Metáforas e alegorias nos ajudam a entender o mundo. Até néscios conseguem, na maior parte das vezes, entender uma alegoria. Néscios e linóstolos são paradoxais: ou é alegoria ou a escuridão.
Então. Li a Alegoria da Sinfonia Inacabada na internet e penso que encaixa como uma luva. Não há autoria certa. Vejamos:
O chefe do Departamento de Reengenharia ganhou um convite do presidente da Empresa para assistir a uma apresentação da “Sinfonia Inacabada” de Franz Schubert, no Teatro Municipal.
Como estava impossibilitado de comparecer, passou o convite para o seu gerente de Organização, Sistemas, Design e (Neo)Gestão, pedindo-lhe que, depois, enviasse sua opinião sobre o concerto (com c), porque ele iria mostrar ao presidente.
Na manhã seguinte, quase na hora do almoço, o chefe do Departamento recebeu, do seu gerente, o seguinte relatório:
1— Por um período considerável de tempo, os músicos com oboé não tinham o que fazer. Sua quantidade deveria ser reduzida e seu trabalho redistribuído pela orquestra, evitando esses picos de inatividade.
2 — Todos os doze violinos da primeira seção tocavam notas idênticas. Isso parece ser uma duplicidade desnecessária de esforços e o contingente nessa seção deveria ser drasticamente cortado. Se um alto volume de som fosse requerido, isso poderia ser obtido através de uso de amplificador.
3 — Muito esforço foi desenvolvido em tocar semi tons. Isso parece ser um preciosismo desnecessário e seria recomendável que as notas fossem executas no tom mais próximo. Se isso fosse feito, poder-se-ia utilizar estagiários (ou robôs) em vez de profissionais.
4 — Não havia utilidade prática em repetir com os metais a mesma passagem já tocada pelas cordas. Se toda essa redundância fosse eliminada, o concerto poderia ser reduzido de duas horas para apenas 20 minutos. Seria um music design.
5 — Enfim, sumarizando as observações anteriores, podemos concluir que: se o tal Schubert tivesse dado um pouco de atenção aos pontos aqui levantados, talvez tivesse tido tempo de acabar a sua sinfonia.
6. — Resumindo: esse “tal” de Senhor Schubert — do qual, aliás, nunca ouvi falar — desperdiçava tempo e materiais. E era um imbecil. Um retrógrado. Um dissonauro.
Assinado: Gerente de Organização, Sistemas, Design, Visual Law e (Neo)Gestão (obs.: a assinatura era eletrônica).
Eis a metáfora dos novos tempos. A estorinha é autoexplicativa. Nem precisaria ter escrito a Coluna.
Numa palavra final
Como se lê em Grande Sertão: Veredas — sim, esse livro de Guimarães Rosa que não dá para resumir nem desenhar:
“A água só é limpa nas cabeceiras… O mal ou o bem estão em quem faz. Não é no efeito que dão. O senhor ouvindo, me entende!”
Como há hoje um frisson em torno de legal design e visual law, a historinha acima mostra, esculpido em carrara, o que é a tal simplificação.
E é uma resposta a quem escreve direito desenhado (também pode chamar em inglês).
E para quem pensa que o direito pode ser estudado, escrito ou aplicado sem as partes complexas ou quejandos. Sem as partes difíceis. Sem as partes ditas “chatas”.
O direito também é como uma orquestra sinfônica. Enfim, não vou explicar a alegoria. Não se faz alegoria de alegoria e nem se metaforiza uma metáfora.
Neste mundo de simplificações e de ode à mediocridade (o número de tolos e néscios aumenta a cada dia de forma impressionante), eis acima o que penso.
No mais, qualquer coisa apelemos ao filósofo Avicena:
“Um sábio sabe a diferença entre as coisas certas e as erradas. O tolo ou néscio não sabe disso. Solução: bata-se nele com um chicote até que ele grite: “basta, basta: isso é errado”. Pronto. Agora ele aprendeu a diferença entre o certo e o errado.”
Metáforas, metonímias e alegorias…!
Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.
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