrogativas profissionais da advocacia.”
Michel Temer, amigo, toma a palavra. “(Mariz) é a corporificação da ideia de defesa. Defesa nos tribunais, defesa do sistema democrático e dos direitos e garantias individuais.”
Quem não ouviu falar das ‘marizadas’? Aloísio Lacerda Medeiros, advogado criminal que também foi presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e conselheiro federal da OAB, destaca em sua fala um traço peculiar de Mariz: o homem tem ‘pavio curtíssimo’.
Com uma ressalva. “A nuclear capacidade de explosão temperamental de Antonio Cláudio é a mesma capaz de fazê-lo reconhecer que exagerou.”
Durão, sim, mas acolhedor. Sobretudo quando o preclaro sua confiança e apreço conquista.
Sérgio Rosenthal, mestre em Direito Penal pela São Francisco, relembra que ‘há mais de vinte anos’ Mariz ensinou que a classe ‘deve reagir, exigindo com determinação o mais absoluto respeito à Constituição, à ordem jurídica, aos direitos humanos, à justiça social e às suas prerrogativas’.
Paulo Sérgio Pinheiro, membro da Comissão Arns, ex-ministro de Direitos Humanos (Governo FHC) e reconhecido por sua rigorosa vigilância na defesa dos oprimidos, guarda na memória um alerta do criminalista. “Os autoritários não gostam de nós, sejam eles de que naipe for: pequenos autoritários, grandes autoritários, médios autoritários. O déspota nunca gostou de nós.”
“A linha permanente que lhe dá rumo para o lado certo é a resistência ao arbítrio”, diz Paulo Sérgio Pinheiro.
Aos 78 anos, quatro filhos – Renata, Juliana, Fernanda e Fábio -, seis netas, casado com Ângela, foi presidente da Associação dos Advogados de São Paulo e da Secional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil. É conselheiro vitalício do São Paulo Futebol Clube, paixão desde sempre.
A letra fria dos códigos e da lei não o empederniu. Emociona-se com certa facilidade. Quando soube que seria o personagem – único – de ‘A Defesa’, não se conteve.
Aprecia a boa leitura, tem gosto pela escrita, crônicas o fascinam.
Redige tudo à mão, acreditem, desafeto que é do computador, como confirma papelada espalhada sobre sua mesa no escritório da Alameda Santos e na biblioteca de casa – que também faz as vezes de escritório – onde despacha, inclusive aos domingos, após o almoço em família.
Nesses ambientes onde o velho criminalista busca inspiração e ali se isola encontram-se à farta esboços de petições que irão aterrissar nos gabinetes de juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores e também rabiscos e ensaios singelos, despretensiosos – textos que logo estarão no site jurídico Migalhas, fundado por Miguel Matos, jornalista, advogado, escritor, CEO da publicação e amigo de Mariz.
FALA, MARIZ
Antonio Cláudio Mariz de Oliveira viveu 53 de seus 78 anos para a Advocacia. Construiu carreira, nome e reputação que poucos alcançaram. Reveses conheceu, sim, e deles tirou ensinamentos para não se perder nos labirintos do mundo forense.
“Uma surpresa, uma grande surpresa, algo que mexeu muito comigo, me deixou muito sensibilizado”, declarou Mariz à reportagem do Estadão ao comentar ‘A Defesa’, homenagem a ele e a sua história.
Mariz admite que não se conteve ao saber detalhes do laurel que os colegas e amigos lhe dedicam. Ele chorou.
“A gente perde muita coisa com a idade, inclusive o controle lacrimal”, ele diz, entre risos.
Ficou ‘muito sensibilizado’ com a evocação que fazem de sua trajetória.
Comoveu o grande criminalista, em especial, a citação recorrente ao desembargador Waldemar Mariz de Oliveira Júnior. “Falam de meu pai carinhosamente, respeitosamente.”
“Agradeço ao Juca (Oliveira Lima) e ao Vilardi, particularmente, que organizaram o livro. Não interferi em nada. Eles conseguiram, de forma muito correta, fazer a junção da defesa com minha atuação.”
Nas páginas de ‘A Defesa’ algumas passagens o marcam, como sua identificação com o direito de defesa. “Me colocaram como porta-voz do direito de defesa.”
“Escolhi a advocacia criminal desde cedo”, conta. “O advogado é o homem que fala por quem não tem vez e não tem voz. É um prêmio a quem sempre exerceu a defesa. Colegas veem o direito de defesa personificado na minha pessoa e na minha conduta. Isso me deixa profundamente orgulhoso e feliz. É quase missão cumprida.”
Mariz destaca que todos os convidados a escrever para ‘A Defesa’ responderam imediatamente. Lhe disseram que em ‘meia hora sentaram na máquina e fizeram o texto’.
“Isso revela que as pessoas gostam de mim, têm uma ligação comigo, seja lá de que natureza for, de simpatia e respeito.”
Ele aponta para o relato de Dora Cavalcanti, a advogada destemida que, em 2021, encabeçou uma chapa na corrida pela presidência da OAB em São Paulo. Entre os apoiadores de Dora estava um elenco de dezenas de criminalistas muito próximos de Mariz. O decano, porém, não a apoiou.
“Sou insuspeita”, fala Dora. “A posição do Mariz (naquela eleição) em nada diminuiu minha admiração e meu carinho por ele.”
Chama a atenção da advogada no perfil do decano a indignação. “Indignação diante do arbítrio, do julgamento rápido, da opinião banal”, resume Dora.
Ignácio de Loyola Brandão, cronista do Estadão, depõe. “Mariz substitui em amizade, gentileza, inteligência, fidelidade, humor, meus amigos de uma vida que já se foram.”
Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é tudo isso e mais ainda, nas palavras de Renata, Juliana, Fernanda e Fábio, seus filhos. “Nosso pai é um ser vocacionado. Ele nasceu para ser advogado, tem alma de defensor incansável, postura de ator de tribuna, voz de brilhante orador.”
Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.
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