Sob a legalidade constitucional, não há consequências imprevisíveis. O Estado de Direito tem como pedra de toque a submissão das autoridades estatais aos estritos ditames oriundos da Constituição e das leis. Isso envolve necessariamente o equilíbrio entre os poderes e a autocontenção de cada uma de suas esferas. Levados às últimas consequências os atributos específicos dos diversos poderes, numa progressão que os potencialize, haveremos de encontrar a subversão institucional, nociva à preservação da integridade organizativa do Estado, a provocar sérias feridas em sua legitimação perante a sociedade.
Sob a perspectiva de harmonização entre os poderes, soam estranhas as chantagens explícitas, como também as ameaças veladas e até mesmo as bravatas constrangedoras. Os conflitos interinstitucionais, num ambiente de estabilidade democrática, somente encontram espaço de resolução perante as normas constitucionais, cuja observância sóbria e reverente é o mínimo que se espera dos mandatários e das demais autoridades constituídas. Na medida em que sobrevenha o desafio precipitado e irresponsável à precedência da ordem constitucional, mesmo que imantado por alguma interpretação esdrúxula, quem se rebaixa não é a autoridade ou o poder fustigado, mas sim aquele agente que desborda dos limites legais que justificam a sua posição oficial.
Da mesma forma que repelimos com veemência os desvios que grassaram nos últimos anos em atuações judiciais exorbitantes e anômalas, não poderíamos nos calar diante da atual e perigosa escalada de arroubos autoritários e agressões despropositadas ao Supremo Tribunal Federal, protagonizadas por setores do Poder Executivo e por seu entorno de apoiadores. Há nítida situação de Contempt of Court, isto é, um ataque à Corte, que deve ser enfrentado com veemência pelos democratas.
Da mesma forma que caberia ao Supremo, tempos atrás, interromper o avanço do germe punitivista, disseminado à custa da conservação de direitos fundamentais e das fronteiras institucionais entre Justiça e acusação, agora repousa na responsabilidade constitucional daquele Tribunal a tarefa de garantir a incolumidade das suas funções, à margem de quaisquer acenos de arbítrio ou gestos de hostilidade aos seus membros.
Se ao Presidente da República, aos seus Ministros de Estado e aos seus seguidores, no Parlamento ou fora dele, faltam as noções mais elementares de submissão à legalidade e respeito às demais instituições, cumpre que se exercite a resposta eloquente que deriva da absoluta supremacia do texto constitucional. E tal firme contestação deverá unir a sociedade civil e as autoridades detentoras de plena consciência do seu dever, a inibir que prevaleça a lógica abominável da força bruta ou da incapacidade para a convivência democrática.
A ocupação de instâncias de poder não exime autoridades, ainda que livremente eleitas, da sua subordinação, em termos constitucionais e legais, a investigações e apurações que sirvam ao esclarecimento de fatos relevantes aos olhos da sociedade. Para isso, a Constituição concebeu um Poder Judiciário estruturado, encimado pelo Supremo Tribunal Federal, cuja competência não poderá sofrer amputações ou interdições, senão funcione limitado pela estrita consideração aos direitos fundamentais assegurados aos acusados e aos procedimentos preconizados pela legislação aplicável.
Diálogo institucional e respeito mútuo não se alimentam de dissimulações, tampouco de condicionamentos inaceitáveis, que restrinjam o exercício juridicamente fundamentado das competências judiciais. É hora de arregimentarmos em uníssono as pregações legalistas e democratas, para que seja eliminada de uma vez por todas a peste autoritária, sedutora apenas aos ouvidos dos farsantes, que jamais professaram com sinceridade o credo da Constituição.
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