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O Tempo, o senso e a justiça

O Tempo, o senso e a justiça

O HUMANO SENSO DE JUSTIÇA

Desde quando os registros da presença humana na terra começaram a ser feitos, destaca-se tanto a notícia de uma organização básica da vida compartilhada, como um conjunto de regras e normas, em dados que evidenciam a racionalidade humana.

De fato, os rudimentos da filosofia antiga, que chegam aos nossos dias pelos relatos da história, dão conta de uma trajetória em que foram se aprimorando os comandos normativos, na medida em que a civilização foi se sedimentando e os costumes “bárbaros” deram lugar a formas mais justas e civilizadas de solução dos naturais conflitos humanos.

Os delitos, aqui em sentido lato, naturalmente acompanharam a história da humanidade, definindo-se pelos valores prevalentes em dados momentos e lugares.

O que sabemos é que determinadas formas de castigo, por exemplo, foram abandonadas aos poucos, em favor de penas menos degradantes e cruéis; o ser humano cresceu em compreensão sobre os limites do que se pode infligir de pena a outro ser humano.

Com um simples correr de olhos na história, podemos recordar – não apenas para exemplificar, mas porque não devemos esquecer – dos tempos em que castigos físicos severos eram impingidos aos povos negros que escravizamos.

Os sistemas de justiça acompanharam os tempos, mas, no Brasil, o sistema penal brasileiro constituiu-se sobre um modelo que, conforme analisaremos mais adiante, ainda nos dias atuais permanece sem grandes modificações.

Os julgamentos e condenações continuam pautados no mesmo modelo que já não parece atender adequadamente às exigências de uma sociedade que não mantém fronteiras tão densas e fixas como ocorria na década de 1940, quando os códigos Penal e de Processo Penal foram concebidos, embora tenham sido atualizados em pontos específicos no decorrer dos anos, em razão de algum clamor público do momento.

O fato é que se espera, em geral, que um sistema de justiça possa imprimir sentido e valores à vida de um povo; possa constituir um modelo de virtude desenhado pelo Estado e inspirador da conduta humana.

Somos seres de costume e, à exceção de algum alvoroço causado por um pouco de rebeldia, estamos sempre buscando a estabilidade de um paradigma, porque não é próprio do espírito humano encontrar conforto enquanto fica à deriva.

Advogado. Foi membro do Conselho Nacional de Justiça – CNJ por dois mandatos (2008/2012).

O momento grave que vivemos remete justamente à ausência de fé que experimentamos no sistema vigente que, aplicado, não tem sido efetivo para pacificar conflitos.

Podemos refletir sobre alguns aspectos que são capazes de influenciar os parâmetros atuais e que podem ser um caminho para trilhar pelas reformas necessárias.

Tomamos aqui em consideração, para analisar os julgamentos e condenações que recentemente tiveram curso no país, mais especificamente o julgamento do ex-presidente Lula, a influência da opinião pública, um sentido de urgência que tomou conta dos nossos dias, as métricas que temos usado para definir eficácia e eficiência da justiça e o modelo processual em que um mesmo magistrado que instrui o processo é o que julga.

A JUSTIÇA DA OPINIÃO PÚBLICA

“Todos têm direito as suas próprias opiniões, mas não aos seus próprios fatos”
(Senador Americano Daniel Patrick Moynihan)

Entre os pontos mais debatidos nas manifestações que se encontram nas redes sociais está a força e o poder da opinião pública.

Como o próprio nome diz, trata-se de “opinião” ou, do grego, “doxa”, que significa uma ideia ainda pouco definida sobre algo, uma conjectura, uma reflexão ainda não concluída, generalizada e baseada, naturalmente, na estrutura de conhecimentos e
valores de uma determinada comunidade.

Bem por isso, triste e pobre é a justiça que mais considera a opinião pública do que os ditames da razão construídos ao longo dos séculos.

A opinião pública, porque ainda não está inteiramente sedimentada em um juízo, é volúvel e pode estar amparada exclusivamente no instável sentimento das emoções.

Nada pode ser mais mutável que a opinião pública que já passou, por exemplo, da condenação absoluta do militarismo no Brasil em um dia para a defesa da ideia de o exército tomar conta das ruas, quando grassaram pelo país as manifestações populares nas últimas crises sociais e políticas que vivenciamos.

A opinião muda de lugar e muda de pensamento, porque não está formada, não é consistente, não tem raízes profundas.

Já houve muito debate sobre o boato. E o boato pode ser a emissão de uma notícia nascida da simples opinião do seu autor sobre determinado fato, como pode ser um fato inverídico e maléfico, lançado com o objetivo de causar uma determinada reação.

São tempos difíceis porque as notícias, tanto as verdadeiras como as falsas e tendenciosas, podem alcançar a grande massa e converter milhares de pessoas a uma causa falsa ou deturpada.

Não é preciso dizer que a justiça não pode se filiar à boataria, nem pode formar seu juízo sobre uma causa com base no que se debate nas mídias sociais. Seria um poço sem fundo de injustiças, se por ela se guiassem os magistrados.

Um outro problema é que a opinião pública, não raro, cria verdades únicas sobre os fatos, deixando de atentar para os dois lados de uma questão, regra de ouro da justiça.

A verdade única, preconceituosa e deformada pela unilateralidade, já causou e ainda causa grandes conflitos, com terríveis consequências para a humanidade.

Foi a verdade única que forjou a ideia de que uma raça era superior as outras; também foi a verdade única que carimbou os negros e os índios e, por certo tempo, até as mulheres, como seres inferiores; é uma verdade única que opõe os povos no mundo inteiro e ainda origina guerras e conflitos internacionais, inter-raciais e religiosos, provocando grandes e irreparáveis injustiças.

Apesar do Brasil ser visto internacionalmente como uma nação pacífica, internamente enfrentamos diversas guerras e a única balança equilibrada é a da justiça, que assim deve se manter, acima de qualquer campanha que as mídias sociais e os meios de comunicação se proponham a realizar.

A URGÊNCIA DOS NOSSOS TEMPOS

Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida.

(Antonio Candido)

Outro ponto fundamental ao pensarmos no julgamento do ex-presidente Lula é o tempo. Das análises sobre a decisão judicial se extrai uma perplexidade sobre o tempo recorde em que se concluiu o processo no TRF 4, deixando processos mais antigos para trás.

É de se considerar que a máxima do capitalismo de que tempo é dinheiro, incorporou-se definitivamente no espírito do nosso tempo. É comum ver o sentido de urgência das pessoas, com inúmeras atividades no seu cotidiano, fazendo com que todas assumam o status de urgentes. Acordar, trabalhar, encontrar, responder as mensagens, ler as notícias: tudo urgente.

O Direito, que se realiza nas condutas cotidianas, não escapa a este sério distúrbio, sendo a morosidade da justiça tida como a mais grave crítica ao Poder Judiciário nas pesquisas realizadas entre a população.

São urgentes as causas, há emergência em tudo. E a população espera que tudo seja resolvido rapidamente, porque assim ocorre nas demais áreas da vida.

Curvado sob o peso da decisão imediata das demandas, das querelas, dos conflitos, dos impasses, o Poder Judiciário nem sempre consegue olhar adequadamente a celeuma, livre da opressão do tempo.

Mas o que é o processo célere, afinal? O processo precisa ser julgado com a celeridade justa, a celeridade da justiça e não a celeridade das estatísticas para dar satisfação à sociedade. Existem processos repetitivos em que uma mesma decisão solucionainúmeros casos idênticos, mas outros, ao contrário, não permitem uma mesma decisão e, muito menos, sem uma perfeita instrução processual. A justiça deve estar acima da opressão, mesmo que seja a opressão do tempo. Porque o tecido da vida é o tempo, afinal.

Apesar de desejar respostas rápidas, que atendam às suas urgências, o ser humano mais necessita é de justiça e, de justiça real, palpável, expressada em decisão inteligível.

Não pode o povo acolher decisões que não consegue entender. A aceitação deve nascer da compreensão e da soberana admissão da conclusão a que a justiça chegou. Ou inventamos uma nova forma de impor decisões que não se sustentam em seus
fundamentos.

E seria justo o resultado de um processo que “passa na frente” de outros tantos, já maduros para serem solucionados? Isto atende ao critério de justiça?

E seria justo o resultado de um processo julgado pelo nome na capa, seja para absolver, seja para condenar?

Seria justo o resultado de um processo em que os julgadores atentam, por exemplo, a incluir seu nome na história mais do que em observar as ritualísticas sacramentais dos atos encadeados na Lei para formar o conjunto probatório?

O grande filósofo e jurista François Ost, no seu “O tempo do direito”, retalha a análise do tempo em quatro dimensões, delas se destacando a memória, como aquilo que fica e que institui para o futuro, como marca boa e suficiente para um povo.

E é dele que vem a indagação: “entre a temperança, que é a sabedoria do tempo, e a justiça, que é a sabedoria do direito, qual é de fato a relação? E qual a contribuição para o ‘bom governo’?”

E esta é a pergunta crucial: há justiça sem temperança?

Sem o amadurecimento do tempo, sem a compreensão do tempo da Lei, há um homem ou um Deus capaz de julgar com clareza e com equidade?

O direito visto como instituidor do social, o direito como “discurso performativo, um tecido de ficções operatórias que redizem o sentido e o valor da vida em sociedade” é visível quando os julgamentos se fazem sem que se dê o tempo necessário?

Ost responde com esta sentença:

O importante é, antes, que um tempo próprio, carregado de um sentido
instituinte, seja mobilizado pela operação da norma jurídica. O tempo
do processo oferece disso uma boa aproximação. Tempo separado
daquele da vida real, estritamente regulamentado pelas prescrições do
ritual, ele permite ao julgamento desenvolver seus efeitos performativos
e instituintes: efeitos jurídicos (a condenação, a absolvição) e efeitos
sociais (o apaziguamento do conflito pelo mecanismo da catarse).

O que resulta na impossibilidade de aceitação do julgamento não amadurecido, no julgamento anterior ao julgamento processual. Esse que não convence e que impõe repensar.

O julgamento que se dá com base em prévias e preconceituosas visões sobre a pessoa julgada, por exemplo, é insuportável para a justiça, porque a corrompe em seu fundamento, que é a isenção, a capacidade de observar a controvérsia com os olhos inquiridores da verdade, sem nenhuma pré-concepção.

E nesta toada de desconsiderar o tempo, segue-se num ritmo que se descompassa da temperança, do amadurecimento. E os julgamentos se fazem precoces, alterados em sua grandeza, menores do que poderiam ter sido, temporãos e inaceitáveis.

O judiciário, aderindo a esse ritmo de urgência, tem optado pela celeridade em prejuízo a atos sacramentais, considerados pelo Estado Democrático de Direito como imprescindíveis.

Será que não é momento de refletir sobre uma certa celeridade forçada, que tem sido captada pela percepção popular? Não é tempo de interpretar se a defesa já tem o seu exercício formal e pleno atendido em todas as suas nuanças? Não é oportunidade de rever o processo penal brasileiro?

Se tratamos de um caso em que a acusação aponta crime que deixa vestígios, como podemos aceitar não ter perícia das partes e do juízo para dirimir as dúvidas e, assim, ter a certeza para uma condenação?

Precisamos retomar a busca incansável do processo justo e com todas as suas fases cumpridas para então falarmos de justiça!

A celeridade, a urgência, pode facilmente fazer com que a opinião antecipada sobre alguns atores do processo se torne verdade única; e nada pode ser mais violento do que o prejulgamento motivado pela adoção de uma versão como sendo a única verdadeira.

Neste momento em que vivemos uma etapa importante da evolução civilizatória, a acusação virou a sentença e a justiça virou a prisão. Está tudo errado. Precisamos, no mínimo, refletir sobre esses acontecimentos em que os fins de alguns justificam qualquer meio contra os outros.

Há um tempo para amadurecer, há um tempo propício, notadamente quando falamos em processo, cujas fases estão claramente definidas na Lei.

A emergência dos dias contados para dar satisfação à sanha pública de punição já não pode satisfazer à realização de uma justiça consciente, que exige imparcialidade, equilíbrio e equidade.

A REVOLUÇÃO DAS MÉTRICAS

Os tempos modernos também trouxeram as métricas, porque a urgência traz embutida a medição do tempo: tempo que precisa ser controlado.

Da nossa confiança na possibilidade de medir o desempenho de tudo chegou-se ao endeusamento de sistemas que podem garantir a avaliação adequada da melhor performance, desde a fábrica até os índices de sucesso educacional.

As organizações passaram a ser “ranqueadas” e acirraram seus processos de concorrência, jogando com tudo para ocupar o primeiro lugar.

Na arena privada do mundo empresarial essa cena se desenrola sem muito controle, mas o problema ocorre quando as métricas invadem furiosamente o sistema de justiça.

Um magistrado passa a ser bem avaliado pelos números que apresenta de sentenças proferidas, de audiências realizadas. E este processo escraviza o profissional, fazendo com que uma corrida desenfreada por quantidade tolde completamente a busca por decisões justas.

Os parafusos produzidos em uma fábrica podem ser objeto de avaliação de qualidade a partir do quanto são uniformes e do quanto são perfeitos, mas a sentença judicial trata da vida, cuida de questões que envolvem as pessoas, suas famílias, seus bens, sua liberdade e sua esfera moral.

A decisão judicial que resolve um conflito e ajusta uma situação levada como controversa para ser desvendada nunca pode ser medida apenas por quantidade.

O JULGAMENTO PELO NOME NA CAPA

A comunidade jurídica, que tem acesso ao voto condutor do julgamento do ex-presidente Lula, no TRF da 4ª Região, pode ali observar que houve um esforço descomunal para produzir a urgente decisão condenatória, passando o processo na frente de outros tantos que aguardam decisão naquele laborioso tribunal. Podemos dizer que o processo passou na frente até dos atos processuais a serem produzidos.

Nota-se, pela extensão do trabalho apresentado nos votos, que houve um esforço de exclusividade para realizar o julgamento marcado pela pressa em dar uma resposta à opinião pública.

O que tenho sempre defendido é que não se pode julgar e condenar quem quer que seja pelo nome na capa do processo, mas se deve examinar o conjunto probatório com a isenção necessária para produzir a decisão mais justa.

O julgamento do ex-presidente é emblemático para a crítica que se faz ao sistema processual penal brasileiro, que mantém no mesmo magistrado os papéis de instruir e julgar o processo.

Em outros sistemas, em especial no direito penal europeu, o juiz que toma contato com o acusado, coletando as provas, ouvindo testemunhas na fase de instrução, não está apto a julgar este mesmo processo porque lhe falta imparcialidade objetiva. Ele formou juízos que não podem ser colocados de lado no momento em que irá julgar.

O Ministro Cesar Peluso, no Habeas Corpus 94.641-1-Bahia, oferece precisa lição sobre a imparcialidade objetiva do magistrado. Confiram-se alguns excertos:

Não me parece, data venia, seja esta a leitura mais acertada, sobretudo
perante os princípios e as regras constitucionais que a devem iluminar,
segundo as incontroversas circunstâncias históricas do caso, em que o juiz,
ao conduzir e julgar a ação penal, não conseguiu — nem poderia fazê-lo,
dada a natural limitação do mecanismo de autocontrole sobre motivações
psíquicas subterrâneas — despir-se da irreprimível influência das
impressões pessoais gravadas já na instrução sumária do procedimento de
investigação de paternidade.

É o que se vê claro ao conteúdo das suas decisões, em especial no
recebimento da denúncia e na decretação da prisão preventiva do ora
paciente, em ambas as quais evidenciou estar fortemente influenciado, na
formação e justificação do convencimento, pelas percepções adquiridas na
investigação preliminar (fls. 21-24 do apenso).

Nota-se, por essa lição, ser clara a percepção de que o magistrado que já possui prévio juízo sobre a causa ou sobre o acusado, não revela imparcialidade objetiva suficiente, não controla as motivações psíquicas que o levarão a um resultado – de condenação ou absolvição – não isento.

Para a 2ª Turma do STF, na decisão referida, a falta de imparcialidade objetiva incapacita o magistrado para conhecer e decidir a causa, já que a isenção é um requisito fundamental e essencial da jurisdição.

E não estaríamos diante de uma situação similar no caso do julgamento do expresidente?

É o que nos cabe indagar no histórico caso, em que o juiz federal que coleta toda a prova, da intrincada Operação Lava Jato, interroga o acusado, fala sobre o caso em comunicações acadêmicas e emite opiniões até em participações públicas é o mesmo juiz que julga.

E mais, no Tribunal não se levam em conta os argumentos da defesa, que referem as teses de que o juiz de primeiro grau, realizando toda a coleta de provas neste e em tantos outros processos envolvendo o tema da corrupção na Petrobrás, não teria condições de proferir o julgamento com a isenção necessária e fundamental para que a decisão estivesse nos moldes da justiça isenta e imparcial, que se espera no Estado Democrático de Direito que construímos.

O Ministro Cesar Peluso cita em seu voto uma decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), de onde se destaca a regra de que não pode o juiz que investiga também julgar:

Enfrentando esses resquícios inquisitórios, o Tribunal Europeu de Direitos
Humanos (TEDH), especialmente nos casos Piersack, de 01/10/82, e de
Cubber, de 26/10/84, consagrou o entendimento de que o juiz com
poderes investigatórios é incompatível com a função de julgador. Ou seja,
se o juiz lançou mão de seu poder investigatório na fase pré-processual,
não poderá, na fase processual, ser o julgador. É uma violação do direito ao
juiz imparcial consagrado no art. 6.1 do Convênio para a Proteção dos
Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, de 1950. Segundo o
TEDH, a contaminação resultante dos pré-juízos conduz à falta
de imparcialidade subjetiva ou objetiva.

Esta e outras decisões internacionais, assim como os sistemas internacionais de proteção aos Direitos Humanos, convidam a refletir sobre como podemos realizar a justiça de maneira efetiva, sem permitir que a denúncia já seja a sentença condenatória.

CONCLUSÃO

Parece, então, que este é um bom momento para pensarmos no julgamento com préjuízos e prejuízos incontornáveis, que podem estar se revelando no nosso sistema hodiernamente.

É preciso um ajuste no modelo de justiça que colocamos em funcionamento? Eu digo que sim.

É preciso que os magistrados se digam incapazes de julgar quando se sentirem coagidos pelos próprios preconceitos e juízos prévios; e quando julgarem é preciso que o façam com base nas provas que constam dos autos, ao invés de se deixar contaminar por opiniões que não se compatibilizam com a verdade processual, ou ainda levados pela vaidade em querer entrar para a história de carona, em um processo no qual se considera mais a parte que o direito.

É imprescindível que o julgador tome o tempo necessário e suficiente para construir um raciocínio seguro, que resulte na justiça do caso concreto, sem urgência, sem pressa, sem atender aos reclamos da sociedade acelerada e mecanizada destes tempos.

É crucial compreender que, ao julgar um processo penal, o magistrado está lidando com os preciosos bens da vida e, por esta razão, não pode se submeter ao sistema de métricas que avalia quantidade de decisões proferidas em detrimento da qualidade da justiça entregue aos destinatários.

É necessário repensar o modelo do nosso processo penal que, como já referido, permite ao juiz que instrui o processo penal também julgá-lo, sem o afastamento necessário para observar isentamente tudo o quanto consta dos autos, ou o que deveria constar, mas não está, em razão de uma perícia imprescindível não realizada.

É adequado aproveitar o momento dos grandes julgamentos que vivemos para propor novas lentes, harmonizadas com os sistemas mundiais que melhoraram os parâmetros de julgamentos criminais, para avançarmos em um novo modelo de processo.

E é bom que comecemos imediatamente a realizar julgamentos que satisfaçam nossa sede de justiça, e não de justiçamento, aplacando a inquietude natural da vida humana, tão premida por necessidades, aflições e dificuldades.

Constituímos uma sociedade com um sistema jurídico que, embora necessite de aperfeiçoamento, já se destaca pela grandeza de seus propósitos: que estejamos todos aptos, como atores do sistema de justiça, a atingir a elevação preconizada em nossas leis, em todas as atividades que desempenhamos.

Para se condenar alguém é necessário não ter qualquer dúvida da sua culpa, certeza que só pode ser amparada em provas legais e inquestionáveis. É inadmissível que no Estado Democrático de Direito alguém possa ser condenado porque se acredita que ele seja culpado ou porque tudo indica que o réu seja culpado. O bem maior de qualquer indivíduo, junto com a sua própria vida, é a sua liberdade e o direito a um processo justo, no qual provas inquestionáveis suplantem qualquer opinião dos atores envolvidos no processo.

Só as provas aplacam as dúvidas! Uma acusação de prática de crime que deixa vestígio não pode ser acolhida, em nenhuma hipótese, sem uma perícia que comprove a existência do crime que se imputa.

E, no presente caso, isso não aconteceu! O crime imputado ao réu neste processo deixa vestígio e, por mais que a defesa insistisse na produção da prova pericial, ela não foi permitida.

Apenas quem leu o processo conhece estes fatos. Opiniões apaixonadas contrárias ao réu não podem ser colocadas acima das provas. Ao menos, não na plena vigência do Estado Democrático de Direito.

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