Por Luísa Martins, Isadora Peron e Beatriz Olivon
Daniela Teixeira é a primeira mulher em uma década a ocupar uma vaga na Corte
A posse da ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Daniela Teixeira, na semana passada, quebrou um jejum de uma década sem nomeações femininas para a Corte. Em entrevista ao Valor, Daniela afirma que, no que depender dela, esse hiato não vai mais se repetir – nas listas para as duas vagas que estão abertas no tribunal, seu voto será destinado a mulheres, anunciou.
“Ninguém vai me convencer de que não existam duas mulheres, neste Brasil inteiro, que estejam capacitadas para atuar no STJ. Não existe tribunal da cidadania sem mulheres, principalmente nas instâncias inferiores – o Supremo Tribunal Federal é algo muito longe do cidadão”, diz a nova ministra, que, aos 51 anos, é a mais jovem magistrada da atual composição.
Aliás, Daniela quer simplificar a linguagem rebuscada que domina as relações no Poder Judiciário. “A minha chegada é uma expressão de juventude e eu acho que é necessário evoluir, trazer um ar de mudança”, afirma. Como ex-advogada, também deseja imprimir um ritmo mais acelerado para o acervo de seu gabinete, decorado com móveis próprios, uma bandeira do Flamengo e enfeites de Natal.
A ministra tem analisado cerca de 70 liminares por dia sobre tráfico de drogas. Ela demonstrou inquietação com o fato de o Judiciário ser tão demandado para casos em que a quantidade de entorpecente é menor que a de um “sachê de açúcar”. Daniela criticou o Ministério Público por recorrer de todos os casos – “o sistema está colapsando” – e defendeu que o STF de fato diferencie o traficante do usuário, julgamento que deve ocorrer em 2024.
O recorde de casos é sobre tráfico de drogas, 1/3 do acervo. É o tempo do Judiciário gasto nisso”
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: A senhora tem um modo mais informal de se comunicar. Pretende se adaptar às formalidades do cargo de ministra?
Daniela Teixeira: Não. Minha esperança é de que o Judiciário deixe de falar assim. Mandei bombons para todos os ministros quando tomei posse, e no cartão assinei “um abraço, Dani”. Meu jeito informal é público, e todos sabiam disso antes de aprovarem minha chegada. Não enganei ninguém. Eu realmente acho que é necessário evoluir. A minha chegada é uma expressão de juventude, traz um ar de mudança.
Valor: A senhora herdou o acervo do gabinete de Félix Fischer, que era o relator da Lava-Jato no STJ. Ainda há alguma pendência da operação?
Daniela: Nada, zero. Tudo já foi para o Supremo. Se você for considerar os crimes financeiros em geral, de prefeitos suspeitos de desvios de verba, por exemplo, são só 160 processos, o que corresponde a 1,2% do gabinete. Eu fiquei desesperada com a quantidade de casos de estupro de vulnerável, são 511 processos. Nunca imaginei esse volume. Mas o recorde de casos é sobre tráfico de drogas. São mais de 3,5 mil, o que significa quase um terço do acervo. Chegam 70 pedidos de liminar por dia para mim sobre isso. Me preocupa a judicialização de tantos casos envolvendo pequenas quantidades. É o tempo do Judiciário sendo gasto para tratar disso, em vez de focar em crimes que efetivamente preocupam.
Valor: Em que medida a sua carreira na advocacia pode contribuir para a sua atuação como juíza?
Daniela: O principal é a pressa. Saber que é urgente. Talvez alguém que não venha da advocacia não saiba a urgência de haver um réu preso. Em seis dias úteis, julguei 764 processos, entre liminares, sessões virtuais e presenciais. Dos 190 da sessão virtual, eu divergi só de cinco, o que significa que os ministros pensam como eu – e que eu não sou mais garantista do que eles.
Valor: O STJ tem hoje só cinco mulheres em sua composição, que tem mais de 30 ministros. Como a senhora se sente?
Daniela: É bem difícil. Na primeira sessão, pedi que meus acertos fossem creditados à Universidade de Brasília, a quem devo tudo, e que meus erros não fossem atribuídos ao meu gênero.
Valor: E o que a senhora achou da indicação de Flávio Dino ao STF?
Daniela: Não posso falar. Se a vaga estivesse aberta, eu poderia dizer o que eu pensava, mas ele já foi indicado, e como ministra do STJ não posso criticar. É o ministro da Justiça, uma pessoa qualificada. Já no STJ, tem duas vagas abertas, uma para representante do Ministério Público e outra da magistratura federal. Eu certamente votarei em mulheres nas duas listas. Ninguém vai me convencer de que não exista uma promotora e uma desembargadora, neste Brasil inteiro, capacitadas para serem ministras do STJ.
Valor: E há espaço para convencer os ministros homens?
Daniela: Tem muito espaço, sim. E eu vou fazer esse papel, que já tenho feito, de falar e falar, até ouvirem. O STJ é o tribunal da cidadania. Decide, por exemplo, sobre o melhor interesse das crianças. É muito importante que haja mulheres decidindo sobre isso. Não pode ser considerado um tribunal da cidadania se é formado apenas por homens. Eu vou sempre pedir por mais mulheres, por paridade no Judiciário. Há muitos ministros homens que são aliados, que reconhecem que o Judiciário está muito masculinizado. Tem Tribunal de Justiça que tem mais “Luiz” do que mulher. Isso é uma calamidade. É mais importante ter mulheres na segunda instância, nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais do que no STF. São esses tribunais que decidem a sua vida, o seu despejo, a guarda do seu filho e a abertura da sua empresa. O Supremo é algo muito longe do cidadão comum.
Valor: A senhora mencionou a alta quantidade de processos envolvendo réus presos por porte de pequenas quantidades de droga. Há possibilidade de isso mudar?
Daniela: Precisa mudar. Eu mudei muito de percepção nesta última semana. Continuo sendo radicalmente contra as drogas, mas alguma coisa precisa ser feita, porque está inviabilizando o Poder Judiciário. A lei não faz distinção do que é porte e do que é tráfico, então fica a cargo de cada juiz. Além disso, o Ministério Público recorre demais, e esse é um dos principais problemas. Uma pessoa foi condenada na primeira instância a regime aberto, o MP recorreu e a sentença mudou para regime fechado. Sabe quanto ela carregava de droga? Seis gramas. É menos que um sachê de açúcar. É um absurdo mobilizar o Estado para isso.
Valor: Qual seria a solução?
Daniela: O MP não denunciar. É claro que seis gramas configura porte, não deve ser denunciado. O promotor é obrigado a recorrer, sob pena de cometer falta funcional. Mas deveria haver alguma diretriz, vinda de cima, para evitar recursos absolutamente incabíveis. Algum acordo.
Valor: A senhora vai sugerir isso oficialmente?
Daniela: Não cabe a mim, teria que haver uma proposta da presidência. Cheguei há poucos dias, tenho que trabalhar, cuidar do meu gabinete, do meu quadradinho. Mas seria uma excelente ideia.
Valor: O Supremo vai decidir, no próximo ano, sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. Como essa decisão pode impactar esses processos?
Daniela: Vai ajudar, porque vai dar um critério objetivo. Se até 50 gramas for considerado porte, posso soltar todo mundo que está preso em razão de quantidade menor. 80% das liminares que eu dei se referem a tráfico de quatro ou cinco gramas. Hoje, a pessoa flagrada com seis gramas e a que foi pega com 400 quilos – o que realmente preocupa – estão presas no mesmo presídio. Isso também vale para pequenos furtos. Um homem furtou oito frascos de xampu, no valor de R$ 93, e acabou devolvendo. Qual foi o prejuízo? Nenhum, e está preso há um ano e três meses. O MP recorre até da remição de pena de quem estudou. É uma falsa sensação de Justiça, porque o sistema está colapsando. Comemora-se a prisão, mas a máquina não anda, pelo excesso de casos assim.
Valor: A sua campanha para o STJ foi bastante criticada, e o Senado chegou a apurar algum possível favorecimento. O que a senhora tem a dizer?
Daniela: Não tenho nada a dizer. Eu estou sentada na cadeira de ministra e não guardo mágoas. A questão do Senado, eu não sei, ninguém me explicou, acho que foi um equívoco. Ouvi que seria uma manobra para eu ser presidente antes dos outros dois novos ministros, mas nenhum deles chegará à presidência, pois vão se aposentar aos 75 anos, antes de chegarem lá.
Valor: A senhora poderá ficar por 24 anos no STJ. Como vê o futuro?
Daniela: Eu não vivo pensando nisso. Eu só vou ser presidente do STJ no longínquo ano de 2042. Não vou planejar minha vida para daqui a 20 anos. Eu posso, em dez anos, acabar não gostando disso aqui e querendo ir embora. Muitos escolhem esse caminho.
Entrevista publicada originalmente no Valor Econômico.
1 Comentario
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carlos
16/12/2023, 20:54gostaria de enviar uma denuncia ao grupo prerrogativa.
Trata-se de conduta ilegal de juízes federais e procuradores da republica em processo de natureza criminal para acobertar atos ilícitos de Agente Político Juiz Marco Aurélio CASTRANNI e outros (militares do exército)
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