Desde 2006 afirmo que o Conselho Nacional de Justiça não tem o poder que acha que tem. Mas o STF disse que o CNJ tem razão em achar que tem um poder que não tem. O resto sabemos. O CNJ cria leis e assegura os penduricalhos tão criticados na mídia.
A cada dia os advogados sentem na pele esse poder auto outorgado pelo CNJ. Esse poder é tão imenso que no Regimento Interno o CNJ extinguiu o direito de interpor embargos de declaração. Contra legem.
Agora, pela “lei” editada pelo CNJ, a partir de 2025 todos os processos jurisdicionais e administrativos em trâmite em órgãos colegiados poderão, a critério do relator, ser submetidos a julgamento eletrônico.
Quanto à sustentação oral, o causídico pode remeter… via vídeo.
Fico imaginando o ministro ou o desembargador sentado em sua sala olhando a sustentação, em vez de assistir a Netflix no final de semana. Ou no tribunal. Entra um servidor e o magistrado diz: “Não faça barulho, estou assistindo dez sustentações orais”.
Ficções da realidade, realidade das ficções.
O que diz a Constituição sobre o poder do CNJ e CNMP? Art. 103-B, da CF: […] – (…) “zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências”; (Nota: CNMP, idem)
Em que parte da Constituição está escrito que o CNJ pode fazer regras de processo, como transformar sustentações orais em compilação de vídeos-que-ninguém-verá? Pior: transforma todos os julgamentos em virtuais. Isto é, praticamente secretos.
É disso que se trata. Vamos falar a sério. A paciência dos advogados é, mesmo, muito elástica. Advogar não é só para fortes. Advocacia é o exercício de humilhação cotidiana. Até o meirinho quer “mandar” no causídico.
Num elevador ouviu-se, um dia desses, na voz de um assessor para outro: “Não costumo deferir embargos. São uma chatice”. Bingo…
Shakespeare sabia das coisas. Na peça Henry VI, o açougueiro Dick sugere: “Kill al the lawyers” (matem todos os advogados).
Era uma boa ideia, pois não?
Assim a coisa vai. O CNJ foi criado para tratar de/e com juízes. Não pode legislar sobre os direitos dos demais cidadãos. Mormente não pode retirar direitos dos cidadãos e dos seus causídicos. Não lhes parece elementar?
Mais. Há quase 20 anos alertei, com outros juristas, que o poder “regulamentador” dos Conselhos esbarra na impossibilidade de inovar. As garantias, os deveres e as vedações dos membros do Poder Judiciário e do MP estão devidamente explicitados no texto constitucional e nas respectivas leis orgânicas. Qualquer resolução que signifique inovação será, pois, inconstitucional.
No caso, a mais recente resolução interfere nos direitos das partes de acesso pleno à justiça e nas prerrogativas dos advogados. Um julgamento colegiado presencial é um direito indiscutível e fundamental. Ou alguém duvida disso?
Urge, pois, que a comunidade jurídica resista. Somos muitos. Não vamos nos entregar assim. Afinal, esse não é o único problema da advocacia. É a ponta do iceberg nestes tempos de opção pelas efetividades quantitativas em claro detrimento às efetividades qualitativas.
Esses advogados… teimam em atrapalhar o judiciário…
Dick, o açougueiro, estava certo?…
Artigo publicado originalmente no Espaço Vital.
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