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Nosso Plano Cohen de cada dia

Nosso Plano Cohen de cada dia

Não podemos ficar reféns do medo de um eterno golpe pairando no ar

Com destaque, a coluna Painel, desta Folha, noticiou em 17 de abril a existência de um suposto dossiê “com informações de inteligência de que Rodrigo Maia (DEM-RJ), o governador João Doria (PSDB-SP) e um setor do STF estão tramando um plano para dar um golpe” contra o presidente da República. Não é a primeira vez que se ouve falar nisso e, mais grave, sem qualquer prova.

Nas redes sociais vemos e ouvimos todo tipo de coisa: de gente no estádio do Pacaembu mostrando que não há nada de anormal e que o “coronavírus é coisa de comunista” até um áudio afirmando que há um “plano chinês”, vindo do “Partido Comunista chinês”, que cooptou vários parlamentares, governadores do Nordeste e, principalmente, “o João Doria”, que encabeça tudo. Sustenta-se que o PC do B apoiaria “o Maia” para presidente e estão aproveitando a doença para arrebentar com o país causando pânico, interrompendo o trabalho e, depois, jogar a culpa no Bolsonaro. E aí “a China deve estar prometendo dinheiro para reconstruir o país”.

Como não poderia deixar de ser, o áudio termina dizendo que “é preciso apoiar o Bolsonaro, pois, do contrário, vai ruir a República”.

O denominado Plano Cohen, urdido pelo então capitão Olympio Mourão Filho, em 1937, serviu de justificativa para o golpe do Estado Novo naquele mesmo ano. No dia 30 de setembro de 1937, o general Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército, noticiou na Hora do Brasil a descoberta de um plano cujo objetivo era derrubar o presidente Getúlio Vargas. Segundo o general, o Plano Cohen, como passou a ser chamado, tinha sido urdido pelo Partido Comunista Brasileiro e por organizações comunistas internacionais, todos mancomunados.

Elio Gaspari, citando as memórias do general Olympio, refere elucidativa passagem na qual o militar dizia “só numa nação de boçais como a nossa uma besteira deste jaez pode progredir” (“A Ditadura Envergonhada”; ed. Cia. das Letras, p. 67).

Se a história parece querer repetir-se como farsa, ou não, é algo a ser conferido. O certo, porém, é que não podemos ficar reféns do medo de um eterno golpe do chefe do Executivo pairando no ar; aliás, é a democracia e seu regime que não podem se sujeitar a esse tipo de baixeza política, pois isso, mais que travar a legítima movimentação política, inclusive de contestação ao governo, impõe a dominação pelo medo, que é a antítese do Estado de Direito.

Sintomaticamente, no último dia 18, o presidente da República, na frente do Palácio do Planalto, volta a carga contra outros Poderes da República a pregar, impunemente, a desobediência. Dia 19, idem.
Agora, com a traumática saída de Sergio Moro, surge um novo manancial para o impeachment.

Escolher entre ficar refém de uma espécie de morde e assopra do presidente da República, cedendo ao despotismo e à irracionalidade, ou impor consequências a falas e condutas irresponsáveis, quando não criminosas nos termos da Lei de Responsabilidade (1.079/50), é algo que já passou da hora.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo.

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